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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Em Cuba, outra visão da pandemia

Em entrevista ao 247, diplomata cubano diz que seu país conseguiu “resultados muito bons apesar do bloqueio do governo dos Estados Unidos” e lamenta que os médicos cubanos não tenham podido participar do combate à Covid-19 no Brasil. Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

Pandemia do coronavírus em Cuba (Foto: Reuters | Divulgação)
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País conhecido pela eficiência de seu sistema de saúde, Cuba enfrenta o coronavírus num ambiente de mobilização nacional. Em janeiro, três meses antes do primeiro caso ser diagnosticado no país, o  Conselho de Ministros elaborou um plano de prevenção, que inclui um Grupo Temporário Nacional, que tem a frente o presidente Miguel Díaz-Canel.

De lá para cá, perto de 28 000 estudantes de Ciências Médicas foram envolvidos no trabalho de testar a população, nas ruas, em casa, nas comunidades. As aulas foram suspensas, bem como o transporte público e os serviços não-essenciais. Num levantamento até 25 de julho, foram registrados 2495 pacientes contaminados, 2207  recuperados, 199 permaneciam como suspeitos e 87 óbitos.

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"Embora Cuba tenha conseguido controlar a pandemia, com resultados muito bons, mesmo em circunstâncias cruéis causadas pelo bloqueio econômico e financeiro do governo dos Estados Unidos, a orientação é continuar cumprindo as medidas indicadas e não negligenciar os mecanismos existentes para a detecção do vírus", diz Fabio Simeón Gonzalez, conselheiro da Embaixada da República de Cuba em Brasília, em entrevista por escrito ao Brasil 247. Na entrevista, o conselheiro respondeu a duas questões sobre o fim da participação de médicos cubanos no programa Mais Médicos criado no governo Dilma Rousseff -- desfalque que trouxe prejuízos óbvios ao combate a Covid-19 no Brasil. "Estou convencido de que nossos colaboradoras teriam um excelente papel no Brasil", diz Fabio Simeón Gonzalez.

A entrevista, na íntegra:

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Conforme a Reuters, no último dia 19 o governo de Cuba anunciou que não havia novos casos domésticos no país. Desde então, Cuba passou à fase final de restrições, que prevê a retomada das atividades com o uso de máscaras e o isolamento social. Isso quer dizer que a Covid-19 está eliminada de seu país?

Embora Cuba tenha conseguido controlar a pandemia, a orientação que foi dada para a população é continuar cuidadosamente cumprindo as medidas indicadas e não negligenciar os mecanismos existentes para a detecção do vírus, manter o uso de máscaras e higiene. Superamos obstáculos na luta contra a pandemia, com resultados muito bons, mesmo em circunstâncias cruéis causada pelo bloqueio econômico e financeiro ao qual estamos sujeitos pelo governo dos EUA.

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Atingir esse primeiro estágio de recuperação não significa a perda de nosso objetivo fundamental, que é salvar vidas humanas.

Não deixaremos de procurar casos positivos de Covid-19 em nosso território. Isso continuará sendo uma prática diária em Cuba, sem confiar ou superestimar as realizações, esse será o nosso maior desafio.A atenção prioritária deve ser dada às pessoas mais vulneráveis e as consultas para pacientes com manifestações de infecções respiratórias agudas devem funcionar nos centros de saúde correspondentes.

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O senhor poderia descrever como foi o enfrentamento à Covid-19?  

Como eu estava dizendo, atualmente conseguimos conter a pandemia. Isso foi possível em primeiro lugar devido à expressa vontade política de que a saúde das pessoas é uma prioridade e, em segundo lugar, devido à antecipação de riscos e prevenção, que é da própria natureza de nosso sistema de saúde.

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Nós, cubanos, começamos a desenvolver estratégias de resposta à Covid-19 já em 29 de janeiro, quando o Conselho de Ministros aprovou um Plano de Prevenção e Controle de Coronavírus que foi posteriormente atualizado permanentemente.

Foi elaborado um plano envolvendo organismos, organizações sociais e comunitárias que, desde a sua concepção, avaliado diariamente por um Grupo Temporário Nacional, tendo a frente o Presidente da República de Cuba companheiro Miguel Díaz-Canel.

