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Inez Lemos

Psicanalista e autora de "Berro de Maria", ed. Quixote.

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Envelhecer, que ruído é esse?

Envelhecemos o corpo biológico mas não o corpo erótico

(Foto: Pixabay)

Talvez levemos um susto quando deparamos com o significante "velho". Mas a recuperação vai depender do nosso baú, capacidade de nos entretermos com a memória - tecido que tramamos ao longo de nossa existência, marcas indeléveis que dão contorno e sentido ao vivido.

Eu me divirto com as lembranças, loucuras que não poupei. 

A vida não perdoa covardias, exige coragem moral. Não podemos nos demover de nossos  desejos. Abrir mão dos sonhos é antecipar a velhice. Um jovem que não se joga de cabeça nas utopias, já nasceu velho. 

Para além das motivações subjetivas que ajudam a disfarçar, colorir a velhice com um retorno a um passado rubro, traços mnêmicos que ainda  provocam ardências - incômodos que nos bole por dentro, força incendiária que nos joga num tempo vibrante, existem as adversidades, frustrações, perdas. 

Embora, diante de um cenário de grande intensidade, as dores e limitações da idade não passam de obrigações corriqueiras. Envelhecer é o tempo de povoar nossas mentes com os ingredientes de dentro.

Acredito que o momento atual, idade avançada, não passa de uma reedição das experiências - passagens de augúrias e/ou grandes emoções. Se temos um passado desinteressante, cinza, morno, perdido entre obediências sem sentido, engajado no modelo dominante, cumprindo regras formais, a velhice seguirá a mesma toada. Vida miúda, desidratada. O que confere calor, entusiasmo na alma são os desafios, a forma como nos jogamos na aventura humana. Ao romper com o modo pequeno burguês de minha família e me jogar de cabeça na luta contra a ditadura militar nos anos 1980, descubro as contradições da vida na esteira da dialética. Com certeza estabeleci critérios de escolhas que tornaram minha existência bastante empolgante. Mais ética, honesta, digna. Curto pacas essas lembranças, rebeldia necessária. Como disse Drummond: "Vai, Carlos, ser gauche na vida". 

Contudo, não cultive ressentimentos, arrependimentos. Envelhecemos com as neuroses que deixamos de tratar. Portanto, saber driblá- las é mais que necessário. Embora nunca seja tarde para revisitar um divã. 

Ainda que tenhamos que nos haver com a idade, implicar nos cuidados que ela nos exige e que hoje são cantadas, recomendadas, facilitadas, a questão é muito mais de ordem interior - qualidade de nossas fantasias, atmosfera onírica que cultuamos - que de ordem fisiológica. 

Envelhecemos o corpo biológico mas não o corpo erótico. 

Recusemos a pulsão de morte.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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