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Teju Franco

Músico e compositor

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Ei, Milton! A MPB não tá uma merda não!

A questão é que a produção artística entregue apenas aos interesses de mercado não produz as novas músicas e os artistas das vertentes da MPB, que virou um artigo de luxo permitido àqueles que têm recursos para se produzirem; normalmente filho de artistas famosos ou pessoas ligadas ao show business

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Ei, Milton! A MPB não tá uma merda não, só não está sendo produzida pelo mercado; é só mais um dos pecados neoliberais.

A questão é que a produção artística entregue apenas aos interesses de mercado não produz as novas músicas e os artistas das vertentes da MPB, que virou um artigo de luxo permitido àqueles que têm recursos para se produzirem; normalmente filho de artistas famosos ou pessoas ligadas ao show business. Ainda no tempo das gravadoras, já não havia mais produtores e nem verbas para MPB. Havia vocês, os grandes artistas consagrados, mas o gênero em si não existia mais como um produto de mercado. Não havia mais um departamento nas gravadoras destinado ao gênero “MPB”, olheiros, festivais, programas de TV e rádio, nada. Os produtores antológicos, sem verbas, migraram em maioria para o cinema. O gênero continuou existindo, vivendo de seu passado glorioso, dos filhos de artistas que ainda dispunham de recursos e facilidades, alguns muito talentosos e outros nem tanto, e também nos bares da vida, botecos, Sujinhos, Bora Boras, Vou Vivendo...

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Embora fora de mercado, fora de circuito, fora das rádios e mídias de massa, fora das grandes casas de shows, a bela dama, a mina que assombrava o mundo, a chamada música brasileira, ou MPB, e seus manos, os compositores, ainda cantam por aí, compõem como nunca, encantam corações e mentes em lugares pequenos, muquifos, botecos e, principalmente, saraus.

Nos chamados barzinhos de MPB normalmente não se permitem músicas autorais, apenas os clássicos e hits do gênero, o que levou os compositores a criarem saraus domiciliares em que se encontram, celebram, e apresentam suas novas canções. Sim, fomos para dentro de casa, casas de músicos e aficionados, fãs, amigos, as nossas próprias, foi o jeito de continuar a existir.

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“Mas existirmos a que será que se destina”? Tem muita gente boa criando música por aí, fazendo canções com a mesma vitalidade com que vocês fizeram, letras incríveis, harmonias, melodias, ritmos; você ficaria admirado em saber como tem gente “phoda” por aí, compondo verdadeiros clássicos em completo anonimato, artistas que não conseguem romper uma roda de amigos.

Não tá nada fácil não; é que fomos talhados dos mesmos amor, coragem e ousadia da geração de vocês, e pagamos um preço bem alto por isso. Assistimos há décadas a pessoas que não têm nada a ver com arte disporem de estruturas milionárias para veicular essa música que você chamou de merda, e é mesmo, enquanto pagamos para nos apresentar para 20 ou 30 pessoas. Nossos shows são deficitários, nós realmente pagamos para continuar existindo; sem produtor, empresário, hotel, transporte, equipe técnica; muitas vezes levamos o equipamento de som, fazemos a produção, a divulgação etc. Nós fazemos de tudo um pouco, mas continuamos, seguimos “não importando se quem pagou quis ouvir”.

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Não sou populista com meu gosto pessoal, jamais vou combater que alguém faça o que quer que seja, nem ser ofensivo ou mal-educado com as pessoas que fazem músicas de que não gosto. Normalmente essas coisas cheias de fórmulas e clichês são muito chatas, nada inventivas; o brega real mesmo é legal, tem seu charme, sua mágica e inventividade, sua origem genuína e popular, mas essas músicas sobre as quais você reclamou são insuportáveis e repetitivas. Contudo, como arte é uma coisa que se faz para apreciação, gostar e não gostar, eu vou usar de meu livre arbítrio, mesmo porque nessa vida de artista a rejeição também é parte fundamental e diária do ofício. Quem ama de fato o ofício respeita, enfrenta, desrespeita a rejeição; costumo dizer que fazemos arte para as pessoas gostarem e não gostarem, se todos gostassem não haveria a menor graça — dar o acorde e sair correndo para os aplausos; que graça teria?

Saiba, queridaço Milton, Milton da vida da gente, sua geração faz tão parte da vida de nossas vidas que, nessa idade em que todos estão, vivemos pensando no que será da gente sem vocês; já que não conseguimos de fato existir, mas subsistir à sombra de; mas a gente tá fazendo música sim, temos nossos Clubes da Esquina também, nossas “Tropicálias” , nossas “Bossas Novas”. Sem querer ser pretensioso e já sendo, não devemos nada para vocês. Tanto lidamos para continuar um legado tão poderoso que vocês deixaram que, sim, muitos chegaram a esse nível de manufatura e encantamento que vocês impuseram ao mundo. Vocês ficariam orgulhosos de conhecer alguns dos filhotes de seus legados, todos vocês. Não tô culpando nenhum de vocês por não saberem que a gente existe — como saberiam? Quanto mais difícil fica o ofício, mais gente aparece, a internet é fantástica porque deixa todo mundo fazer tudo, mas nos torna um em um milhão, então na verdade você está fazendo número, vocês não são produtores, têm suas carreiras para levar, vivem viajando pelo mundo, trabalhando duro; nosso anonimato se deve às opções que o “Deus” mercado tomou, a ausência de políticas culturais para talvez ajudar a preservar um dos tesouros desse país, a MPB, uma referência no mundo todo e aqui completamente abandonada pelo Estado, renegada, e no varejo trocada por essa música merda de que você falou.

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C’est la vie!, mas nós não vivemos de chororô não; somos felizes, a música tem uma contrapartida de juventude eterna em algumas pessoas que aderem a sua religião, pagamos para existir, nos apresentar, bancamos nossas produções a duras penas, vivemos eternamente nos primeiros anos da carreira de vocês, eternamente, botando nossas tralhas num audaz “Manuel” e soltando a voz nas estradas. Não somos amargos, graças ao deus da música, somos um pouco como vocês, generosos, felizes, tristes, invencíveis, corajosos, estamos aí firmes e fortes na misteriosa “Travessia”, vamos aonde o povo está. Se não tivemos a mesma sorte que vocês, porque tem muito de sorte nessa profissão, sorte, hora, oportunidade, lugar, tempo, tempo histórico, condições, se não tivemos isso, tivemos a mesma nobreza, as mesmas paixão e verdade, os mesmos amor, entrega, sacrifício e... talento.

E nunca paramos de sonhar, minha turma mais próxima tá nos 50 anos, um bando de compositores monstros, e todo mundo sonha ainda — juro procê.

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Venha pra um sarau na casa do Max Gonzaga — hahaha! Viu como a gente ainda sonha?

Venha, e você vai conhecer uma turma que vai tirá-lo dessa melancolia mais do que compreensível.

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A música brasileira não tá uma merda não, Milton, tá no mesmo lugar a que vocês a levaram, só foi tirada de cena.

Beijo e saúde, meu irmão!

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