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Heraldo Tovani

Professor, formado em História, com pós-graduação em Psicopedagogia e especialização em Psicanálise

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Escola sem Partido, sem partido

Um procurador do estado de São Paulo, coincidentemente (ou não), é o líder fundador do Movimento Escola Sem Partido. Falamos aqui de sua excelência, o Dr. Miguel Nagib. O procurador Nagib conta-nos sua saga de defensor das criancinhas ameaçadas pelos poderes do mal, representados pelos inescrupulosos professores

Um procurador do estado de São Paulo, coincidentemente (ou não), é o líder fundador do Movimento Escola Sem Partido. Falamos aqui de sua excelência, o Dr. Miguel Nagib. O procurador Nagib conta-nos sua saga de defensor das criancinhas ameaçadas pelos poderes do mal, representados pelos inescrupulosos professores (Foto: Heraldo Tovani)
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1- Muito antes de vocês...

Os senhores querem uma escola sem partido? Nós, também.

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Queríamos já há muito tempo.

Desde que o Brasil assinou o acordo MEC-USAID, logo após o Golpe Militar de 1964, estamos lutando por uma escola sem partido. Para quem não o conheceu, MEC-USAID foi um acordo secreto entre o Ministério da Educação do Brasil e a United States Agency for International Development, destinado a implantar no Brasil um sistema educacional privatizado, servil e afinado com o American Way of Life (O modo de vida americano), com todos os seus valores e desprezando absolutamente os nossos.

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Uma luta obstinada daqueles que hoje os senhores chamam de esquerdistas, fez com que os militares tivessem que reconhecer e tornar público em 1966 a existência desse acordo, que até então negavam. A pressão fez com que o acordo fosse desfeito.

Foi por uma escola sem partido que lutamos pela volta do ensino de filosofia no ensino médio, pela introdução dos estudos de sociologia e pelo fim das matérias (muito partidárias) de OSPB e Educação Moral e Cívica, impostas pelos militares.

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Por uma escola sem partido, fizemos um amplo movimento no final dos anos de 1980 e formulamos os princípios para uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação, incorporando valores democráticos ao ensino e práticas pedagógicas de valorização do aluno.

Quando lutamos contra a censura, contra o moralismo estreito que proibia até que se namorasse nas ruas; que proibia beijos em novelas e, acreditem, até a moda do biquíni e da minissaia; quando lutávamos contra a proibição de filmes e peças teatrais estávamos lutando por uma Cultura sem partido.

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Quando finalmente fez-se possível ares renovadores nesse país, naturalmente os debates, por tanto tempo reprimidos, fizeram-se presentes em escolas. Até então, agentes da polícia secreta infiltravam-se entre os alunos nas universidades e faziam desaparecer aqueles que ousassem destoar minimamente dos preceitos impostos.

A simples menção aos números de casos de meningite, nos anos de 1970, por exemplo, já era suficiente para colocar sob suspeita o cidadão questionador. Os jornais traziam trechos em branco ou com receitas de bolo nos espaços que trariam as notícias que foram censuradas. TVs eram tiradas do ar, programas eram proibidos, show cancelados. Cada soldado raso arvorava-se em defensor da moral e dos bons costumes, cada sargento do exército transformou-se em censor, cada delegado ou investigador de polícia auto atribuía-se os poderes de juízes e executores das leis. Quando lutamos contra isso, queríamos uma vida sem partido.

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2 – Escola sem (saberes) partidos.

Devo dizer, por tudo isso, que somos absolutamente favoráveis a uma escola sem partido.

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Uma escola sem partido que forme cidadãos.

Cidadãos, pelo conceito clássico, eram as pessoas que, na Grécia antiga, conviviam nas cidades, na Pólis. As pessoas que conviviam na Pólis, pela definição do termo, eram políticas. Logo, todo cidadão era político.

O Movimento Escola Sem Partido, fala em formar cidadãos sem política, o que, por definição, é uma contradição em termos.

O cidadão formado na escola sem partido que defendemos, saberá questionar as desigualdades e os privilégios de poucos, como, por exemplo, os supersalários do poder judiciário. Questionará a legitimidade, a ética e a moralidade do salário e mordomias de, digamos, um procurador.

Um procurador do estado de São Paulo, coincidentemente (ou não), é o líder fundador do Movimento Escola Sem Partido. Falamos aqui de sua excelência, o Dr. Miguel Nagib (foto).

O procurador Nagib conta-nos sua saga de defensor das criancinhas ameaçadas pelos poderes do mal, representados pelos inescrupulosos professores.

Sua revolta teria iniciado, segundo a fábula, quando sua filha foi vítima de um desses imorais professores, que profanou o santo nome de São Francisco de Assis. Comparou São Francisco a Che Guevara. O professor falava do desprendimento daqueles que doam suas vidas a uma causa. (vejam o relato do procurador na matéria do Jornal El País: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/23/politica/1466654550_367696.html ).

"As pessoas que querem fazer a cabeça das crianças associam as duas coisas e acabam dizendo que Che Guevara é um santo", arremata Nagib, em uma conclusão de raríssima argúcia.

Mas, eu não entendo...

Haveria exemplo maior de uma escola sem partido que trazer para a análise dos alunos um socialista e um cristão? Trazer apenas um deles não seria doutrinação?

Posso pensar, pela mesma lógica de Miguel Nagib, que o professor poderia concluir ao contrário, ou seja, que São Francisco é um revolucionário. Pois, o que mais queria São Francisco além de revolucionar o mundo, quando pregava: "Onde houver erro, que eu leve a verdade", "Onde houver desespero, que eu leve a esperança", "Pois é dando que se recebe"?

