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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor do livro "Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil". Editor da newsletter "Noticiário Comentado" (paulohenriquearantes.substack.com)

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Editorialista do Estadão não sabe o que é passar fome

A boa notícia é que o mundo pensa diferente, como se viu em Roma

Editorialista do Estadão não sabe o que é passar fome (Foto: Reuters)

É de conhecimento até do mundo mineral (Mino Carta vive!) que “O Estado de S. Paulo” é escrito para agradar à elite conservadora, a despeito de vir decepcionando, nos últimos tempos, a parcela golpista dessa elite. O problema é quando a defesa do tal “livre mercado”, regalo conservador, descamba para o ataque a iniciativas que pretendem salvar a vida de seres humanos.

“O mercado” é cruel, todos sabem, mas opor-se a coisas como o combate à fome ultrapassa o patamar de maldade até aqui observado pelos pragmáticos da finança, aos quais o Estadão serve.

No editorial de 20 de outubro, o jornalão do bairro do Limão esculachou o discurso de Lula no Fórum Mundial da Alimentação, em Roma, onde o presidente brasileiro foi efusivamente aplaudido. O ponto que mais incomodou o editorialista foi a proposta de criação de um imposto global de 2% sobre a fortuna dos super-ricos, algo como 315 bilhões de dólares. 

Para o tabloide, comprar e distribuir comida não resolverá o problema da fome, assim como o incremento do Bolsa Família não o resolveu no Brasil. Confira-se o raciocínio canhestro do editorialista:

“O que Lula não contou à embevecida plateia é que o Brasil já gasta cerca de 15% desse valor (315 bilhões de dólares) por ano em Bolsa Família e em Benefício de Prestação Continuada, e, no entanto, a despeito dessa dinheirama, e mesmo tendo o equivalente a apenas 3% da população total dos países em desenvolvimento, ainda enfrenta insegurança alimentar, como mostrou recentemente o IBGE. Os dados indicam que 24,2% dos domicílios brasileiros conviviam com algum grau de insegurança alimentar em 2024. Houve queda em relação aos 27,6% de 2023, mas mesmo assim segue sendo um número muito alto para um país que investe tanto em assistencialismo”.

Ou seja, a queda dos que passam fome de 27,6% para 24,2% da população, em um ano, beneficiando cerca de 7 milhões de pessoas, é pouca para justificar o “assistencialismo petista”.

Numa conclusão inacreditável, o Estadão simplesmente acusa Lula não ter buscado, no Fórum da Alimentação, “lançar propostas concretas e factíveis para enfrentar o problema da fome no mundo, e sim vilanizar os ricos, eleitos pelo presidente como inimigos do povo brasileiro – e mundial”.

“Vilanizar os ricos”, na sinistra compreensão do tablóide do Limão, seria chamá-los a contribuir para a erradicação da fome com 2% da fortuna, boa parte da qual multiplica-se no mercado financeiro sem gerar nem um emprego sequer.

O editorialista do Estadão não tem a mais parca ideia do que seja passar fome. Prefere enxergar, apenas, finalidades eleitorais na luta histórica de Lula pela erradicação da insegurança alimentar. A boa notícia é que o mundo pensa diferente, como se viu em Roma.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.