Emicida: "O cristianismo distorcido transforma o cidadão de bem numa arma de destruição em massa"

O cristianismo distorcido não enxerga e não respeita o outro como parte de um processo identitário. Ele se sobrepõe a tudo e a todos, apresentando-se como a única identidade possível e aceitável



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A participação de Emicida no “Roda Viva” da última segunda nos sugere muita reflexão. Sempre lúcido e bem articulado, ele consegue imprimir os seus posicionamentos nos seus interlocutores e ouvintes, de modo a deixar suas opiniões cunhadas na mente dos mesmos. Pegando um gancho em sua entrevista, pincei uma frase dita por ele no programa, que, inclusive, é a que dá título a este artigo, para entendermos melhor o que poderia motivar alguns cristãos, a se tornarem inimigos do Jesus que eles juram amar.

Historicamente, milhões de pessoas foram assassinadas em nome e para a glória de Deus. Entre cruzadas, inquisições e guerras religiosas, o cristianismo distorcido já derramou muitos litros de sangue sobre a terra. Mas, antes de chegar as vias fatais, o caminho sempre foi pavimentado por ódio, preconceito, ambição, interesses, falta de amor ao próximo e uma visão distorcida de moral e justiça.

Os detentores dos direitos de transmissão da palavra de Deus, além de nunca terem se entendido muito bem, sempre fizeram questão de que os receptores da mensagem deixada por Cristo, também não a entendesse como ele a transmitiu. As conjunções adversativas sempre estiveram no rodapé das pregações por eles realizadas. Por exemplo, Deus fez o homem livre para ir e vir, porém, algumas raças podem ser escravizadas de acordo com o nosso grifo.

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A escravidão mercantil a qual os africanos foram submetidos, é um exemplo de que o cristianismo distorcido pode ser uma arma de destruição de massas. Sob a sua omissão, quando não de suas bênçãos, ele justificou a desumanidade imposta aos pretos escravizados, alegando que eles não possuíam alma. Declaração esta, que legitimava qualquer tipo de preconceito contra eles. A definição lhes retirava o direito a dignidade humana e os privava do princípio da individualidade.

Todo preto era igual aos olhos do deus que o cristianismo distorcido concebeu à imagem e semelhança de seus sacerdotes à época. O que me leva a crer que o cristianismo é humano e não divino. Jesus era humano e divino, enquanto que boa parte dos encarregados de representá-lo por aqui, sempre distorceu os seus ensinamentos, para beneficiar a si próprio ou a determinado grupo. Seja política, comercial, étnica, cultural, social e existencialmente.

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Hitler se declarava cristão, enquanto dizimava os judeus. Bolsonaro também se declara cristão e temente a Deus, enquanto promove através da omissão no combate a pandemia, o genocídio de seus concidadãos. Essa distopia de cristianismo submete, até mesmo a seus seguidores, a uma condição de escravidão doutrinária que os faz externar sentimentos e posicionamentos muito mais próximos do mal que eles dizem combater, do que do bem que eles imaginam defender. É o verdadeiro samba do cristão doido.

Um exemplo desse comportamento, é a manifestação de líderes religiosos sugerindo boicote à empresas que, na visão deles, estimulam a destruição da família cristã tradicional. A Natura mais uma vez está sendo alvo da fúria apocalíptica do pastor Silas Malafaia, por ter colocado Thammy Gretchen, um homem trans, representando a figura masculina em seu comercial para o dia dos pais.

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No momento em que estamos atingindo a marca de 90 mil mortes por conta da covid 19, a privação da realidade e a ausência do verdadeiro compromisso cristão com ela, faz com que um dito representante do cristianismo ignore milhares de vidas que estão se perdendo, para defender o imaginário de um cristianismo baseado no seu preconceito contra um determinado grupo.

Não quero entrar no mérito da questão de gênero presente na discussão. Quero apenas usar a situação, para mostrar uma das formas como o cristianismo distorcido é usado nos dias atuais, como arma de destruição do direito de um grupo existir como ele é, e de ser respeitado como tal. Você acha que Jesus Cristo, que deu a vida pela humanidade, estaria mais incomodado com o Thammy na propaganda da Natura ou com Bolsonaro fazendo propaganda de cloroquina, um medicamento sem comprovação científica para o fim que ele o “prescreve” e que ainda pode provocar a morte de mais pessoas?

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Os chamados “cidadãos de bem” que hoje apoiam este tipo de cristianismo, são os mesmos que pediriam a crucificação de Jesus novamente, se este voltasse repetindo o seu discurso de dois mil anos atrás. Jesus Cristo é apenas o excludente de ilicitude, que legitima a desonestidade moral, social, intelectual e espiritual desses cidadãos. Eles discriminam, julgam, agridem, inferiorizam, demonizam e até matam, porque “a palavra de Deus diz que...”

Na verdade, é a sua não aceitação do que é diferente, quem determina o que Deus deve fazer para punir quem não segue os seus mandamentos. O cristianismo distorcido não enxerga e não respeita o outro como parte de um processo identitário. Ele se sobrepõe a tudo e a todos, apresentando-se como a única identidade possível e aceitável. Assim sendo, colaborou com a construção de estereótipos negativos e ajuda a perpetuá-los na sociedade.

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Mas, por onde anda o cristianismo do amor e da igualdade, que não consegue conter o avanço desse cristianismo distorcido e intolerante? Jesus me responderia: “O meu reino não é deste mundo”. Amém!

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