Imaginem a revolução que teríamos se esses princípios franciscanos fossem aplicados pelo judiciário brasileiro.
Essa inversão, valorizando o poder transformador das palavras de um santo, confortaria o aflito coração paterno do tão pio procurador?
Mas, senhor procurador, não deveríamos notar que, afinal, as palavras de São Francisco não diferem tanto de "jamais devemos perder a ternura", de Che Guevara?

A melhor escola sem partido será exatamente essa, repleta desses professores que propõem o debate e a reflexão, com a sabedoria e o desprendimento de citar tanto um santo mártir da religião católica como um líder revolucionário e possibilitar que os alunos ampliem seus referenciais e absorvam o ideal democrático do pluralismo e da reflexão aberta.

Proibir que se faça referência a um dos lados é, isto sim, doutrinação barata, é falta grave contra a verdade, é desprezo às capacidades do aluno. É pregar uma escola de pensamento único.

3 – Cegueira e força bruta.

Paulo Freire entendia a educação como um ato de amor, por isso não queria impor certezas, mas sim propor um processo de aprendizagem compartilhada entre professor e aluno. Dizia ele que "uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas". E concluia que "Não se pode falar de educação sem amor".

Mas vocês, do Movimento Escola Sem Partido, têm um olhar cruel.

Revestidos pelo ódio, seus olhos vêm em tudo intenções malignas que, na verdade, só existem sob vossas retinas. Por respeito ao debate, não vou citar Marx, que sei que vocês odeiam, citarei Jesus que tanto nós como vocês respeitamos. Vejam em Mateus 7:4/5, "E como podes dizer a teu irmão: Permite-me remover o cisco do teu olho, quando há uma viga no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão".

Paulo Freire ensinava que "A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa".

Mas vocês não prezam o debate, o contraditório ou o diálogo. Invadiram uma aula na Universidade do Rio de Janeiro (Veja em GGN: https://jornalggn.com.br/noticia/grupo-de-extrema-direita-invade-palestra-sobre-100-anos-de-revolucao-russa-da-uerj ) com a clara intenção de impedir que a mesma se realizasse. O motivo era o tema da aula, "os 100 anos da Revolução Russa".

Devemos dizer que, infelizmente para vocês, de fato ocorreu uma revolução na Rússia. De fato aconteceu há 100 anos. E, de fato, os historiadores precisam estudá-la e os alunos, aprendê-la, pois ela transformou toda a história contemporânea. Vocês não gostarem não faz com que o fato desapareça. Eu, por exemplo, não gosto do nazismo, nem por isso eu posso impedir que meu filho o estude e o entenda. Não é mesmo?

A aula da UERJ foi interrompida quando a professora convidada falava da Guerra Fria e do Golpe de Estado no Brasil, em 1964. Um dos invasores gritou: "Não houve ditadura no Brasil, houve um regime militar democrático. Vocês estão doutrinando os alunos".

Esta afirmação, dita com tanta truculência e tão certa certeza, com tanta cara de pau e falta de educação, em frente a uma catedrática reconhecidamente versada sobre o assunto poria em dúvida o incauto: Será mesmo? Regime militar democrático? Será que após tantos anos, só agora compreende-se o que é, de fato, democracia? Será que tudo até agora foi manipulação de esquerdopatas doutrinadores?

Os 21 anos sem eleger um presidente da república, que seria a confirmação clara e notória de que vivíamos numa ditadura não é mais, isso, na verdade, é democracia!

"Vocês estão doutrinado os alunos", gritou o invasor que protestava. Os dicionários ensinam que "Doutrinação é o processo de incutir ideias, atitudes, estratégias cognitivas ou uma metodologia profissional a outros". E complementa: "Muitas vezes, é distinta da educação pelo fato de que se espera que a pessoa doutrinada não questione ou analise criticamente a doutrina que está sendo ensinada".

Quem, de verdade, está querendo impor a doutrinação?

Contra as supostas doutrinações, o seu famoso militante, o vereador Holiday, queria correr as escolas do município de São Paulo para localizar e exterminar, como um anjo vingador, os professores doutrinadores.

Como será que ele faria isso?

Como detectar assim de relance o doutrinador?

Hahhh... aquele professor falou de Revolução Russa. Pau nele!

Mais recentemente vocês mudaram o foco. Agora o alvo é também os museus e vocês querem redefinir os conceitos do que é e do que não é arte.

E, sempre em nome das criancinhas (esse discurso é legal porque pega todo mundo, né?), vocês fizeram o fantasma da pedofilia aparecer em todas as partes.

Vocês foram à porta do SESC Pompeia, em São Paulo, impedir que outra estudiosa debatesse um tema que vocês querem fazer desaparecer. Não conseguirão!

Vocês viram uma criancinha, acompanhada da mãe, tocar no pé de um artista nu e contaminaram as redes sociais com o brado de "pedofilia", "pedofilia","pedofilia"... Na ocasião eu fiquei pensando: "Será que eles acham que pedofilia é quando uma criança toca no pé de um adulto?" Pé-dofilia...

Mas não, vocês são mais espertos que isso. Eu sei!

Vocês têm noção da sociedade que vocês querem. Têm noção dos inimigos que vocês elegeram. Vocês têm claro que o Estado tem que ser mínimo para o mercado ser máximo. Vocês são claramente novos liberais, são contra as esquerdas... Ou seja, vocês escolheram um lado, uma parte, um partido. A proposta de escola de vocês é a mesma da ditadura militar. Uma escola partidária da doutrinação de direita.

Por tudo isso, somos contra o seu Movimento Escola Sem Partido. Porque somos absolutamente favoráveis à escola sem partido.

Paulo Freire que nos alertava: "Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros".

Paulo Freire falou diretamente a vocês, cegos à realidade, opressores e militantes da força bruta: "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor".

E assim são vocês, brandos oprimidos, ferozes opressores.

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