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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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Era uma vez, no Ano Novo Lunar…

“Se quisermos viver uma vida no fio de uma faca que nunca fica cega, temos que trabalhar por entre as juntas”, reflete o jornalista Pepe Escobar ao dar as boas-vindas ao - quem sabe, auspicioso - Ano do Boi

Kublai Khan (1294)
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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Um Ano do Boi auspicioso para todos. E para celebrar em estilo, trazendo um alívio passageiro a nossa pesada carga nestes tempos turbulentos, mergulhemos em um sonho dentro de um sonho, indo de volta ao futuro, a um momento que mudou para sempre a história chinesa.    

Dia do Ano Novo Chinês, 1272. Que naquele ano caiu em 18 de janeiro. Kublai Khan, depois de assinar um decreto imperial, inicia oficialmente a dinastia Yuan na China.

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Essa dinastia talvez fosse bem ao estilo chinês, com toda a sua elaboradíssima parafernália, estabelecida segundo rituais milenares e seguindo uma estrutura clássica. Mas quem dava as ordens eram, decididamente, os filhos das estepes: os mongóis.

Kublai Khan estava no auge. Em 1256, ele havia começado a construção de uma capital de verão ao norte do Grande Muro da China, Kaiping – rebatizada de Shangdu em 1263. Era essa a Xanadu do sublime poema de Coleridge - mais tarde decodificado pelo gênio de Jorge Luis Borges, aquele Buda de terno cinza, como contendo um "arquétipo não-revelado", um "objeto eterno" cuja "primeira manifestação" era o palácio e a segunda, o poema.

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Em 1258, depois de lutar com êxito contra uma conspiração palaciana, o irmão de Kublai, Mongke – então o Grande Khan – conquistou o comando estratégico de uma das quatro divisões do exército mongol, em uma nova ofensiva contra a dinastia Song da China. 

Mas logo Mongke morreu de uma febre, próximo a Chungking (hoje Chongqing), em 1259. A sucessão foi épica. O irmão mais novo do Khan, Ariq, que havia ficado na capital mongol para proteger o solo pátrio, estava prestes a partir para a violência para se apoderar do trono. 

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Hulagu, também irmão de Kublai, e conquistador (e destruidor) de Bagdá - na verdade, o conquistador de quase a totalidade do Oeste Asiático - interrompeu sua campanha militar na Síria e voltou às pressas para apoiar Kublai. 

Kublai, finalmente, conseguiu retornar a Kaiping. Um khuriltai – o imponente e elaborado conselho de chefetes tribais - foi por fim realizado. E Kublai foi proclamado Grande Khan em junho de 1260.

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O resultado oficial foi a guerra civil - até que Ariq, finalmente, se rendeu. 

Seis anos depois de se tornar o Grande Khan, Kublai deu início à construção de uma nova capital de inverno, Ta-tu ("grande capital), a nordeste da velha cidade de Chungtu (onde hoje se localiza a Pequim moderna). 

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Em túrquico, a cidade foi chamada de Khanbalik ("capital real"), a Cambalac que encontramos nas viagens de Marco Polo.  

A guerra de Kublai contra a dinastia Song foi longa. Sua vitória final só ocorreu quatro anos depois de ele se tornar o Grande Khan – quando a imperatriz-viúva Song entregou a ele o selo imperial. 

A dinastia Yuan foi, de fato, uma virada de jogo histórica, porque, bem no fundo, os mongóis, filhos nômades das estepes, nunca confiaram nos chineses sedentários, refinados e urbanos. 

Kublai, entretanto, era um mestre estrategista. Ele manteve diversos conselheiros chineses em posições de grande importância. Mas, posteriormente, seus sucessores preferiram empregar na administração mongóis, muçulmanos de diversas origens e tibetanos. 

O Grande Khanato, sob Kublai Khan, incluía a Mongólia e o Tibé - que, é claro, não eram chineses. Entretanto, o ponto mais extraordinário era que a China Yuan foi de fato integrada e/ou absorvida no império mongol. A China se tornou parte do Khanato.

Siga o enredo 

A dinastia Yuan também selou um momento definidor na história mongol. Os mongóis sempre foram abertos à influência de outras religiões. Mas a verdade é que eles sempre permaneceram essencialmente pagãos. Quem realmente comandava sua atenção - e sua devoção - eram seus xamãs. 

No entanto, alguns mongóis haviam se convertido ao cristianismo nestoriano. A mulher de Kublai Khan, Chabi, era uma budista fervorosa. Mas então, a geração Kublai passou a se converter em massa ao budismo mahayana. Seus tutores eram não apenas  tibetanos, mas também uigures. 

E isso nos leva a um momento de importância crucial. Kublai decidiu que precisava de uma escrita mongol unificada para congregar a Babel de línguas faladas por todo o Khanato.  

O homem escolhido para levar a cabo essa formidável tarefa foi Phagspa – O Preceptor Nacional de Kublai, vice-rei do Tibé e, mais tarde, Preceptor Imperial, ou seja, a autoridade suprema sobre todos os  budistas em todo o império mongol. 

Não é de surpreender que Phagspa tenha proposto uma escrita baseada no alfabeto tibetano, embora escrita verticalmente, como a escrita chinesa, e também a uigur e a mongol.

Em 1269, três anos antes do início oficial da dinastia Yuan, essa escrita tornou-se o sistema oficial mongol. Por que isso é tão importante? Porque foi o primeiro sistema de transcrição multilíngue em todo o mundo. 

Havia também a importantíssima questão da comida. 

Kublai era um gourmet. Os cozinheiros tinham um papel especial e de grande prestígio no universo mongol. Eles eram companheiros próximos do Khan, que confiava neles para providenciar que sua comida estivesse sempre livre de veneno. Os cozinheiros também eram membros do keshig – a guarda pretoriana do Khan. O que significa que eles eram guerreiros muito bem treinados.

Na tradição imperial chinesa, o Filho do Céu devia seguir uma dieta perfeitamente balanceada, o que garantiria a estabilidade do mundo como um todo. As refeições do imperador chinês - o elo vivo entre o Céu e a Terra - marcavam a passagem do tempo e a alternação entre o yin e o yang.

Kublai, como dedicado estudioso da tradição chinesa que era, deve ter sido apresentado por seus conselheiros da corte a uma famosa passagem do clássico chinês O Mestre Zuang. O acertadamente intitulado "Fundamentos para uma Vida Nutritiva" traz um diálogo entre o Duque Wenhui de Wei e seu cozinheiro, Ding que, por acaso está abatendo ... um boi.

A coisa mais extraordinária dessa história - que de certa maneira prefigura a escrita de Borges - é que Ding, o cozinheiro, descreve sua arte a seu senhor: como dissecar um boi fazendo correr a lâmina por entre os espaços vazios entre as juntas. 

É tudo uma questão de se concentrar no Tao. Ou seja, seguir o fluxo - e respeitar a anatomia natural. É assim que aprendemos a navegar a carcaça complexa da própria vida - sem enfrentar resistência nem esgotar a energia vital. 

Então, aí está: um cozinheiro como um filósofo taoísta. Borges teria adorado.  

A mensagem: se quisermos viver uma vida no fio de uma faca que nunca fica cega, temos que trabalhar por entre as juntas. 

Soa como uma lição de vida que todos nós devemos seguir para que o Ano do Boi seja devidamente auspicioso.

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