EsquerdogaDa
“Quando o álcool entra, a verdade sai”, adágio popular
Aline Bardy, professora de educação infantil da rede municipal de Ribeirão Preto — que se autodenomina “esquerdogata” — foi detida por uma guarnição da Polícia Militar e, câmeras ligadas, passou a ofender os “pés de bota”.
“Minha sandália vale mais que o seu carro”, disse ela ao policial. “Quanto você ganha?”
Com os cabelos tingidos de amarelo, a tal “esquerdogata”, em tom de deboche, perguntou aos policiais se eles já haviam ido à Europa.
O que me fez lembrar o chiste contado por Ariano Suassuna: “O senhor naturalmente já foi à Disney?”
Aline acredita que ter visto, na Inglaterra, uma torre com um relógio faz dela uma pessoa especial.
Esse colonialismo mental, viralático, não é fruto da cachaça; ele é Aline.
A “esquerdogata” é a versão feminina do “esquerdomacho”, aquele sujeito que gosta de samba, usa ecobag e chinelão, e destrata garçons, babás, porteiros — e bate em mulheres.
Só que ele faz tudo isso antes de beber; quando bebe, ele sorri, dança e canta “Lula lá”.
Aliás, Aline não me pareceu completamente bêbada; havia uma certa sobriedade ali. Aline humilhou os policiais porque tinha certeza de que não era uma mulher negra e periférica.
Ela sabe que, se não tivesse os cabelos tingidos de amarelo e a pele clara, teria sido esbofeteada por tamanha insolência.
Portanto, nem dá para colocar a culpa na cachaça — até porque é mentira que a bebida faz de você outra pessoa. A birita revela verdades.
Sem filtros, o encachaçado abandona a máscara, sai do papel social que representa e entra num processo de individuação: ele se torna quem realmente é.
O corno chora, a tímida gargalha, o gay enrustido amolece a munheca e começa a beijar os amigos...
A bebida faz o cabra andar em zigue-zague, bater o carro, dançar nu debaixo da chuva...
A bebida faz você fazer muitas coisas que não faria sóbrio, mas não há cachaça no mundo que transforme uma pessoa em racista ou classista.
Mas parece que essa é a alegação do advogado da senhora Aline Bardy.
O “gravata” disse que sua cliente e amiga misturou álcool com remédio — e aí já viu.
Sim, você já viu e ouviu essa: é a desculpa esfarrapada que sempre aparece quando a pessoa que fez besteira tem um advogado.
Aline não teve sequer a hombridade de vir a público se desculpar. “Quem me conhece sabe...”, ela terceirizou a desculpa.
E o advogado fulanizou a culpa, jogando-a no álcool e nos fármacos, veja você.
O diabo é que Bardy parecia saber exatamente o que estava fazendo. Ela viu um policial se aproximar e o identificou, lembrando tê-lo encontrado em outra situação: “Olha o fascistinha que me processou! Você voltou...”
Aline ainda zombou do militar: “Eu ri de você porque você não sabe nem conjugar verbo.”
O preconceito linguístico, lembra-nos o sociolinguista Marcos Bagno, é o pai de todos os preconceitos.
Aline deu carteirada intelectual e ainda disse que sua prisão poderia torná-la deputada federal.
Ora, ora, ora.
Aline é gada.
O que ouvimos ali, em Ribeirão Preto, foi o mugido do gado do lado de cá do terreno.
É preciso, com urgência, consertar a cerca.
Palavra da salvação.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

