Em defesa da banda Garotos Podres
Os membros da banda de punk rock "Garotos Podres" foram indiciados em inquérito policial em função da música "Papai Noel, Velho batuta".
Há décadas a professora Marilena Chauí vem afirmando que vivemos numa sociedade autoritária, hierárquica e polarizada. Polarização que nada tem a ver com os discursos proferidos pela direita. Para ela, a polarização que vivemos é entre carência e privilégio.
Pois bem, em relação ao autoritarismo, ele permanece no Brasil mesmo após quase quatro décadas da constituição de 1988, a exemplo do ocorrido com o deputado Glauber Braga nos últimos dias. Na música, esse autoritarismo se manifesta por meio da censura à criticidade, à não aceitação da crítica ao capitalismo, como aconteceu recentemente com uma das principais bandas de Punk Rock do Brasil, os Garotos Podres.
A banda liderada por Mao (José Rodrigues Mao Junior) - que é doutor em História Econômica e autor dos livros “A revolução cubana e a questão nacional” e “A revolução chinesa” -, foi formada em 1982 no município de Mauá, ABC paulista. Contexto que permitiu com que a banda tivesse um posicionamento crítico em relação à ditadura e uma organicidade com o movimento operário, a exemplo das músicas “Subúrbio Operário”, “Rock de subúrbio”, “Proletários”, bem como da música “Aos Fuzilados da C.S.N.”, que traz uma forte crítica à ditadura militar e ao autoritarismo. Cabe dizer, que durante a ditadura militar, a banda já havia sofrido censura com as músicas “Johnny” e “Vou Fazer Cocô”, e o fato de isso se repetido nos dias atuais, é algo que precisa nos deixar em alerta.
Conforme publicação no perfil oficial da banda no facebook, em 13 de dezembro, os Garotos Podres alegaram ter sido indiciados em inquérito policial instaurado, a partir da denúncia de um membro da extrema direita, sobre o hit mais famoso da banda: Papai Noel, Velho Batuta. Segundo a banda, na denúncia consta a seguinte afirmação: “apesar de Papai Noel ser uma figura lendária, que representa uma cultura mundial cristã e os mesmos na letra usam de palavras que incentivam a violência em pessoas, ao falarem de sequestro e morte. Que o motivo primordial da denúncia, diz respeito à impedir a apresentação da Banda”.Isso ilustra uma das principais contradições da extrema-direita brasileira, mostrando como o discurso da liberdade de expressão é apenas uma frase feita. E se analisarmos a letra da música em questão, que em 1986 foi considerada aprovada pelo Departamento de Censura da Polícia Federal, veremos que a canção, na verdade, faz críticas à desigualdade social e ao capitalismo. E isso se assemelha ao que muitos professores vêm sofrendo, simplesmente, por colocarem em prática a lei 11.645/08 - que tornou obrigatório o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nos currículos do ensino fundamental e médio no Brasil -, que vem sendo combatida pela extrema-direita através de um discurso religioso que traz consigo a teologia da prosperidade, e consequentemente, os ideais do capitalismo.
É por situações como esta, que às vezes penso que estou vivendo em uma esquete do programa Hermes e Renato, sob direção do saudoso humorista, Fausto Fanti, de tão inacreditável. Brincadeiras à parte, por mais que o quadro seja desanimador, não podemos deixar de dizer que, além de grande músico, o professor Mao segue sendo uma inspiração para todos nós que lutamos por uma sociedade de fato democrática, pois para além dos ensinamentos que ele promoveu em sala de aula por décadas, Os Garotos Podres continuam promovendo ensinamentos e reflexões por onde passam.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

