Entenda como Silvinei virou espetáculo na fuga ao Paraguai
"Silvinei foi detido no Aeroporto Internacional Silvio Pettirossi, em Assunção, e acabou entregue à Polícia Federal na fronteira"
A prisão de Silvinei Vasques viralizou menos pela tentativa de fuga e mais pelo roteiro vexatório montado no Paraguai, com capuz, algemas, documento falso e até uma “declaração” de doença para tentar escapar. O episódio ganhou ares de espetáculo porque conversa diretamente com o padrão da trama golpista de 2022, que já inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentando violar a própria tornozeleira eletrônica com ferro de solda.
Silvinei foi detido no Aeroporto Internacional Silvio Pettirossi, em Assunção, e acabou entregue à Polícia Federal na fronteira, em Foz do Iguaçu (PR). Segundo o relato das autoridades paraguaias, ele chegou à aduana algemado e com capuz, procedimento usado em expulsões, antes de ser repassado aos agentes brasileiros.
O detalhe que inflamou redes e grupos políticos não foi “fugir”, foi o modo como a fuga desmoronou.
Silvinei tentou embarcar para El Salvador com passaporte paraguaio falso e acabou reconhecido na checagem de fotos, numeração e impressões digitais, de acordo com o diretor de Migrações do Paraguai, Jorge Kronawetter. Confrontado, confessou que os documentos não eram dele.
A cena virou símbolo.
O ex-diretor-geral da PRF, que comandou as blitzes no segundo turno de 2022 e foi condenado no STF por integrar o “núcleo 2” da organização golpista, apareceu sob o protocolo duro de expulsão, como se fosse um personagem tentando escapar do próprio enredo.
Não é a primeira vez que o Paraguai reage com rigor a esse tipo de crime.
O Paraguai costuma ser duro e pouco tolerante com falsificação e uso de documentos falsos, inclusive em casos de brasileiros com alta visibilidade pública. Foi assim no episódio envolvendo Ronaldinho Gaúcho, detido em Assunção após entrar no país com documentação paraguaia adulterada, caso que virou referência regional sobre como as autoridades locais tratam esse tipo de irregularidade, com atuação direta do Ministério Público e decisões judiciais imediatas para impedir a saída do país.
E o enredo é conhecido.
A fuga improvisada de Silvinei se soma a uma sequência de tentativas de driblar o monitoramento eletrônico no núcleo bolsonarista. Em 22 de novembro de 2025, o Blog do Esmael mostrou que Jair Bolsonaro tentou violar a tornozeleira com um ferro de solda, fato registrado em relatório e que virou peça central na decisão de endurecimento contra ele.
Dias depois, a Polícia Federal divulgou um laudo confirmando sinais compatíveis com dano por solda no equipamento, reforçando que não se trata de “acidente” nem de “falha do sistema”, mas de método.
No caso de Silvinei, o método incluiu também uma carta em espanhol para tentar simular incapacidade de fala e audição por suposto tumor cerebral, além de justificar tratamento em El Salvador. A manobra caiu na triagem paraguaia e abriu apuração sobre a origem dos documentos usados.
El Salvador aparece no roteiro da fuga porque virou uma espécie de Riviera bolsonarista no imaginário da direita radical brasileira. Governado pelo extremista Nayib Bukele, o país passou a ser exaltado por aliados de Jair Bolsonaro como um refúgio político, associado a discurso de força, desprezo por garantias democráticas e tolerância zero seletiva.
A tentativa de Silvinei de chegar a San Salvador dialoga com essa fantasia de proteção ideológica, já vista em elogios públicos ao modelo autoritário salvadorenho feitos por bolsonaristas após as condenações no STF.
A PF informou ao STF elementos típicos de fuga, como a saída do imóvel em São José (SC) na noite de 24 de dezembro de 2025, o uso de carro alugado e o rompimento do monitoramento. O ministro Alexandre de Moraes (STF) decretou a prisão preventiva com base no descumprimento das cautelares.
A dimensão política do caso é direta.
Silvinei não é um “ex-servidor” qualquer, foi o chefe da PRF no governo Bolsonaro, período em que a corporação foi acusada de atuar para dificultar o deslocamento de eleitores, especialmente no Nordeste, no dia da votação de 2022. A prisão no Paraguai, com disfarce e documento falso, reativa essa memória e expõe o temor de cadeia em parte do núcleo já condenado.
Silvinei Vasques foi condenado porque, no comando da Polícia Rodoviária Federal, utilizou a estrutura do Estado para fins políticos, integrando o chamado “núcleo 2” da organização golpista investigada pelo Supremo.
A Corte reconheceu que ele atuou para monitorar autoridades, direcionar ações policiais e dificultar o deslocamento de eleitores, sobretudo no Nordeste, no segundo turno das eleições de 2022, além de usar símbolos, recursos e a visibilidade institucional da PRF para favorecer a candidatura de Jair Bolsonaro.
Esses atos fundamentaram a condenação por tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa e outros crimes conexos, resultando em pena superior a 24 anos de prisão.
Silvinei Vasques, vale lembrar, é paranaense de Ivaiporã, no Vale do Ivaí, e ganhou projeção nacional ao comandar a PRF no governo Jair Bolsonaro antes de ser condenado no STF e acabar capturado no Paraguai ao tentar deixar a América do Sul com identidade falsa.
O vídeo da detenção, divulgado pela CNN Brasil com imagens cedidas pela Migração do Paraguai, ajudou a transformar o caso em conteúdo de alto compartilhamento, com a “estética” do constrangimento dominando a narrativa.
No fim, o capuz não é detalhe.
Ele sintetiza a virada do jogo: quem tentou usar Estado, farda e rodovia para constranger o voto, agora aparece constrangido por um procedimento padrão do país vizinho, e devolvido ao Brasil sob custódia federal.
A trama golpista insiste em tratar a tornozeleira como obstáculo removível, na marra ou na gambiarra, mas a sucessão de episódios mostra outra coisa: quando a Justiça aperta, o bolsonarismo radical tenta escapar do próprio crime. E, quando tenta, costuma cair de forma ruidosa, com humilhação pública e custo político alto.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

