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Ecos da Casa Grande

Graças à digitalização e virtualização das redes sociais, a maioria dos cidadãos se deparou com as lamúrias e angústias dos capitães do mato

Graças à digitalização e virtualização das redes sociais, a maioria dos cidadãos se deparou com as lamúrias e angústias dos capitães do mato (Foto: Rafael Querrer)
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Verdade seja dita, a primeira década do século XXI provou ao mundo o quão resistentes são as estruturas institucionalizadas em períodos menos esclarecidos da humanidade. Da economia à gastronomia, do futebol à política, do jornalismo à literatura, da mulher ao homem, do negro ao branco. Seja lá onde for, ou para quem for, os sistemas programados para sustentar uma "nova ordem", guiada pela mínima valorização dos Direitos Humanos, colidem nos obstáculos interpostos muito antes da "famosa" Declaração de 1789.

As atualizações humanitárias aplicadas ao Brasil, por exemplo, não conseguiram impedir os bugs nocivos às interfaces de interação política e social mais recentes. Seja qual for a interpretação proposta, a história ilumina, no cotidiano, todos os defeitos que irrompem no seio da sociedade e nos remetem à idades menos desenvolvidas. Parte desse problema é de responsabilidade das modernizações, ou evoluções - algumas vezes lembradas pela alcunha de "revoluções", planejadas em bases frágeis. Planos sustentados por pilastras manchadas com as histórias de horror que este País conta no silêncio dos livros, nos gritos dos filmes, mas nunca com a amplitude dos grandes jornais. Revoluções, atualizações e modernizações tocadas em cima de grandes cemitérios abandonados. Propostas para servir de borracha à história, e não como memória.

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Algumas das tais atualizações, inclusive, obliteraram as necessidades específicas para a instalação de modelos menos desiguais e justos. Até hoje a sociedade e a justiça brasileiras, assim como em outras partes do mundo, não conseguem colocar os seres humanos no mesmo patamar de igualdade. Isso se dá, principalmente, porque muitas reformas foram conduzidas de forma capciosa, para fazer a manutenção de reis, rainhas e impérios. Entrelinhas e asteriscos impressos nos contratos assinados para, e pelo, o "País do futuro" garantiram, garantem e permitirão o passado no presente. Ao passo em que caminhamos contra o vento, o momento e a instância das coisas, na incessante labuta por dignidade, muitas âncoras ainda persistem presas no fundo do oceano de incivilidade. A Casa Grande continua em pé.

E nós estamos amarrados a ela. Ao tempo. Às colunas que sustentaram todas as tragédias que o homem e a mulher já viram. Usurpamos secularidades e reproduzimos os perversos antagonismos aos quais já fomos submetidos, independente das opções, determinações e orientações pessoais. Esse é um dos comportamentos indiciados por distribuir sofrimento e frear o progresso. Compõe a postura de quem vira as costas para o avanço de um modelo de vida - um sistema político, que evidencie a equidade de oportunidades, o respeito pelo próximo, a soberania popular e outros méritos que legitimam um regime afortunado. É a conduta comum a aqueles cujos sentimentos mais íntimos não conseguem romper com a trajetória patriarcal instalada em solo tupiniquim.

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No Brasil, pouco se investiu para arrebentar os laços com a cultura exploratória e de submissão que desembarcou das caravelas. Mais recentemente, adotamos a democracia para tentar (ou fingir que estamos tentando) curar as feridas e conceber outro futuro diferente do que fora previsto em séculos anteriores. Por aqui, todavia, a democracia é jovem e sofre com a inocência, o despreparo e o nascimento tardio. Tem menos idade, experiência e força do que os Fleurys e os senhores de engenho que fizeram escola disseminando morte entre as ruas e as avenidas deste País. São suas aulas, aliás, que doutrinam o processo e apontam os caminhos a serem seguidos pelo "governo do povo, para o povo, pelo povo" (que seja). Pelo menos até o momento.

