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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

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Editorial Estadão: ‘mais uma denúncia inepta’ – ele sabe o que é isto?

Falar em 'denúncia inepta', com um presidente da República e seu núcleo duro imediato envolvido em intermináveis escândalos, é um sensacionalismo jornalístico tosco

Falar em 'denúncia inepta', com um presidente da República e seu núcleo duro imediato envolvido em intermináveis escândalos, é um sensacionalismo jornalístico tosco (Foto: Jean Menezes de Aguiar)
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Em artigo anônimo, de 16.9.2017, mais conhecido como 'editorial', o Estão que parece estar com problema com Rodrigo Janot reserva seu espaço mais importante – a cabeça da 3 -, página ímpar, topo, para o sensacionalismo.

A manchete é 'Mais uma denúncia inepta'. Mas será que o Estadão sabe o que é isto?

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Tudo bem que qualquer um por aí tenha se 'apropriado' de assuntos jurídicos. Repare que não se apropriam, por exemplo, de assuntos médicos. Assim, achólogos de plantão, exercendo a achologia opinam sobre tudo; no rádio, na TV, nos jornais, na internet.

Mas será que esta segunda denúncia contra Michel Temer seria mesmo 'inepta'? Para que uma denúncia seja inepta são necessários, cientificamente – perdoe-se o termo, não é reserva de mercado-, o manuseio de dois conceitos. O primeiro, de 'denúncia', ato processual penal restrito à constituição do processo e, cheio de requisitos. O segundo, o conceito de 'inépcia', uma das causas do juízo negativo de admissibilidade da petição inicial processual penal que é exatamente a denúncia.

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Uma das formas de patrulhamento da imprensa sobre a ciência parece ser porque ela não quer se dar ao trabalho de estudar cientificamente uma determinada área, aí cobra que os usuários da tal área 'falem de forma simples'. Assim, a imprensa se dá ao direito (...) de reclamar das linguagens científicas, o economês, o juridiquês etc. Como se cada área não pudesse mais criar e ter seus institutos, seus conceitos polissêmicos ou unicistas, suas teorias científicas etc.

O 'conhecimento', ao lado da 'força' e do 'dinheiro' compõe o tripé que Jean-François Lyotard, na obra A condição pós-moderna, considera 'poder'. O que há de bom é que o conhecimento é democrático. Quem quiser estudar física que estude, conheça e domine. Só não tem o direito de ficar 'de fora' reclamando que físicos usam o fisiquês 'para que ninguém entenda'. Isto sim é patético.

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Uma deliciosa passagem ilustra bem o caso. O famoso e saudoso biólogo brasileiro Paulo Emílio Vanzolini, em entrevista à poderosa revista Ciência hoje (v.20, n. 119, 1996, p.52), perguntado se não tinha que usar uma linguagem mais "popular" nos seus estudos, respondeu na lata: "Sou elitista mesmo. Faço ciência para mim e mais meia dúzia de caras. Cada um que faça o seu serviço e me deixe com o meu." Yes!

Ainda nesta lenga lenga, quem reparar o Supremo Tribunal Federal de antes da TV-Justiça com o Supremo-da-TV, percebe uma clara mudança histórica: ministros esforçando-se para não falar o seu 'natural', que sempre foi e é o juridiquês, mas para falar para que o povo entenda. Se essa ginástica sináptica não comprometer a estrutura do pensamento – sim, ele 'nasce' para o jurista em juridiquês-, tudo bem, mas se comprometer – e parece que nalguns casos compromete!-, há uma perda, por este artificialismo popularesco de se ter que falar não preocupado e focado no processo, mas na câmera de TV.

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Denúncia inepta... É claro que isso é possível. Mas o caso de inépcia de uma denúncia é o de um promotor de justiça não saber o básico de como elaborar sua petição inicial. No caso de um chefe do Ministério Público federal, que jamais atua sozinho, conta com diversos subprocuradores gerais, a hipótese de uma denúncia inepta seria um acesso cavalar de incompetência a toda a cúpula colegiada do MP.

Para se falar em 'denúncia' há que se passar por conceitos essencialmente técnicos e mesmo científicos, bem complexos como como ação; condições de procedibilidade; processo; pressupostos processuais; a discutível 'justa causa' (lastro probatório mínimo tão somente para instauração do processo); eficácia preclusiva da decisão acerca de fato porventura atípico; delituosidade do fato; juízo de cognição imediata não atinente à prova (!) mas à correspondência do fato à norma jurídica; cognição exauriente; petição inicial; natureza jurídica do recebimento da denúncia; juízo de admissibilidade; exercício da ampla defesa que não pode ser impedido por uma denúncia episodicamente inepta; como também os pressupostos do Código de Processo Penal em seu artigo 41, exposição do fato criminoso; circunstâncias; classificação do crime.

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Mas para se falar em 'inépcia da denúncia', a situação ainda piora. O Código de Processo Penal, no artigo 395 só aceita a chancela de inépcia se a denúncia for 'manifestamente inepta'.

Assim, como sensacionalismo a manchete do Estadão estaria perfeita. Impacta, surpreende, destila pânico na sociedade ao supor que toda a chefia do Ministério Público federal brasileiro fosse mesmo imbecil.

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O cientista político Fareed Zakaria, na obra O mundo pós americano, mostra que o mundo está muito seguro na atualidade, mas a mídia do espetáculo e do sensacionalismo precisa fabricar um caos por dia.

O Ministério Público no Brasil, finalmente, resolveu trabalhar e pegar grandes corruptos que, historicamente, existem desde a origem do país. Entrou muito atrasado o MP nessa luta. As críticas podem ser largas nesse sentido – e não só a ele, claro. Mas falar em 'denúncia inepta', com um presidente da República e seu núcleo duro imediato envolvido em intermináveis escândalos, é um sensacionalismo jornalístico tosco.

Quanto tempo ainda levará para que parte considerável da imprensa continue com este sensacionalismo espumoso e artificial, conseguindo fazer a cabeça de tanta gente?

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