CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Roberto Amaral avatar

Roberto Amaral

Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004

255 artigos

blog

Entre o medo e a esperança

O Brasil está entre o medo e a esperança. A esperança de retomarmos o desenvolvimento, base para a construção de uma sociedade justa porque formada por homens e mulheres iguais em direitos; e o medo de que o que está ruim possa ainda piorar

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Este janeiro de 2016 lembra o desditoso dezembro de 2014, pois permanecem dominantes a política econômica recessiva e – causa e efeito a um só tempo – a turbulência política, construindo as bases do que pode ser uma crise institucional, que muitos celerados desejam e perseguem.

A comemorar, no plano político, as decisões do STF disciplinando o rito do impeachment com o qual a oposição ameaça o mandato da presidente Dilma. Na economia, registremos o superávit comercial e os primeiros efeitos (dentre os benéficos) da alta do dólar ensejando pequeno desafogo à indústria manufatureira e a expectativa de elevação da renda do produtor rural. São as nossas flores.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Se poucas são as esperanças de céu de brigadeiro, há, porém, o que temer: nossas crises política e econômica são vasos comunicantes que se retroalimentam num processo contínuo que parece sem fim. Presas ao círculo de giz caucasiano do pessimismo, variam muito pouco as previsões sobre o que os fados nos reservam.

Há, porém, um fato objetivo: em plena recessão, a política de juros altos adotada pelo Banco Central para combater uma inflação (inercial) que, no entanto, não para de crescer.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Contornáveis ou não, os dados disponíveis da economia brasileira, independentemente da crise internacional, não são tranquilizadores quanto à herança de 2015: uma contração do PIB na ordem 3,5%, uma inflação de 10,7% e insuportáveis juros de 14,25%. De 16,6% em 2007, a participação da indústria de transformação no PIB caiu, em 2014, para 10,9%.

Em tempos de economia e política globalizadas nenhum país é uma ilha: às nossas disfunções domésticas somam-se as pressões exógenas e entre estas, destacam-se: (i) queda geral dos preços das commodities, (ii) fim da 'bolha chinesa' de que resulta a redução das compras no exterior, atingindo principalmente os 'emergentes'; (iii) a lenta recuperação da economia europeia, com seu protecionismo, suas artificiais barreiras fito-sanitárias e mais isso e mais aquilo, e, (iv) a nova política de juros dos EUA.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O pano de fundo é o de sempre, a crise do Oriente Médio, com todos os desdobramentos que a imaginação de cada um possa conceber.

Ou seja, o cenário internacional sugere que a crise é profunda e de longo prazo. Há quem até avalie que vivenciamos a "estagnação secular do capitalismo".

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Segundo esse mesmo ponto de vista, a intercessão das duas crises diz-nos que a recessão, entre nós, será ainda mais profunda que a de 1990, mais profunda que a de 1982-83 e mesmo mais profunda e perdurante que a de 1929-30.

Ora, essa crise nos alcança com a economia fragilizada e em meio a uma turbulência política marcada pela ofensiva das forças conservadoras e de direita, num pleito aberto que visa à deposição da presidente Dilma Rousseff, sem maioria no Congresso, sem base parlamentar confiável, contestada diariamente em sua autoridade e enfrentando baixos níveis de aprovação popular, manipulados pela ação quase unânime dos meios de comunicação, que lhe movem, e a seu partido, férrea, intransigente, incansável e sistemática oposição.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Dessa presidente, nessas condições, espera-se que conjure a conspiração golpista e comande a retomada do desenvolvimento do país. Caso contrário, teremos de enfrentar o trio satânico: crise política, crise econômica, crise social.

O marco da turbulência política (e de suas consequências) é, evidentemente, a campanha pelo impeachment, tocada de forma permanente e sistemática, sem recesso, desde novembro de 2014.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Tocada, a um tempo, por uma oposição que não sabe perder eleições e por uma direita que, senhora do controle dos meios de comunicação de massa, e cumprindo o papel de orientadora da práxis dos partidos conservadores (PPS e PSB de hoje entre eles), aspira à conquista do poder e controle absoluto do Estado.

