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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Entrevista de Ela Wiekco (2a. parte)

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Na parte final de sua entrevista ao 247, a procuradora Ela Wiecko, que disputa a sucessão ao PGR num pleito com oito candidatos, explica porque não apoiou o abaixo assinado com o pacote de medidas contra a corrupção. "Não acredito que sejam medidas capazes de superar a corrupção, que não é apenas sistêmica, mas estruturante da sociedade brasileira."

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BRASIL 247 --  senhora foi vice procuradora-geral da República na gestão de Rodrigo Janot. Qual seu balanço?

ELA VIECKO -- De setembro de 2013 a julho de 2016. Período de trabalho intenso. A minha principal atribuição  foi na área criminal, em procedimentos extrajudiciais e processos judiciais em desfavor de agentes públicos com prerrogativa de foro na Corte Especial do STJ (governadores, desembargadores, membros dos
tribunais de contas de estados e municípios, membros do MP com assento nos tribunais e no STJ). Concentrei a atuação, que antes era pulverizada por distribuição a vários subprocuradores-gerais, sem controle do andamento e de prazos de prescrição, sem uma interlocução fluida com a secretaria da Corte Especial.  Deixei o gabinete sob controle,  e estava me preparando para uma nova fase em que receberia dezenas de inquéritos de governadores, apontados em colaborações premiadas da Odebrecht. Como substituta do PGR presidi várias sessões do CNMP; acompanhei ativamente as sessões do CNJ, onde desenvolvi um trabalho articulado com a Corregedoria Nacional  nos casos de concomitante procedimento administrativo com penal no STJ relativamente a desembargadores; tive assento no Pleno do STF,  presidi o Conselho Superior do Ministério Público Federal  com muita frequência, conseguindo articular a votação da revisão do Regimento Interno; mantive bom relacionamento com os Procuradores-Gerais de Justiça e do MPU; trouxe para a administração a perspectiva de gênero e raça/cor, implantando o Comitê Gestor de Gênero e Raça do Programa de Equidade do Governo Federal; participei  do Comitê de Gestão Estratégica e do Conselho de Assessoramento Superior. Em síntese, avalio que trabalhei com lealdade e dedicação, e granjeei conhecimentos e habilidades que me credenciam a exercer a titularidade da PGR. 

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BRASIL 247 --  A senhora concorda com a visão de que o Ministério Público tem assumido um protagonismo político exagerado? Considera, por exemplo, que a elaboração, defesa e divulgação através de abaixo assinado de um pacote de medidas contra a corrupção como uma atribuição própria de membros do MP?

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ELA VIEKCO -- Quando fui candidata com Janot a PGR defendi maior protagonismo político no cargo. Por isso não o critico pelo protagonismo que assumiu. Quanto a promover campanhas para propositura de leis não chega a constituir uma disfunção, embora não seja uma atribuição própria da instituição. Eu não aderi ao abaixo-assinado porque discordo de algumas medidas e,  no geral, não acredito que sejam capazes de superar a corrupção que não é apenas sistêmica, mas estruturante da sociedade brasileira.

BRASIL 247 --  senhora acredita que o presidente Lula agiu corretamente quando assumiu o compromisso verbal de indicar como PGR aquele nome que fosse o primeiro de uma lista tríplice do Ministério Público Federal? Essa situação contribuiu para transformar a escolha num debate essencialmente corporativo?  

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ELA VIECKO -- Não tenho conhecimento desse compromisso verbal e se houve, com quem se comprometeu. Minha compreensão, externada em entrevistas, nas oportunidades em que concorri à lista tríplice é de que, se fosse para ser o(a) primeiro(a) da lista não precisaria ser tríplice. E efetivamente vincular a escolha do(a) presidente da República a quem for mais votado pode  estimular uma campanha interna preponderantemente guiada por interesses corporativos ou de grupos.