O regime está em plena fase de atribuição de valores e significados, mas infelizmente ainda se aperfeiçoa atrelado ao conjunto de valores que catequizaram o País entre a colônia e o DOI-CODI. Está preso aos conceitos de um mundo velho. É uma democracia que nasceu ultrapassada e não conhece os próprios limites. No entanto, nos últimos anos, conseguimos sair do quartel e agregar novas importâncias à ordem política, como a igualdade, a cidadania e a inclusão. A todo custo também temos conseguido desatrelar a economia da liberdade, desvinculando esse estado político, e de espírito, dos indicadores econômicos. Definimos que a liberdade não pode ser um remédio para o mercado, a contragosto das gigantes pessoas jurídicas. Estamos procurando lapidar, de alguma forma, a nossa democracia.

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O problema é que mesmo com todo o esforço ainda não conseguimos esculturar os conceitos democráticos ao nosso País. A democracia, que ainda é teoria em diversas localidades do mundo, não se encaixa no Brasil, nem no campo das ideias. O País não parece preparado para um regime nestes moldes, ou simplesmente não o quer. Por mais que se tente, há uma boa parcela da população que reage negativamente a quaisquer movimentos que valorizem, por exemplo, a desmarginalização e a recuperação dos lesados pelo tempo ou a reorganização do poder, seja ele de compra ou de decisão política. Uma outra parte simplesmente não está preparada para assumir as responsabilidades que o "método democrático" exige. Gente alienada pelos impactos da história brasileira e formatada no capitalismo agressivo de um mundo desregulamentado.

O progresso e o desenvolvimento social são rechaçados por Fleurys, senhores de engenho, imperadores, exploradores e missionários do século XVI que ainda estão entre nós escolhendo presidentes, participando da vida pública e até difundindo informação por meio dos telejornais e "enormes" veículos impressos. Podemos discutir a legitimidade democrática dessa atuação ou perceber isso como resquício do atraso, vozes que não cabem mais no País mais justo que muita gente ainda sonha em construir. Para seguir adiante falta coragem à nossa democracia. Falta vontade dos cidadãos para confrontar o retardamento do País. É preciso varrer para as redes de tratamento o resíduo abandonado pelas relações sociais de produção impostas desde aquele 22 de abril. A democracia deve deixar o calabouço e invadir o latifúndio.

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Sem isso continuaremos criando e traumatizando um sistema sobre a lama e as sujeiras do passado. Encontraremos pedaços dessa democracia, eventualmente, mas estaremos erguendo o futuro por cima da vergonha. Utilizando os mesmos tijolos e barras de ferro, tão úteis aos porões do medo, para construir esse novo período de "justiça social". Ficaremos para sempre lidando com os fantasmas.

Os ossos não foram queimados, os corpos não foram encontrados, os assassinos não foram condenados e cá estamos nós, a bradar por prosperidade, enquanto mulheres são agredidas, homossexuais são assassinados, crianças são abusadas, negros são "enviados" para a senzala, acorrentados à escravidão, pessoas são humilhadas e palavras de ordem surgem para impedir que se ande para frente. É como se nada tivesse acontecido, mesmo considerando que ainda estamos contando os corpos do genocídio. Não arrumamos a casa e não limpamos o sangue. O pó se transformou em lama e está sob o tapete se reorganizando em novas armações. Nenhuma democracia pode, sozinha, desafiar a história e projetar um amanhã mais saudável e menos violento. Nenhuma democracia funciona sob o domínio de poucos ou de um só.

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Com o passar dos dias fica mais visível que implementamos uma nova política de vida para favorecer as instituições que se recusaram a abandonar o posto. Estruturas ainda vivas até em nomes de ruas, pontes e escolas. O fato é que, para manter o povo inerte dentro da sua própria confusão e fazer a manutenção de um regime adestrado com a cultura do século XVI, o destino (grupo formado pelos detentores do poder) anistiou o tempo de chumbo, a senzala, a colônia e as intransigências. Calou os gritos, o choro e a saudade. Para amenizar o golpe que este Brasil sofreu por mais de cinco séculos, construíram a mentira e deram nomes, arbitrariamente, como Estado de Direito e etc..