O pleito do impeachment, contudo, é apenas um marco, um indicador, o elemento mais visível, popular e catalisador de um projeto maior, de regressão social e tomada do poder, no qual estão empenhados os meios de comunicação de massas, os partidos de oposição e forças difusas na sociedade mais ou menos afastadas das organizações tradicionais, mas convergentes todos na ação e nas palavras de ordem.

Por isso mesmo, e ainda para além do impeachment, ressalta a tentativa de desmoralização dos entes da democracia participativa, a começar pela desconstituição da política. Trata-se do fomento à intolerância ideológica, a recuperação dos valores conservadores, do sentimento anti-povo e anti-nação que transborda para a intolerância social e desta para a intolerância pessoal. É a consagração da disjuntiva povo-elite, casa grande e senzala, trazendo para o paroxismo a luta de classes.

A campanha de imprensa constrói a imagem da política como coisa nefasta, e a convicção de que o espaço da política e da gestão pública é antro de aventureiros. Convicção que Brasília, como símbolo do poder, é a caverna de Ali-babá. Donde a penalização da política e a espetacularização da justiça penal. Daí para o retrocesso político pode ser apenas um passo. É assim que as democracias representativas, já fragilizadas pela interferência do poder econômico no processo eleitoral, como é o nosso caso, transitam para o que Boaventura Souza Santos chama de "democracias de baixíssima intensidade", o nome das ditaduras do século XXI, o autoritarismo contemporâneo.

No Brasil, a ação demolidora da política pela grande imprensa refastela-se diante de um sistema de partidos em frangalhos, sem legitimidade social e cada vez mais sem militância.

Fruto dessa ordem partidária esgarçada, fruto de uma legislação eleitoral inepta, permissiva para o capital, ensejadora da preeminência do poder econômico, temos um Poder Legislativo fragilizado por escândalos. Fragilidade, todavia, que não impediu que operasse – em ação coordenada com a grande onda reacionária – contra as conquistas sociais da Constituição de 1988, dizimando direitos e revogando avanços. Fragilidade que tampouco impediu que a Câmara dos Deputados – comandada e liderada por um celerado – pusesse em risco a governança da presidente e chegasse mesmo a ameaçar seu mandato, como ameaçado o mantém até hoje.

O Poder Executivo, em face da crise política que ameaça a governabilidade, em face das agressões que atingem sua autoridade, cede espaço à emergência de órgãos e associações de pessoas (policiais federais, procuradores, juízes, auditores da receita federal, membros do Tribunal de Contas da União), os quais, atuando de forma associada e concertada com os grandes meios de comunicação e a vanguarda de direita da Câmara dos Deputados, funcionam como verdadeiras instituições estatais autônomas. Assim, operam uma ocupação quase orgânica de vácuos de poder, incompatíveis com a natureza do presidencialismo.

No campo jurídico-político o ano foi inaugurado em dezembro passado com o 'chamamento à ordem' do STF, ditando as regras do processo do impeachment. Por enquanto, é o estado do 'espera-se'.

Espera-se pelas férias gerais e pelo recesso legislativo-judicial, espera-se pela retomada dos julgamentos do STF, espera-se pelos 'embargos' do presidente da Câmara, pelas novas denúncias do procurador Janot, pelas novas sentenças do juiz Moro, pelas novas operações da Policia Federal, espera-se pelo resultado das disputas da liderança do PMDB e da presidência do Partido, espera-se pela prisão de Eduardo Cunha, espera-se pelo novo julgamento das contas de campanha de Dilma-Temer e espera-se, a cada dia, que os regentes da Lava Jato revelem novas delações premiadas, novas incriminações e novos pré-julgamentos, novas condenações à procura de processo justificador.

O Brasil está, assim, entre o medo e a esperança. A esperança de retomarmos o desenvolvimento, base para a construção de uma sociedade justa porque formada por homens e mulheres iguais em direitos; e o medo de que o que está ruim possa ainda piorar.

Publicado originalmente na Carta Capital

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO