Em Santa Catarina a classe média negra perdeu sua vantagem competitiva
O estado é um laboratório, um lugar onde seus habitantes não têm vergonha de celebrar sua supremacia
Recentemente, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina aprovou o fim das ações afirmativas para negros nas universidades estaduais, conforme noticiou o site NSCTOTAL, fechando um ciclo que começou com minha perseguição em 2018 e posterior demissão da UDESC, em 2022, em um dos processos mais sem pé nem cabeça que já existiu, um reino de narrativas absurdas.
Tal situação guarda semelhança com o Professor Silvio Almeida que no momento em que o Supremo Tribunal Federal formou maioria para reconhecer a existência de um racismo estrutural, termo cunhado pelo ex-ministro de Direitos Humanos do Presidente Lula, a Polícia Federal o havia indiciado por importunação sexual. Reparem que por ironia, tudo isto aconteceu na Semana Nacional da Consciência Negra.
Para piorar, no momento em que escrevo essas linhas, a Universidade de São Paulo decidiu demitir o jurista Alysson Mascaro, por assédio e abuso sexual de 16 homens adultos, anônimos, transformados em vulneráveis.
Muitas lições temos a tirar destes diferentes fatos, aparentemente díspares, mas que lidos em conjunto trazem a sombra da maquinaria imperial da dominação de espectro total, da qual Donald Trump é a representação mais grotesca, sem a simpatia genocida de um Bill Clinton e Barack Obama. Aos dissidentes, cujas ideias são capazes de despertar a atitude radical diante da vida, restam a difamação, a criminalização e o banimento, promovido por uma esquerda liberal e totalitária, irmã siamesa do bolsonarismo.
Em 2018, juntaram-se tantos interesses, uns sonhavam em controlar um projeto de intercâmbio internacional, outros dezenas de bolsas acadêmicas, outros o espaço, todos o orçamento anual. Alguns, mais singelos, queriam apenas remover o empecilho para poder sentar na cadeira de coordenador do laboratório.
Gerações de ex-estudantes, que devido ao nosso trabalho ascenderam socialmente, ficaram em silêncio para proteger suas posições. A geração mais recente, iludida com o rápido reconhecimento que a alta produção acadêmica permite (viagens nacionais e internacionais, publicações, participação em eventos) entenderam que não precisavam mais do já velho professor. Apostaram no curto prazo, uma Vitória de Pirro, ganharam o desmantelamento do único espaço de proteção e projeção de estudantes periféricos contra o “famoso racismo estrutural”.
Tudo isto com o apoio das feministas negras da Fundação Ford, chateadas, entre outras, por terem perdido o controle da Pauta da Saúde da População Negra no Ministério da Saúde que controlaram por 30 anos. Para as feministas locais, eram um peixão para demonstrar sua força e seu poder de repressão. Força que não demonstram quando os alvos são membros das elites, como um ex-prefeito de Florianópolis.
E agora, o fim das cotas raciais sem ter ninguém que mobilize em defesa de direitos. Para isto é preciso coragem, mas essa gente é por natureza covarde. A classe média, militante identitária, perdeu sua vantagem competitiva. Pois, movida por uma pulsão de morte e pelo espetáculo, ela é capaz somente de destruir, mas não tem forças para a defesa de direitos coletivos, em especial, quando não envolve seus interesses mais mesquinhos, ou o uso da população negra pobre para justificar essas demandas.
Falando em espetáculo e da representação, nos materiais de divulgação da instituição há negros por todos os lados, me recordo como foi difícil explicar para o setor responsável, que a presença de afros nos materiais de mídia soaria como um convite para participarem daquele espaço acadêmico.
Na comemoração dos 60 anos de existência, um artista que representa a rebeldia, entretanto, nunca carregou uma bandeira, ou vestiu as roupas da identidade, toma a cena para festejar a diversidade, enquanto a universidade, com um perfil conservador, silencia o delicioso retrocesso institucional e o ataque a sua autonomia acadêmica e administrativa. Em um dos seus eventos mais famosos, ela, sob comando de meus algozes antirracistas, promoveu um evento para celebrar a decolonialidade. O velho professor Enrique Dussel, um dos pais da Filosofia da Libertação, deve ter se revirado no túmulo. Afinal, os escravocratas de hoje e seus capitães do mato, agora estão a “lutar” por uma libertação contemplativa.
Santa Catarina é um laboratório. Como um lugar onde seus habitantes não têm vergonha de celebrar sua supremacia, que se distingue do restante do Brasil, pelo Vale Europeu, o trabalho alemão (aqui a ética protestante nos chega na mamadeira)” e pela ausência de negros - quando os há só podem ser migrantes ou imigrantes.
Não deixa de ser engraçado que os últimos a chegar, que se vangloriam de ancestrais genocidas, se arvoram de donos da terra, como bem lembrou Cristiane Mare . Neste vale fértil onde o fascismo reina à esquerda e à direita, toda sorte de maldades são gestadas, prenúncio das sombras totalitárias que nos ameaçam.
Nota do autor, este texto não seria possível sem a colaboração e parceria de Cristiane Mare da Silva, minha companheira intelectual e de vida!!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