BRASIL 247 -- Uma crítica frequente ao trabalho do Ministério Público envolve a prioridade de ações que envolvem temas de grande repercussão política -- como corrupção -- em detrimento de outras questões igualmente importantes. A senhora tem falado na necessidade de dar importância a temas como saúde, educação, preservação ambiental. Como se poderia enfrentar isso?

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ELA VIEKCO -- Embora o MP apresente trabalhos de excelência na defesa de direitos humanos e na afirmação de políticas públicas, o debate e a implementação democrática destes temas – no meio jurídico ou no meio social, estão em permanente construção, desafiando constantemente cada membro e a instituição. Na posição de Procuradora-Geral buscarei o debate e a implementação na forma de condução da gestão da atividade-fim, em manifestações judiciais e extrajudiciais, em audiências públicas, em diálogo com o governo e com a sociedade.

 

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BRASIL 247 -- Por que tantos procuradores dão uma importância tão grande ao que a mídia irá dizer sobre seu trabalho?

ELA VIECKO -- A mídia molda a opinião pública. O que a mídia diz repercute no Judiciário e no Executivo, favorecendo ou prejudicando a atuação do MP. Há, sem dúvida,  um interesse na preservação da boa imagem. Entretanto, há também o interesse no amplo acesso à informação que a mídia pode proporcionar à população.

BRASIL 247 -- Em 40 anos de carreira, a senhora testemunhou as mudanças promovidas na estatura do Ministério Público pela Constituição de 1988, que define sua unidade, indivisibilidade e autonomia. Até onde se pode saber, é uma condição exibida em poucos países do mundo. Qual foi o impacto dessa mudança?

ELA VIECKO --  Constituição Federal de 1988 elevou o MP a patamar diferenciado no sistema jurídico-político dotando-o de poderes-deveres, funções e autonomia que permitem qualificá-lo como para-poder. Órgão constitucional autônomo, o MP passou a exercer, com maior alcance e efetividade, leque de funções institucionais que ultrapassam em muito o feitio de fiscal da lei ou titular da persecução penal. Na persecução penal, tornou-se titular exclusivo da ação e, por isto mesmo, apto a proceder investigação. Na tutela coletiva, vem ampliando sua atuação. Na defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa destacou-se nas duas últimas décadas. Constata-se facilmente a evolução, seja em quantidade, seja em diversidade de matérias enfrentadas, com comparação empírica do que havia antes de 1988, apesar de legislação atinente a ação civil pública já existir desde 1985 e, depois, notadamente a partir dos anos 90, também devido à expansão das carreiras afetas ao sistema federal. Atuação na defesa de índios e minorias e de direitos fundamentais os mais diversos têm sido também salutar e serviu, sobretudo até meados da primeira década dos anos 2000, para suprir lacunas da sociedade civil e de outros legitimados.

BRASIL 247 -- Uma observação frequente sobre o Ministério Público diz respeito a origem social da maioria de seus membros, que seriam todos jovens da elite social brasileira:  classe média alta ou mesmo ricos; brancos; formados em escolas de alto padrão, com uma visão política conservadora. A conclusão é que esta origem favorece uma postura política especialmente crítica em relação as políticas chamadas progressistas. A senhora poderia comentar isso?

