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Jessie Jane Vieira de Sousa

Professora (aposentada) da UFRJ; Instituto de História; Área de História da América Contemporânea; Ex-diretora do Arquivo Público do Rio de Janeiro.

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Em defesa do Arquivo Nacional

Hoje esta instituição está, como tantas outras, sendo alvo de ataques do negacionismo que se abateu sobre a sociedade brasileira

Sede do Arquivo Nacional, no centro do Rio de Janeiro. (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)
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No geral, todos conhecemos o Arquivo Nacional, instituição frequentada por pesquisadores de todos os países e, sobretudo, por cidadãos brasileiros que ali se dirigem em busca de documentos probatórios necessários à sua luta por direitos. É, portanto, uma instituição cara ao exercício pleno da cidadania em busca da memória, verdade e justiça.

Hoje esta instituição está, como tantas outras, sendo alvo de ataques do negacionismo que se abateu sobre a sociedade brasileira. 

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 Mas para que possamos melhor defendê-la, precisamos conhecer um pouco mais das suas atribuições legais e da importância estratégica dos acervos documentais sob a sua responsabilidade. É com este objetivo que devemos trazer alguns dados acerca da sua relevância como cabeça do sistema arquivístico nacional e a relevância do conteúdo dos acervos sob sua guarda.

1. A Institucionalidade do Arquivo Nacional

 O Arquivo Nacional é um órgão de Estado, criado em 1823 como Arquivo Público do Império, cujas atribuições são de (1) assessorar o Poder Executivo Federal fornecendo informações, contidas nos seus registros históricos, que sejam necessárias à implementação de diferentes políticas públicas; (2) fornecer à cidadania documentos que lhe sejam necessários para comprovação de direitos; (3) formular as principais diretrizes aplicadas pelo conjunto das instituições arquivísticas presentes no território brasileiro.

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Foi somente a partir de 1975, através da primeira Lei Nacional de Arquivos, que a Instituição passou a ter os instrumentos legais necessários à adequação dos procedimentos técnicos aplicáveis ao conjunto das instituições arquivísticas nos estados, municípios e demais órgãos públicos, ou até mesmo privados, voltados para a guarda e preservação dos diferentes acervos documentais.

Para a efetiva aplicação da legislação, o Arquivo Nacional criou, em 1994, como órgão de assessoria, o Conselho Nacional de Arquivos- CONARQ, colegiado composto por representantes da comunidade arquivista e de classes. Para o funcionamento do Conselho, foram criadas diferentes Câmeras Técnicas que vêm atuando como espaços de discussão e atualização de leis e procedimentos que, ao longo do tempo, têm sido incorporados no cotidiano das instituições em todo o país. E, um aspecto muito importante, em consonância com normas internacionais, tem produzido novos entendimentos acerca da necessidade dos espaços arquivísticos incorporarem políticas de informação, deixando para trás a cultura do segredo que no passado foi dominante.

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Para isso, é necessário enfatizar a Lei de Acesso à Informação promulgada pelo Estado Brasileiro em 2011. Esta Lei resultou da luta de vários segmentos da sociedade e nos colocou em patamar mais elevado dentre os países democráticos.

 No entanto, na atual conjuntura, esta Lei vem sendo minada através de diferentes portarias oriundas do poder executivo e sem qualquer interlocução com o CONARQ ou qualquer outro segmento da sociedade civil. Hoje, temos assistido à imposição arbitrária de inúmeros sigilos acerca do funcionamento da máquina do Estado.

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E, não menos importante, é o fato de o Arquivo Nacional integrar o International Council on Archieves, fundado em 1948, onde se destacou ao longo de décadas como referência em nosso continente.

2. Os tesouros sob a guarda do Arquivo Nacional

Como dito, a Instituição foi criada pelo Império e, como parte da configuração de uma determinada ideia de Brasil, criada sob uma monarquia escravista, tinha como objetivo a preservação dos documentos legais que garantissem os direitos das classes cujos interesse hegemonizavam aquele país “soberano" que nascia.

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A documentação referente ao século XIX nos apresenta, a partir da ótica daqueles interesses, como o Estado tratava sua mão de obra escrava, os imigrantes, os pobres e a vida econômica e social ao longo do período. Hoje, os pesquisadores têm produzido relevantes obras historiográficas que problematizam mitos produzidos ao longo do período. E a cidadania tem ali encontrado documentos probatórios necessários aos descendentes de imigrantes, litigantes acerca dos territórios dos povos originários, quilombolas etc.

A documentação produzida ao longo República nos conduz pelos subterrâneos do Estado igualmente exclusivo, violento e hegemonizado pelos velhos interesses. Mas, também, nos apresenta todas as contradições que se cruzam no exercício deste poder através das suas coleções de jornais, folhetos, documentos sindicais, muitos apreendidos em batidas policiais. 

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E, ao longo das últimas décadas, o Arquivo Nacional tem sido repositório de vários conjuntos documentais produzidos pelo Estado e pela sociedade a partir do golpe militar de 1964. Sobre este período o Arquivo Nacional possui um grande e precioso acervo, muito ainda inexplorado.

Também está sob a sua guarda a documentação produzida pela Comissão Nacional da Verdade, acervo altamente sensível e que, talvez, seja o principal alvo da atual política predatória que tem sido implementada pelo negacionismo.

Estamos falando de um conjunto documental fundamental para que os brasileiros de hoje, e do futuro, compreendam o país, mas, sobretudo, para que a cidadania possa exercer direitos relativos à memória, verdade e justiça, seja ela individual ou coletiva.

3. Concluindo

Não se trata da preservação de “papéis velhos” que, segundo alguns, podem ser descartados ou, uma vez classificados, podem virar “documentos digitais". Trata-se de salvar acervos, produzidos no nosso longo processo histórico e que compõem não só a sonhada “memória nacional”, mas que dizem respeito às múltiplas memórias que forjaram a sociedade brasileira.

Infelizmente, ainda existem parcelas da sociedade que se recusam a aceitar a existência de múltiplas memórias presentes na construção do que chamamos de nação, construída na base do cancelamento de todas aquelas vozes trancadas e ainda perdidas na extensa documentação que se encontra sob a guarda do Arquivo Nacional. Mas, hoje, através das lutas dos seus descendentes, estas vozes barulhentas clamam pelo direito de ter direitos. 

Portanto, e para finalizar esta breve consideração sobre o violento ataque que neste momento se abate sobre uma das mais importantes instituições do Brasil, precisamos convocar a sociedade a se mobilizar em defesa do nosso patrimônio documental e cultural.

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