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Bruno Fabricio Alcebino da Silva

Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Ciências Econômicas e Relações Internacionais pela Universidade Federal do ABC. Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB)

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Em agosto nos vemos

"O impacto de Em agosto nos vemos é inegável"

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Uma década após a morte de Gabriel García Márquez (1927-2014), e vinte anos depois do lançamento de seu último romance, o mundo literário foi presenteado com uma nova e surpreendente história intitulada Em agosto nos vemos (2024), uma obra póstuma que imediatamente cativou os leitores e críticos. Traduzido para o português por Eric Nepomuceno, amigo próximo e colaborador de García Márquez, este livro oferece uma narrativa rica e complexa, fiel ao estilo inconfundível do autor colombiano.Nepomuceno, que traduziu muitas obras de García Márquez (Gabo) ao longo de sua vida, descreve em uma entrevista ao Canal Arte a experiência de traduzir este derradeiro romance como uma tarefa extenuante, mas profundamente gratificante. Ele traduziu o livro em apenas 27 dias, um período durante o qual se dedicou exclusivamente a essa atividade, seguido de três meses de revisões meticulosas. A ausência de García Márquez foi sentida intensamente por Nepomuceno, mesmo não consultando o autor sobre as nuances de suas traduções, sempre telefonava para o vencedor do Nobel para rir e contar piadas. A partida de Gabo deixou um vazio profundo em sua alma e em todos nós, amantes e admiradores da boa literatura.

A morte encontra a vida

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Em agosto nos vemos gira em torno de uma mulher de quarenta e seis anos, conhecida inicialmente apenas como AMB, que anualmente pega uma barca para uma pequena ilha para visitar o túmulo de sua mãe. Este ritual é tanto um ato de amor quanto uma busca por compreensão e paz interior. A protagonista, depois revelada como Ana Magdalena Bach — nome que ecoa o da segunda esposa de Johann Sebastian Bach, mas com uma variação na ortografia — é uma personagem fascinante e multifacetada.

O vínculo que o leitor desenvolve com Ana Magdalena se constrói lentamente, baseado em suas ações e interações, seja na casa onde vive ou nos hotéis onde se hospeda durante suas visitas anuais à pequena ilha. Ela personifica uma visão feminista inédita na obra de García Márquez, que, embora narrada por um homem, é contada do ponto de vista de uma mulher. Este enfoque feminista destaca a evolução do estilo do autor colombiano, adicionando uma nova dimensão à sua obra. Segundo Nepomuceno: “Os personagens femininos dele sempre foram absolutamente marcantes, porém circunstanciais. Apareciam, definiam a história, reapareciam, mudavam o rumo da história. Sempre fundamentais. Neste livro, essa mulher marcante deixa de ser marcante para passar a ser o personagem central”.

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A protagonista de Em agosto nos vemos, é uma figura fascinante, imbuída de uma profunda erudição e um amor intenso pela literatura. Desde jovem, Ana sempre foi uma ávida leitora. Estudou Artes e Letras, quase concluindo o curso, e dedicou-se com rigor aos clássicos. Sua paixão, no entanto, estava nos romances, especialmente aqueles longos e trágicos, que lia com voracidade. Desprezava os livros da moda, preferindo mergulhar em obras como Frankenstein de Mary Shelley e O Estrangeiro de Albert Camus, entre outros títulos clássicos que povoavam suas leituras.

A vida de Ana também é cercada por uma presença constante e inescapável: a música. Casada com um maestro e diretor do Conservatório Estadual, e mãe de uma jovem que está de namorico com um trompetista de jazz e de um filho que ascende a solista na Orquestra Filarmônica, a família toda demonstra-se musicalmente talentosa. Ana, apesar de seu amor pela música tentou, sem êxito, aprender a tocar trompete.

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Durante suas visitas à ilha, a música e a literatura se entrelaçam na vida da protagonista. Seus encontros amorosos são embalados por boleros e valsas, criando uma atmosfera de romance e melancolia. A erudição de Ana permeia a narrativa, refletindo sua busca por sentido e beleza em meio aos altos e baixos da vida.

Seu personagem encarna a profundidade emocional e a riqueza intelectual que Gabriel García Márquez infunde em suas obras, tornando Em agosto nos vemos uma leitura inesquecível.

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Além disso, a narrativa explora a complexidade do matrimônio e da individualidade dentro das convenções sociais. Ana Magdalena, com seus “olhos dourados, a virtude das poucas palavras e a inteligência para controlar seu temperamento”, herda essas características de sua mãe, influenciando suas ações e decisões ao longo do livro. As visitas anuais à ilha não são apenas um tributo à mãe, mas também momentos de introspecção profunda, onde Ana reflete sobre sua vida, seu casamento e suas escolhas.

Gabo - uma última vez

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García Márquez, conhecido por sua habilidade em mesclar o realismo mágico, ou seja, as dores e sofrimentos inconsoláveis dos latino-americanos com temas profundos de amor e solidão, cria em Em agosto nos vemos uma obra que é ao mesmo tempo linear e circular. A linearidade se reflete nas visitas anuais de Ana Magdalena à ilha em busca de novas aventuras e amantes, enquanto a circularidade está na repetição dos temas e nas introspecções da protagonista, que se desenrolam em ciclos, como se sua história pessoal estivesse intrinsecamente ligada a um mito particular.

A narrativa poética de García Márquez é palpável em cada página. A atmosfera é carregada de uma beleza melancólica, onde o amor e a solidão se entrelaçam de maneira sublime. Um exemplo é a descrição da noite em que Ana Magdalena dorme com um homem que não é seu marido, uma experiência que a assombra e a faz questionar seu próprio ser: “De repente, como o raio da morte, foi fulminada pela consciência brutal de que havia fornicado e dormido pela primeira vez na vida com homem que não era o seu”.

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Este evento singular desencadeia uma série de reflexões e emoções que culminam em um final surpreendente, característico da prosa de García Márquez. A solidão de Ana Magdalena é ilustrada de forma poética: “Ela tinha padecido com um sentimento insuportável de humilhação e sem um instante de sossego”. Esta solidão é exacerbada pela nota de 20 dólares deixada pelo amante, um símbolo de sua aventura momentânea e da indignidade que sente.

O impacto de Em agosto nos vemos é inegável. Lançado em 81 países e vendendo 400 mil exemplares no mundo hispânico em apenas três dias, o romance solidifica a posição de García Márquez como um pilar da literatura mundial. Nepomuceno, destaca a importância deste livro como um marco literário, um “sabor de despedida” que ressoa com os temas clássicos do autor.García Márquez, que desejava que este livro fosse queimado, deixou um legado que desafia sua própria vontade. Como Eric Nepomuceno sugere, o fato de o livro não ter sido destruído permite ao destino decidir sua relevância. Assim como as obras póstumas de Kafka, Fitzgerald e Hemingway, Em agosto nos vemos encontrou seu caminho para os leitores, oferecendo uma última melodia de despedida de um dos maiores escritores do século XX.

Embora não tenha sido submetido ao cuidadoso processo de revisão que o vencedor do Nobel sempre realizava em suas obras, o tradutor nos lembra que: “Esse polimento final faltou. No entanto, ainda é García Márquez em estado puro”.

Com sua prosa lírica e introspectiva, a obra final não é apenas um testemunho do talento do colombiano, mas também uma celebração de sua capacidade de tocar profundamente o coração e a alma dos leitores. Este livro, com sua delicada exploração do amor e da solidão, confirma o legado duradouro de Gabriel García Márquez na literatura mundial.

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