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Nos primeiros dias de fevereiro iniciamos a primeira etapa de treinamento para profissionais de saúde e trabalhadores dos organismos da Administração Central do Estado em questões de biossegurança e já no dia 12 do mesmo mês um Grupo de Ciência foi criado para confrontar a Covid-19. Nos dias 17 e 26 de fevereiro foram estabelecidos o Observatório de Saúde Covid-19 e o Comitê de Inovação. No dia 28 foram aprovados os cinco primeiros projetos de pesquisa para a Covid-19.No mês de junho foram realizadas 460 pesquisas, das quais 85 lideradas pelo Grupo de Ciências do Grupo Técnico Nacional.

No início de março, o general de Exército Raúl Castro, primeiro-secretário do partido, convocou uma reunião do Birô Político apenas para tratar da questão da nova doença e do real perigo que ela representava para o nosso país. Foram tomadas decisões importantes nesta reunião, como atualizar o plano existente e poder agir em qualquer caso que surgisse.

Em 5 de março, foi realizada uma reunião do Comitê Executivo do Conselho de Ministros para analisar esta questão e, na mesma tarde, o mesmo Conselho se reuniu de maneira extraordinária para aprovar uma nova versão atualizada do Plano Nacional de Prevenção e Controle do Coronavírus.

Nos dias 6 e 7 de março, o Presidente da República e o Primeiro-Ministro companheiro Manuel Marrero Cruz lideraram as reuniões. Também, coordenado pelo presidente, um grupo de líderes nacionais e organizações políticas tiveram contato direto com 759 companheiros que receberam explicações, em primeira mão, do Ministro da Saúde sobre o plano atualizado.

Dessa forma, a resposta à emergência de saúde foi estruturada desde a atenção primária à saúde até o restante dos demais níveis. As ações para conter a pandemia começam na comunidade e terminam nesse mesmo cenário, por meio de vigilância e outras medidas preventivas, profiláticas, de recuperação e de reabilitação para as pessoas depois que elas se recuperam.

Um elemento que contribui com particular eficácia no enfrentamento da pandemia em Cuba tem sido a busca ativa de casos por meio de uma pesquisa de toda a população, auto-investigações virtuais, vigilância especializada de suspeitos, isolamento de contatos e testes de diagnóstico, entre outras ações.

Mais de 28.000 estudantes de ciências médicas foram vinculados à pesquisa ativa, nas ruas, de casa em casa, nas comunidades cubanas.

Quando foi registrado o primeiro caso de Covid-19? Quantos foram registrados até aqui?

Em 11 de março, em Cuba, foram confirmados os primeiros casos positivos: turistas chegaram da Itália, um grupo composto por quatro pessoas, das quais três apresentaram resultados positivos; Infelizmente, após uma semana da confirmação da doença, um deles morreu enquanto lutava contra o vírus.

Três dias depois, o coronavírus estava presente no primeiro cidadão cubano na cidade de Santa Clara. Era um homem de 25 anos cuja esposa tinha chegado a Cuba em 8 de março após uma viagem a Itália, mas somente quase uma semana depois ele começou a apresentar sintomas, então ele foi ao médico, onde o teste foi realizado e confirmou-se que ele havia adquirido o vírus, sendo encaminhado ao Instituto de Medicina Tropical Pedro Kourí (IPK), na cidade de Havana. 

Após isso, os casos de coronavírus começaram a se desdobrar gradualmente.

No último sábado, 25 de julho, 261 pacientes estavam internados em hospitais para vigilância clínico-epidemiológica em Cuba. Outras 328 pessoas estavam monitoradas pela atenção primária à saúde.

Nesse dia, 3.183 amostras foram estudadas, resultando em 17 positivas. O país acumula 247.200 testes com 2.495 positivos (1,01%).

Todos esses 17 casos diagnosticados são cidadãos cubanos sendo 14 (82,3%) contatos de casos confirmados e três (17,6%) com fonte de infecção no exterior.

Dos 17 casos confirmados, oito (47,0%) eram homens e nove (52,9%) mulheres. As faixas etárias afetadas foram: menos de 20 anos um caso (5,8%), 20 a 39 anos 12 casos (70,5%), 40 a 60 anos dois casos (11,7%) e mais de 60 anos, dois casos (11,7%). Dos 17 casos, 11 (64,7%) eram assintomáticos.

Um fato interessante que eu gostaria de lembrar é que não tivemos um único caso de infecção em nossas prisões.

Quantas pessoas foram contaminadas? Quantas vidas foram perdidas?

Como disse, pacientes confirmados desde 11 de março até o fechamento do último sábado, 25 de julho, foram, no total, 2495 casos, atualmente admitidos com suspeita temos 199, recuperados 2207 e falecidos são 87 pessoas. Além de 2 evacuados para seus países de origem. 

