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Guilherme Coutinho

Jornalista, publicitário e especialista em Direito Público. Autor do blog Nitroglicerina Política

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Ensaio sobre a cegueira no Brasil

Indiferentes com o rumo da nação, que vive em estado de golpe há dois anos, e tomados por um sentimento de revanchismo partidário, parte da população parece não enxergar o avanço exponencial do fascismo, o crescimento da desigualdade social e o autoritarismo supraconstitucional de agentes públicos

Indiferentes com o rumo da nação, que vive em estado de golpe há dois anos, e tomados por um sentimento de revanchismo partidário, parte da população parece não enxergar o avanço exponencial do fascismo, o crescimento da desigualdade social e o autoritarismo supraconstitucional de agentes públicos (Foto: Guilherme Coutinho)
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Através de uma epidemia de "cegueira branca", que se alastra por toda uma cidade, o aclamado autor lusitano José Saramago, em sua obra Ensaio sobre a Cegueira, disserta sobre características nefastas presentes na sociedade, como autoritarismo, individualismo e indiferença. Guardadas as devidas características narrativas, um novo ensaio deveria ser pensado para descrever uma cegueira, aparentemente contagiosa como a de Saramago, que acomete boa parte da classe média brasileira. Indiferentes com o rumo da nação, que vive em estado de golpe há dois anos, e tomados por um sentimento de revanchismo partidário, parte da população parece não enxergar o avanço exponencial do fascismo, o crescimento da desigualdade social e o autoritarismo supraconstitucional de agentes públicos.

Em 2016, Michel Temer, apoiado pelos grandes grupos empresariais e midiáticos, e suportado pelos partidos de direita no parlamento, aplicou um golpe de Estado na então presidente eleita, Dilma Rousseff, do PT, maior partido de esquerda da América Latina. Os motivos alegados (irresponsabilidade fiscal) jamais foram comprovados e Dilma, sem nenhuma denúncia de corrupção atrelada a seu nome, foi injustamente deposta. Temer que, por outro lado, acumula processos por corrupção, favorecimentos ilícitos e obstrução à justiça, assumiu o poder, dando início a uma das fases mais negras da história brasileira.

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A participação da classe média merece atenção nesse processo. Mesmo restando clara a ação golpista, parte da população foi contagiada por uma cegueira verde e amarela e, por não ter, em sua maioria, votado na candidata de esquerda, apoiou o golpe que feriu de morte a democracia brasileira, com passeatas e manifestações. Não houve protesto contra o presidente golpista e corrupto que assumiu o poder, pois Temer, deliberadamente, passou, desde então a acabar com o legado de distribuição de renda e iniciou seu governo voltado apenas a classes privilegiadas. O novo governo fez reformas plutocratas, como a trabalhista que prejudicou deliberadamente os trabalhadores mais pobres, e encerrou programas sociais importantes, como a Farmácia Popular e o Luz para Todos.

Durante os dois anos de golpe, a desigualdade social e a miséria voltaram a crescer no Brasil, mesmo que nem todos tenham, por cegueira ou comodidade, enxergado os fatos. De acordo com o IBGE, o gap social teve um aumento considerável, entre 2016 e 2017, após 22 anos consecutivos de queda. Em 2017, um grupo formado por mais de 40 entidades da sociedade civil, que monitora o mapa da fome da ONU, emitiu um alerta de que o Brasil poderia voltar ao catálogo, devido aos péssimos resultados observados nas áreas mais carentes do país naquele ano. Por outro lado, o número de milionários no país cresceu consideravelmente no mesmo período (10% em 2016 e 7% em 2017, segundo o banco Credit Suisse). A OXFAM anunciou que as 5 pessoas mais ricas no país concentram a mesma riqueza dos 100 milhões de brasileiros mais pobres.

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O fascismo e a extrema direita também ganharam espaço no Brasil da cegueira verde e amarela. Um candidato que defende a tortura, o fechamento do Congresso, pautas racistas, xenófobas e homofóbicas ocupa o segundo lugar nas pesquisas eleitorais para presidente. Exposições de arte são fechadas em nome dos bons costumes e parte daquela classe média, pede, de forma espontânea, a volta dos militares ao poder. Repressões a minorias são muitas vezes comemoradas e a esquerda é deliberadamente perseguida pelas instituições. A prisão do ex-Presidente Lula é um exemplo clássico.

Lula, maior líder político da história recente do Brasil, é candidato à presidência pelo mesmo PT da presidente deposta Dilma Rousseff. Ele é líder isolado em todas as pesquisas, que indicam, até mesmo, uma possível vitória em primeiro turno. Para evitar a que isso aconteça, a justiça tratou de arrumar uma condenação sem provas — refutada por uma gama de juristas brasileiros e estrangeiros — para torná-lo inelegível e preso político. Houve comoção popular e resistência da militância de esquerda. A classe média se acomodou em sua confortável cegueira verde e amarela para celebrar a via crucis do petista até a carceragem em Curitiba, soltando fogos de artifício e batendo panelas em sinal de comemoração.

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Saramago, escritor genial, vencedor do Prêmio Nobel, era também um comunista convicto e um grande divulgador dos ideais de esquerda. Se vivo, certamente teria uma visão crítica do momento vivido pelo Brasil ao longo dos últimos anos. Talvez se espantasse ainda mais ao saber que essa classe média, afetada pela cegueira verde e amarela, ao iniciar um movimento de êxodo tupiniquim, como fuga do legado de 13 anos de governo da esquerda, esteja escolhendo Portugal como refúgio preferido– justamente o país da bem-sucedida geringonça esquerdista. A cegueira brasileira, diferente da de Saramago, que subitamente desapareceu nos personagens do livro, parece não ter fim.

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