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Robson Sávio Reis Souza

Doutor em Ciências Sociais e pós-doutor em Direitos Humanos

158 artigos

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Eleições, democracia e os direitos humanos

"Ainda há esperança na retomada da democracia de fato com vistas à construção de uma sociedade baseada nos pressupostos dos direitos humanos que são a base de um projeto de sociedade onde caibam todos e todas", avalia o cientista político e colunista do 247 Robson Sávio Reis Souza sobre o momento do País

Eleições, democracia e os direitos humanos
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Nesta data, quando o Comitê de Direitos Humanos da ONU se posiciona acerca do direito do ex-presidente Lula de participar das eleições, vale a pena uma reflexão sobre alguns pressupostos que congregam os que militam na defesa intransigente dos direitos humanos como parâmetros à vida em sociedade.

Dentre esses pressupostos estão a dignidade de todos os seres humanos e a democracia, valores estruturadores de sociedade justas, igualitárias e verdadeiramente livres.

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Esses valores-sínteses são a base de um projeto de sociedade que tem seus fundamentos nos direitos humanos.

A democracia pressupõe além de requisitos procedimentais (existência dos três poderes, eleições regulares, liberdade de expressão, etc.) pelo menos três elementos substantivos sem os quais o ideal democrático não se concretiza na prática e só se realiza, quando se realiza, no campo meramente formal.

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Em primeiro lugar, a verdadeira democracia se caracteriza pela criação e ampliação de direitos. Reafirmo: criação e ampliação de direitos.

No caso brasileiro, é preciso dizer com todas as letras: naturalizamos cinicamente uma sociedade historicamente estruturada na exclusão social, na violência e na justiça seletivas. Muitos, inclusive parte dos membros da Academia, camuflam essa realidade antidemocrática criando expressões do tipo "democracia de baixa intensidade" para caracterizar uma sociedade que não universaliza os direitos; ou seja, garante direitos para poucos. Nesse contexto, a rigor, nem podemos falar de direitos, mas de privilégios.

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O Brasil nunca foi verdadeiramente um país democrático. Nossa realidade social está estruturada na violência multifacetada e seletiva; na exclusão social; na justiça, também seletiva; num patriarcalismo gerador de múltiplas formas de opressão, entre outras mazelas.

As elites (econômicas, políticas, acadêmicas, sociais e até religiosas), salvo exceções, são de mentalidade escravocrata: sempre impediram a efetivação de direitos para todos; sistematicamente se articulam para promover a rapinagem do erário e não se acanham em promover o desequilíbrio nas disputas sociopolíticas à medida que a maioria do povo é constantemente esmagada por essa ordem social injusta, elitista e autoritária.

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As relações de mando e obediência, características da hierarquização da sociedade brasileira, estão presentes no cotidiano das famílias, das igrejas, das relações de trabalho, nas escolas e em quase todos os espaços da vida, a definir uma cidadania marcada por privilégios para uns pouco e a exclusão e subcidadania, caracterizada pela não efetivação dos direitos, à maioria da população.

Essas elites e alguns segmentos ultraconservadores da classe média são os herdeiros da cultura colonial, submissos historicamente à burguesia mundial, não têm um projeto nacional e são alheios aos interesses do país. Carregam a tradição elitista, racista, etnocêntrica, patriarcal e violadora dos direitos humanos. São os filhotes da Casa Grande que se arvoram, em momentos de crises agudas, à condição de donos ou tutores desse país; suas leis; seu povo...

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Acontece, que nos últimos dois anos, como se não bastasse esse cinismo que mantém o Brasil como o mais desigual do mundo no rol dos países ditos democráticos, um governo não eleito chegou ao poder graças a uma coalizão cujos interesses são inconfessáveis. Esse governo ignorou o projeto político vitorioso nas eleições de 2014 e resolveu, também, e por tabela, rasgar a Constituição de 1988 e com ela os direitos duramente conquistados a duras penas pelos brasileiros depois da ditadura civil-militar (que, lamentavelmente, é aclamada, ainda, por grupos saudosos desse tempo de trevas).

Ora, se a democracia se caracteriza pela criação e expansão de direitos, fica óbvio que, no contexto político atual, não podemos falar, sequer, que vivemos numa "democracia de baixa intensidade". Ou seja, não usufruímos de uma democracia real.

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O segundo pressuposto de uma democracia substantiva, para além da democracia meramente formal, é a existência e o reconhecimento dos conflitos como elementos importantes para a vocalização e disputa das várias demandas dos diferentes grupos que compõem sociedades plurais, diversas e que se pretendem democráticas.

Neste ponto, também podemos observar, na prática, que nessa quadra histórica os conflitos sociais foram totalmente militarizados e/ou judicializados pela coalizão que, nos três poderes da república, articula políticas de controle social seletivo e alargamento do estado policial-penal de viés claramente autoritário.

A criminalização dos movimentos sociais e populares; a violência real e simbólica contra setores que demandam por reconhecimento e direitos; as inúmeras tentativas de homogeneização do pensamento, tendo como principal vetor dessa ação a mídia empresarial, e a ação violenta do Estado contra os pobres, os negros e os segmentos vulneráveis com políticas que vão desde a utilização cada vez mais flagrante das Forças Armadas nos conflitos sociais, passando por inúmeras estratégias de silenciamento das vozes divergentes do establishment, chegando a violações concretas, como o aumento da violência e letalidade policial; as políticas perversas contra indígenas, quilombolas, sem-terra e a ampliação do estado punitivo, numa verdadeira caça às bruxas, comprovam que o conglomerado no poder optou por reprimir violentamente os conflitos sociais.

Ora, um governo que não sabe lidar com os conflitos sociais, usando somente da repressão, da estigmatização e da violência, não é um governo democrático.

Por fim, e talvez o mais importante: uma democracia real tem na soberania popular o seu mais importante e valoroso pilar. É do povo que deriva todo o poder. Como determina o artigo primeiro, parágrafo único da Constituição: "Todo poder emana do povo". E numa democracia de fato, nenhuma pessoa, instituição ou outro poder pode se sobrepor à vontade e deliberação popular.

Sei que essa lembrança, tão elementar, mas necessária, desagrada segmentos elitistas, aristocráticos, conservadores e fascistas que se julgam melhores e mais qualificados que o conjunto da população. Afinal, para esses segmentos a ralé deve-se contentar com seu histórico lugar social: o andar de baixo, sem se meter nos rumos da Nação de e para uns poucos.

Também nesse ponto, sobram motivos para comprovarmos que não vivemos numa democracia de fato. Como se não bastassem todos os estratagemas para se manter a qualquer custo no poder da coalizão que atualmente governa o país, observamos nos últimos anos um movimento pernicioso à democracia protagonizado por setores do sistema de justiça. Um movimento que começou há algum tempo com a judicialização da política (em certa medida derivado das omissões e tramoias dos outros dois poderes) e foi-se aprofundando à politização da justiça até chegarmos a situações que configuram uma evidente partidarização da justiça.

Processos e manobras judiciais totalmente alheios à tradição republicana e um estranho hiperativismo de juízes e promotores enveredaram o país no caminho do lawfare, ou seja, do uso indevido de recursos jurídicos para a perseguição política seletiva, chegando ao ponto atual no qual o processo político e eleitoral está tutelado pela justiça.

Todos sabem que, historicamente, o processo eleitoral é formatado para a manutenção de elites políticas, econômicas e partidárias para se perpetuarem no poder. O novo, nesse momento, é que essa engenharia lesiva está se tornando ainda mais antidemocrática.

A soberania popular corre o risco de ser totalmente maculada. E, a depender dos próximos acontecimentos no cenário jurídico, político e eleitoral, teremos eleições farsescas que, nessas condições, não legitimarão o próximo governo.

Nesse estado neoliberal, onde o espaço privado dos interesses dos poderosos é cada vez mais alargado e, ao mesmo tempo, o espaço público dos direitos da maioria dos cidadãos é encolhido os direitos humanos são alvo de destruição. E é exatamente isso que o governo atual está a fazer nesse momento. As contrarreformas aprovadas por um Congresso avesso ao povo, todas elas, atendem aos interesses privados de uns poucos e contraria os interesses públicos da grande maioria do povo brasileiro. Ademais, tais reformas fraudulentas ferem de morte as políticas de promoção, proteção, reparação e defesa dos direitos humanos em nosso país.

Um governo sem legitimidade popular, flagrantemente elitista e corrupto e sem compromissos com a democracia de fato não atua na perspectiva da construção de um projeto de sociedade lastreado nos direitos humanos.

E só podemos pensar num projeto de sociedade baseado nos direitos humanos se a dignidade humana, a expansão e garantia de direitos e a democracia de fato forem realidade política.

Aproximam-se as eleições. E para a restauração da democracia de fato o próximo governo deverá se comprometer com a recriação e a ampliação de direitos, o que na prática significa, entre outras ações, revogar todas as medidas restritivas de direitos adotadas pelo governo atual.

Da mesma forma, o novo governo deverá respeitar e conviver com os conflitos sociais, a valorizar a diversidade social, étnica, cultural, política, religiosa e de gênero.

E, por fim, o próximo governo só terá legitimidade se o resultado das urnas refletir a vontade do povo e não de alguns que se julgam os donos da lei, da ordem e da verdade.

Por fim, falar de um projeto de sociedade na perspectiva dos direitos humanos é também analisar criticamente a realidade na qual vivemos. É apontar as lutas emancipatórias e de resistência protagonizadas pela sociedade civil nesses últimos anos. Neste sentido, e terminando essas minhas considerações, quero registrar brevemente que as lutas e a resistência dos setores populares e democráticos nos últimos anos deve ser reconhecida e valorizada.

Não obstante a destruição do estado democrático por forças poderosas, observamos um ressurgimento potente de vários movimentos sociais, principalmente ligados às questões de gênero (feministas e LGBT+), étnicos (movimentos negros) e geracionais (juventudes). Esses movimentos lideram importante resistência à ruptura democrática, denunciam suas feições machista, racista, fascista, homofóbica e velhaca e lutam pela reconquista e pela garantia de direitos.

Ainda há esperança na retomada da democracia de fato com vistas à construção de uma sociedade baseada nos pressupostos dos direitos humanos que são a base de um projeto de sociedade onde caibam todos e todas.

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