Quais cuidados a população tem sido orientada a tomar para evitar novos contágios?

Foram tomadas medidas comprovadamente eficazes, como o fechamento de escolas e fronteiras, a suspensão de eventos esportivos e culturais, bem como o transporte público, a rápida organização do sistema público de saúde foi decisiva, criando e adaptando as capacidades necessárias para garantir atendimento médico em todo o território nacional.

Em março, foram publicadas 40 novas medidas para evitar, como se diz, um maior contágio, estas foram decisivas. Listar todas acho que tornaria nossa entrevista muito longa, mas, ao mesmo tempo, digo que não mencionar nenhuma delas seria um erro, porque acho que todas foram muito importantes.

As experiências de como cada um dos 185 países enfrentou a crise da saúde são diversas.

No entanto, gostaria de falar sobre algumas das medidas que tomamos, que, devido à sua natureza social, diferem de outras de outros países e que sua implementação só é possível levar às vias de fato em um país com um projeto social como o nosso.

Por exemplo, o tratamento de proteção social foi aplicado às mães que cuidam de crianças na educação primária ou especial: 100% do salário no primeiro mês e 60% no segundo mês. Reduções de cotas mensais de impostos foram aplicadas em atividades privadas cujos níveis de atividade foram afetados, todas as obrigações tributárias e de pagamento em agências bancárias pelos contribuintes foram postergadas.

Uma atenção diferenciada foi dada aos idosos que estão em lares para a terceira idade e os que moram sozinhos. Nos hotéis foi intensificada a vigilância médica para turistas e trabalhadores desse setor.

Todos os residentes cubanos que retornam ao país são levados a isolamento por 14 dias em centros autorizados.

Sob condições de vigilância epidemiológica, os jardins de infância continuam funcionando para as famílias que decidirem manter ou não seus filhos, e as crianças sem amparo familiar permanecem nas casas de proteção onde moram. A vigilância médica diária da população também foi reforçada.

Como funciona o sistema de saúde pública em Cuba? Qual a diferença em comparação aos regimes capitalistas?

O Sistema Nacional de Saúde de Cuba é responsabilidade do Ministério da Saúde Pública de Cuba (MINSAP), órgão encarregado de dirigir, executar e controlar a aplicação da política nacional de saúde pública.

O Ministério cobre as funções de assistência médica, assistência a idosos e deficientes, controle higiênico-epidemiológico, treinamento de profissionais e produção e distribuição de medicamentos.

A primeira diferença que podemos ver entre nossos sistemas de saúde é que o sistema socialista de saúde cubano é absolutamente gratuito: não existem laboratórios, planos de saúde, hospitais, institutos, faculdades de medicina e afins ou instalações privadas de qualquer tipo. A saúde de todos os cubanos é uma máxima e um direito humano em nossa sociedade socialista.

As despesas suportadas pelos cidadãos são medicamentos ambulatoriais, aparelhos auditivos, dentários e ortopédicos, óculos , cadeiras de rodas, muletas e similares, todos a preços subsidiados pelo estado, e a maioria das pessoas recebe ajuda extra.

Você chega a um hospital cubano com qualquer tipo de emergência médica e ninguém pergunta se você é rico, se é pobre, se é branco, se é preto ou que tipo de plano médico paga, se você professa alguma religião, mesmo que sua ideologia seja contrária ao sistema socialista, porque o mais importante é salvar sua vida.

O sistema de saúde cubano funciona com base em medicina preventiva, você não precisa esperar que fique doente; pelo contrário, o sistema faz todo o possível para impedir que você fique doente.

É realmente inspirador que minha pequena Ilha pobre em recursos naturais tenha indicadores básicos de saúde iguais ou melhores que os dos países mais ricos do mundo.

Isso é ainda mais notável, como já havia dito, quando enfrentamos o brutal bloqueio e sanções dos EUA por sessenta anos.

A taxa de mortalidade infantil em Cuba é de 4,8 por 1.000 nascidos vivos, é mais baixa do que nos Estados Unidos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos é de 8,0 por mil nascidos vivos.

A expectativa de vida é de setenta e nove anos, igual à dos Estados Unidos, apesar de Cuba gastar menos de 800 dólares americanos por pessoa por ano em assistência médica, em comparação aos 11.000 nos Estados Unidos. Temos um médico para cada 159 habitantes.