O "destino" deturpa a democracia e amadurece o regime no calor de suas exigências e interesses. Pior do que o caso das sujeiras sob o tapete é não fazer a menor questão de esconder os esqueletos, as pilastras sujas de sangue e as âncoras. Os resquícios de passado ficaram por aí, graduando as mentes com os mais antiquados e ultrapassados costumes e preferências.

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Fizeram, fizemos, ou deixamos fazer, um País por cima do ódio, depois da redemocratização, no início dos anos 80. Uma raiva nascida quando muitas correntes foram arrebentadas por força do dinheiro, quando muitas celas foram abertas por vontade do tempo. Esse sentimento alimentou mentes e culturas, criou comportamentos e se enraizou onde a "Lei" (dos homens ou de Deus) não pode ver, ou não pode chegar. Não há surpresa em ver colegas proferindo barbáries contra nordestinos, negros, mulheres, homossexuais, depois dos resultados das eleições de 2014. Esse é o sinal claro de que espadas, chibatas e botas pretas ainda estão por aí, na cabeça dessa gente que se alimenta da ignorância e da violência seculares.

Nas últimas semanas, uma pequena vitória aliviou o contexto, mas abriu os portões do inferno e expôs o Brasil ao brasileiro. Graças à digitalização e à virtualização das redes sociais, a maioria dos cidadãos se deparou com as lamúrias e angústias dos capitães do mato. O Brasil inteiro ouviu os prantos partidos de todas as capitanias hereditárias que insistem em dividir o País a partir dos conceitos mais ignorantes que já foram notícia. Todos nós sentimos a dor do "eixo" mais uma vez derrotado na superfície. Os ecos da Casa Grande.

Os novos soldados da "antiga era", dos buracos da história nacional, sem mais munições, atiraram seus capacetes e fuzis para tentar ferir mais inocentes nessa estúpida guerra por valores que nem eles mesmos sustentam. Metralharam seus sentimentos mais obscuros e íntimos no esforço de prejudicar quem insiste no progresso ou opta por um amanhã menos tenebroso, por um outro dia sem as lembranças de uma mesa vazia em uma casa de plástico.

Com a derrota, alguns generais ameaçaram sair do País, abandonar o barco, para nadar até 1500, quando o mundo fazia mais sentido para eles. Outros simplesmente preferem vestir correntes ou tatuar códigos de barra em regiões do mundo que ainda trabalham no formato colonial. Talvez seja melhor que nos deixem e que encontrem a felicidade, mesmo que de joelhos a deuses que não os respeitam.

A revolta dos vencidos só sublinhou a necessidade de uma nova postura. Destacou a importância do enfrentamento, não contra o próximo, mas contra a história. Circulou a urgência em retirar do nosso caminho as pedras do passado e transformá-las em um museu pelo futuro. Para que todos, nas escolas e nas ruas, vejam a vergonha e sintam a mesma vontade de caminhar para frente, de braços dados ou não, com a história na mão.

Sobra preocupação pelo potencial que algumas dessas rebeliões, apontados pelos próprios livros de história. Afinal, a história acontece primeiro como tragédia e depois corre o risco de se repetir por meio de uma farsa. No Brasil, o fascismo se tornou opinião. Sugere reformas e impõe condutas. A direita ainda quer marchar com Deus e o Diabo pela liberdade de suas violações, contravenções, transgressões e infrações seculares. Imagino essa gente organizada, com objetivos maiores do que a própria conta bancária.

Os danos provocados pelo grande latifúndio de insegurança e covardia só estão vivos, ainda, por ignorância e passividade. O Brasil precisa de institucionalizar uma revolução para extinguir o atraso e impedir que sigamos à direita de um mundo ainda gerenciado por quem impôs, e impõe, o terror pelo lucro, pelo poder. Já pagamos a conta por mais de 400 anos. Agora, a luta precisa continuar para além das urnas e ruas. E essa atualização não será televisionada.

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