ELA VIEKCO --  Em pesquisa realizada pela Escola Superior do Ministério Público da União, publicada em 2010, sobre o perfil sócio-profissional e concepções de política criminal do MPF, os dados confirmam que, entre os respondentes, a maioria era  de nascidos de 1970 a 1980 (44,4%), de cor branca (79,6%), tendo pai com ensino superior completo e/ou pós-graduação (68,3%) e mãe com ensino superior completo (34,7%) ou ensino médio completo (25,7%).Não posso concluir desses dados que esse perfil favorece uma postura política refratária a políticas progressistas. Não há, por exemplo, rejeição da maioria quanto as cotas para negros no concurso público de ingresso para os cargos de procurador da República. Ao longo das últimas décadas, pode-se observar maior diversidade no ingresso, assim como aspectos geracionais, que parecem indicar tendências de comportamento e visão de mundo. Por certo, a formação acadêmica em Direito no Brasil ainda apresenta abordagens mais dogmáticas que não favorecem o desenvolvimento de visões mais abrangentes e multidisciplinares sobre o mundo e a aplicação do Direito na busca de soluções para os problemas de convívio social Nos debates de que estou participando observo a persistente cobrança por uma atuação do MPF no campo da promoção dos direitos humanos, para além da tradicional e forte atuação na questão criminal. Inclusive, a preocupação dos mais jovens sobre a desigualdade de gênero no MPF. Não obstante o acesso à carreira de membro do MPF ser igualitário por concurso público, as mulheres continuam sub-representadas em relação aos homens, são apenas 29,18%. E mais homens ocupam cargos estratégicos e de maior relevância no MPF. A ausência de reserva de cotas para mulheres e para negros nos concursos até agora realizados contribuiu para as características de sexo, cor/ raça do corpo de membros. Em 2014, contribui para a criação do Comitê Gestor de Gênero e Raça no âmbito do MPF visando a eliminação de todas as formas de discriminação e estimular práticas de gestão que promovam a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. O papel desse Comitê é criar estratégias e ações que assegurem a entrada e a permanência de mais mulheres na instituição e garantir direitos e oportunidades iguais, independentemente do gênero, raça/cor e etnia e religião. A inserção de mais mulheres na carreira do MPF e a igualdade de gênero implica também assegurar que os conhecimentos e a experiência das mulheres sejam usados para promover mudanças no modelo conservador vigente.

BRASIL 247 -- Qual o poder real do PGR sobre o conjunto do Ministério Público?

ELA VIECKO -- O poder real depende de sua liderança e de sua capacidade de atrair para si as decisões estratégicas do Ministério Público. Como presidente do CNMP ele(ela) tem meios de articular um trabalho coletivo de estruturação com uso dos meios de controle e de imposição de metas. No MPF muito dependerá da relação de convívio que terá com o Conselho Superior.

BRASIL 247 -- Por que nenhum membro do Ministério Público se manifesta contra abusos frequentemente denunciados por advogados com clientes acusados na Lava Jato? Não seria o caso de exigir, pelo menos em alguns casos, o respeito ao princípio de presunção da inocência?

ELA VIEKCO --  Os membros do Ministério Público que atuam nas várias instâncias agem garantidos pela independência funcional, isto é, não cumprem ordens, apenas as leis e a Constituição. Não é uma independência sem limites, porque precisa estar fundamentada. Os colegas que atuam nas diversas frentes da Lava Jato conhecem os processos, muitas vezes sigilosos. Faz parte da ética ministerial respeitar os trabalhos uns dos outros e só se manifestar nos casos em que se oficia, podendo então divergir, também ao amparo da independência funcional. Sem conhecer o processo e as provas não é possível emitir opinião abalizada. É importante lembrar que, ao final, cabe ao Poder Judiciário a decisão sobre o mérito das manifestações e pretensões das partes no processo.

BRASIL 247 -- A Senhora acredita que conchavos e disputas políticas atrapalham o MPF?  

ELA VIECKO -- Toda instituição possui grupos, firmados por afinidade de valores e ideias. Dissensos morais e pragmáticos são inevitáveis em qualquer instituição, ainda mais no MPF, de tanta relevância no contexto político-jurídico. É importante ter mecanismos que assegurem participação ampla, igualdade de oportunidades, publicidade e transparência no processo eleitoral para a formação da lista tríplice. Isso fortalece a instituição para um senso de democracia interna e para a legitimidade de sua  atuação na defesa dos direitos e interesses indisponíveis da sociedade. Muitas vezes os conflitos podem ser intensos, mas, superada a fase crítica, sempre levam a um amadurecimento. Estamos avançando para compreender nossas posições divergentes e como aproximá-las no cumprimento de nossas funções.

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