Em Cuba existem jovens de várias nações que estudam medicina, incluindo dos Estados Unidos. Desde 2000, a Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM) formou quase 200 jovens norte-americanos, de modo que Cuba não apenas prepara seus próprios médicos, mas também médicos de todo o mundo, somos apenas 11 milhões de habitantes e abrigamos a maior escola de medicina internacional do mundo, que desde a sua fundação em 1999, formou mais de 35.000 jovens de 138 países. Existem também 32 institutos e faculdades de medicina no país:

Temos 286 Hospitais, 197 Casas de Repouso, 289 Casas de apoio a Maternidade, 27 Bancos de Sangue, 6 Centros Cardiológicos, 80.528 leitos hospitalares (7,3 por 1.000 habitantes), 436 Policlínicas, 122 Policlínicas de Emergência, 14.434 Clínicas de família e 166 Clínicas Dentárias. 

Como o senhor viu a recepção aos integrantes do Mais Médicos na Itália? Qual o papel que eles desempenharam?

Bem, antes de mais nada, gostaria de esclarecer que “Mais Médicos” foi o nome dado no Brasil ao Programa de Colaboração criado durante o governo da Presidenta Dilma Rousseff, fruto de um acordo firmado entre o Brasil e a OPAS, onde médicos cubanos de qualificação excepcional praticaram medicina geral abrangente no Brasil, em espaços de grande necessidade social, em locais ou cidades onde não havia nem atendimento médico primário.

Nossa brigada médica na Itália realizou um trabalho exclusivamente voltado para o enfrentamento da Covid-19 e, durante o tempo necessário, foi uma tarefa extraordinária, semelhante à realizada no Caribe por 650 colaboradores que realizam esse tipo de missão nos países irmãos dessa região, aos 116 médicos que colaboram no México, Honduras, Nicarágua, Venezuela e Peru, aos 510 colaboradores que trabalham em países do continente africano, aos colaboradores que estão no resto da Europa e no Oriente Médio, como o Principado de Andorra, Catar e Kuwait.

As brigadas médicas cubanas que viajaram para a Itália para enfrentar a Covid-19, como todas as que hoje enfrentam o coronavírus no mundo, têm o nome de Brigadas Henry Reeve (em homenagem a um jovem norte-americano que lutou e morreu pela independência de Cuba junto com o Exército Libertador Cubano e que chegou a patente de Brigadeiro durante a Guerra dos Dez Anos de 1868 a 1878). Na Itália foram 52 colaboradores que trabalharam na região da Lombardia e 38 na cidade de Turim. Eles realizaram, como sempre, uma nobre obra altruísta, dedicada a humanidade, dando ao mundo um grande exemplo de fraternidade, solidariedade e amizade.

As brigadas médicas cubanas Henry Reeve, que enfrentam a Covid-19 no mundo, são, sem dúvida, uma contribuição para a Batalha de Ideias do Comandante em chefe Fidel Castro no campo da saúde, juntamente com o esforço para conseguirmos superar o brutal bloqueio contra Cuba que sofremos pelo imperialismo dos EUA. Elas são especializadas em situações de desastre e epidemias graves.

O contingente é composto por milhares de especialistas médicos em medicina geral abrangente, epidemiologia, gastroenterologia, psiquiatria, cardiologia, cirurgia, pediatria, entre outras.

As características de seus membros são: conhecimento médico geral, conhecimento epidemiológico sólido e conhecimento de doenças associadas a catástrofes, conhecimento de duas línguas estrangeiras, condições físicas apropriadas, disposição e preparação necessárias para se mover rapidamente onde for preciso.

Esse contingente foi fundado em 2005, quando dezenas de médicos cubanos viajaram para a irmã República Popular de Angola em uma missão humanitária.

O senhor acredita que os integrantes do Mais Médicos poderiam ter auxiliado o Brasil a enfrentar o Covid-19?

Estou convencido de que nossos colaboradores teriam um excelente papel no confronto com a Covid-19 no Brasil, assim como os 1932 membros das 34 Brigadas Médicas Cubanas Henry Reeve que estão trabalhando para enfrentar a Covid-19 pelo mundo. Os profissionais de saúde fizeram um trabalho magnífico no Brasil e demonstraram que são capazes de oferecer um serviço com alto grau de humanismo e profissionalismo, foi muito destacado o papel que desempenharam durante o período em que permaneceram no Brasil para a detecção e disseminação de epidemias, Como você sabe, essa marca deixada em seu país é lembrada hoje por milhões de pacientes que foram tratados durante a presença dos médicos cubanos no programa.

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