Eles querem continuar no poder, pelo poder!
O reitor atual da Universidade Federal de Sergipe está há 16 anos no poder, sendo 8 anos como vice-reitor e os últimos 8 anos como reitor, com toda a estrutura e sedimentação de poder que isso representa
Ao que parece, a Revolução dos Bichos, de George Orweel, continuará sendo a principal fonte de referência para o processo eleitoral da UFS em 2020. Nesse clássico publicado na Inglaterra em 1945, o autor recorre a figuras de animais para retratar as fraquezas humanas diante do poder. Parte do enredo fala de como os “letrados” porcos ocuparam o poder. No início, as leis eram democráticas e amplamente favoráveis a todos os animais da fazenda: “Nenhum animal dormirá em cama.Nenhum animal beberá álcool.Nenhum animal matará outro animal.Todos os animais são iguais.”
Os porcos resumiam as leis utilizando um slogan: "Quatro pernas, bom; duas pernas, mau".
Entretanto, à medida que o tempo passava, o gosto pelo poder aumentava e os porcos começaram a se parecer cada vez mais com os humanos e, para a manutenção do poder, com privilégios para o seu próprio grupo, passaram a modificar a leis da fazenda:
“Nenhum animal dormirá em cama com lençóis.Nenhum animal beberá álcool em excesso.Nenhum animal matará outro animal sem motivo.Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.”Ao final, baniram o Slogan original e inventaram um novo, que logo foi disseminado pelas ovelhas que seguiam cegamente os porcos: “Quatro pernas, bom; duas pernas, melhor!”
Muito bem, voltemos agora nossos olhos para a Universidade Federal de Sergipe. O reitor atual está há 16 anos no poder, sendo 8 anos como vice-reitor e os últimos 8 anos como reitor, com toda a estrutura e sedimentação de poder que isso representa.
Em novembro de 2019 as entidades representativas da UFS desencadearam o processo de Consulta Pública à Comunidade Universitária para a escolha de reitor, nos mesmos moldes históricos e democráticos dos últimos 36 anos.
No dia 24 de dezembro de 2019, véspera de Natal, a presidência da República publicou a Medida Provisória nº 914, que atinge frontalmente o modelo paritário e democrático de escolha de reitores, isso após ter quebrado a tradição histórica de acatar o primeiro colocado das listas tríplices, enviadas por algumas universidades federais que passaram por esse processo no ano de 2019, chegando ao cúmulo de nomear como Reitor da Universidade Federal do Ceará um candidato que teve menos de 5% dos votos da Comunidade Universitária. Nesse ponto, a MP 914 determina como padrão a livre escolha do Presidente para qualquer um dos nomes da lista tríplice que, obviamente, esteja mais alinhado com o Governo, descartando completamente o processo democrático e ferindo a autonomia universitária construída a duras penas desde a redemocratização do País em 1984.
Voltando para a Consulta Pública da UFS em 2020, o prazo para a inscrição de chapas encerrou-se em 14 de fevereiro e 4 chapas se inscreveram, exceto a chapa indicada pela reitoria, absorvendo a máxima: “Todos os bichos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. Como os donos do poder, a administração atual não se sentiu obrigada a participar daqueles mesmos princípios democráticos que os elegeram. Esse posicionamento só pode encontrar explicação na completa e imediata adesão à MP 914 como sinalização do distanciamento da direção atual da Universidade da Comunidade Universitária, tal como dissessem “eu não represento esses bichos”, gerando uma (in)consequente aproximação do Governo, numa situação de completa subserviência e distante da defesa da autonomia universitária. Esse movimento de beijar a mão que escolhe o novo reitor é completamente incompatível com uma gestão que já conferiu o título de Doutor Honoris Causa ao Ex-Presidente Lula em um passado nem tão distante: “Quatro pernas, bom; duas pernas, melhor!”
Passado o prazo de inscrição de novas chapas, obviamente a atual gestão não participou de nenhum debate entre candidatos, afinal não precisava passar por esse desgaste, já que não são iguais aos outros. Bastaria modificar o artigo 22 do Estatuto da UFS à luz da medida provisória 914, do jeitinho que o governo quer. Agora, a 5ª Chapa ungida pelo reitor poderia sair do armário. Bingo, todas as sinalizações de subserviência foram dadas e a chance do Governo indicar o candidato dos donos do poder aumenta, seja qual for o resultado das eleições.
Tudo já está ensaiado para a mudança do Estatuto da UFS naquele único artigo que serve aos fins de quem está no poder, mas poderia ser tudo muito diferente. Não existe razão para alterar o estatuto da UFS à luz de uma medida provisória que sequer foi apreciada pelo Congresso Nacional e que, provavelmente, caducará e perderá sua eficácia no mês de maio, quando completa 120 dias. Várias MPs já caíram nesse governo, como é o caso recente da MP das carteirinhas de estudante, que visava tão somente o enfraquecimento da União Nacional do Estudantes (UNE). Simplesmente o congresso esqueceu a MP por 120 dias e ela morreu por completa falta de apoio parlamentar. A MP 914 é uma das mais impopulares medidas provisórias lançadas pelo Governo e tem sido criticada por dezenas de entidades, incluindo o Ministério Público Federal em uma nota técnica pública dessa segunda-feira, além de também não ter a simpatia dos parlamentares. Portanto, mudar o artigo 22 do estatuto da UFS é simples oportunismo de quem gosta e quer manter o poder pelo poder.
A Comunidade Universitária precisa ser esclarecida desses fatos e participar efetivamente desse processo, mostrando sua insatisfação com esse modelo de administração. Afinal, a democracia deve ser a arte de mandar obedecendo e jamais deverá dar espaço a costumes retrógrados que dizem “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

