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Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

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Eliminando os últimos resquícios do colonialismo francês no continente africano

Há três países tentando preencher o vazio deixado pela França: Rússia, China e Turquia

Protesto contra influência francesa no Níger e Emmanuel Macron (Foto: Reuters )

Senegal e Costa do Marfim se uniram a outros países africanos comprometidos em eliminar todos os vestígios da presença francesa em seus territórios, abrangendo os âmbitos político, militar, de segurança e cultural. Em seu discurso de Ano Novo à nação, o presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, anunciou que o país retomaria as bases militares ocupadas pelas forças francesas, as quais ele solicitou que deixassem o território marfinense em janeiro.

Já o presidente senegalês, Bachir Djouma Diomaye Faye, que iniciou seu primeiro mandato em abril de 2024, declarou que as forças francesas abandonarão completamente o Senegal até o final deste ano. Os laços entre Senegal e França remontam a mais de três séculos, sendo o Senegal a mais antiga colônia francesa na África Subsaariana. Mesmo após a independência do Senegal, em 1960, os vínculos entre os dois países permaneceram sólidos. O francês continuou sendo a língua oficial, enquanto as relações políticas, comerciais e militares se mantiveram próximas.

A cooperação em segurança entre países africanos e a França se intensificou durante a ascensão de movimentos islâmicos extremistas, como o Boko Haram, na Nigéria; o Al-Shabaab, na Somália; a Al-Qaeda no Magreb; e grupos islâmicos locais no Mali, Chade e outros países. Bases militares francesas se espalharam por diversas nações do Sahel e da África Ocidental e Central. Contudo, as forças francesas começaram a interferir nos assuntos internos dessas nações, buscando manipular lideranças políticas conforme seus interesses. Paralelamente, tais forças não intervieram durante os massacres em Ruanda, que resultaram na morte de centenas de milhares de pessoas em 1994.

Campanhas foram lançadas para expulsar as tropas francesas do Chade (o aliado mais próximo da França no continente), seguidas por Mali, Burkina Faso, Níger, Costa do Marfim e, finalmente, Senegal. Com isso, a França perdeu 70% de sua presença militar na África. Atualmente, restam apenas 1.500 soldados no Djibuti e 350 no Gabão.

Há três países tentando preencher o vazio deixado pela França: a Rússia, no campo da segurança e forças armadas; a China, no comércio; e a Turquia, no desenvolvimento e cooperação. Cada um deles obteve sucesso em sua área de atuação.

A onda de libertação dos resquícios do colonialismo francês, em particular, e do colonialismo ocidental, de forma geral, inclui a retirada de Burkina Faso, Mali e Níger da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Em breve, Senegal e Costa do Marfim também devem se retirar do grupo. Essa organização econômica, liderada pela Nigéria, é amplamente vista como alinhada às potências coloniais. Estamos testemunhando uma "primavera africana" contra os resquícios da presença colonial francesa e ocidental, que por muito tempo controlou muitos países do continente, saqueou seus recursos, escravizou seu povo, impôs sua língua e perpetuou uma atitude condescendente e chauvinista. Nem mesmo as estrelas esportivas mais famosas, que compõem a maior parte da seleção francesa, escapam dessa realidade: as estrelas africanas da equipe frequentemente sofrem insultos racistas quando a seleção nacional perde.

Quanto às relações da França com sua maior ex-colônia, a Argélia, elas atravessam um de seus piores momentos desde a independência. A Argélia reagiu com firmeza à França, retirando seu embaixador de Paris em julho passado, em protesto contra o reconhecimento francês do Saara Ocidental como parte do Marrocos. Além disso, o presidente argelino, Abdelmadjid Tebboune, cancelou uma viagem oficial à França. Outro golpe argelino veio com a rejeição unânime de declarações feitas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, sobre a prisão do escritor Boualem Sansal. Macron alegou que a Argélia estaria "manchando sua honra" ao manter Sansal detido e negando-lhe tratamento médico. No entanto, essa afirmação não corresponde à realidade, já que o escritor foi transferido para um hospital.

Macron se colocou como um "professor de ética e história", dizendo: "Nós somos aqueles que amam o povo argelino e sua história. Exorto o governo argelino a libertar Boualem Sansal.” É difícil entender quando Macron passou a demonstrar amor pela Argélia ou por sua história, especialmente considerando o longo e doloroso passado colonial de 132 anos. Esse período terminou com a independência argelina, um golpe fatal no prestígio, papel e influência da França na região.

O presidente francês, Macron, reconheceu o Saara marroquino, em violação ao direito internacional. Não devemos esquecer que, em um momento de racismo extremo, ele afirmou que a Argélia não existia antes da colonização francesa, o que remete diretamente à narrativa sionista sobre a inexistência de um povo palestino. Uma das posições mais estranhas do macronismo é que ele critica a prisão de Boualem Sansal, mas ao mesmo tempo rejeita a decisão da Câmara de Pré-Julgamento do Tribunal Penal Internacional de prender o criminoso de guerra Benjamin Netanyahu.

A Argélia fez bem em decidir que o inglês deveria ser a segunda língua oficial do país, e aproveito para elogiar os discursos do embaixador argelino nas Nações Unidas, Amar Benjamaa, que ele profere em árabe ou inglês, embora fale francês fluentemente.

Preenchendo a lacuna na África - O ex-presidente dos EUA, Barack Obama, tentou abrir uma frente africana, realizando um grande número de visitas aos países do continente e estabelecendo uma base aérea no Níger, além de uma base militar no Djibuti. Quanto à base aérea no Níger, as forças foram retiradas após o golpe militar de julho de 2023, mas a base naval em Djibuti permanece no local sob o pretexto de monitorar a pirataria no Mar Vermelho, e agora está escoltando navios comerciais em antecipação aos ataques dos Houthis.

As partes que tentam preencher o vazio deixado pela França são três: Rússia, para segurança e forças armadas; China, para comércio; e Turquia, para desenvolvimento e cooperação. Cada um desses países tem obtido sucesso em sua área. A Rússia mobilizou unidades Wagner e especialistas militares em todos os países dos quais a França se retirou. A China tornou-se o segundo maior parceiro comercial da África, atrás apenas da União Europeia, com um comércio que atinge cerca de US$ 220 bilhões. Quanto à Turquia, ela entrou como um forte concorrente no continente, estabelecendo projetos, fornecendo ajuda e assistência, e abrindo embaixadas.

Triângulo da ruína - A França está trabalhando em coordenação com os países árabes para expandir o círculo de normalizadores árabes com a entidade sionista, que contribuiu, facilitou, tentou ou subornou os países árabes a se juntarem ao trem da normalização. Agora, o país está tentando criar dificuldades para a Argélia, pois ela resiste à normalização, depois de ter conseguido criar dificuldades internas para a Tunísia, Líbia, Sudão e Iémen.

Veremos que o papel da França na Síria será apenas em favor da normalização. No entanto, a arrogância, o racismo e a obscura história colonial deste país trarão mais ódio, e será expulsa dos demais países árabes e do Oriente Médio, assim como foi expulsa do continente africano. Esse dia não está distante.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.