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Michel Zaidan

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"Estado, capitalismo tardio, sub-cidadania (dilemas e desafios estruturais)

É como se o fascismo e a exploração dos trabalhadores voltassem ao Brasil, num contexto de neoliberalismo sem limites, só que sem nenhum projeto de cidadania ou nação. É como se estivéssemos diante de uma política de terra arrasada. Sem identidade, sem direitos, sem soberania

Estudo aponta a necessidade de taxação dos ricos sem prejuízo fiscal (Foto: Agência Brasil)
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Os três subtemas desse artigo – Estado, capitalismo tardio e subcidadania ou lumpen-cidadania - estão intimamente relacionados. A própria criação de “cidadania regulada”, “cidadania relacional” ou “cidadania do consumidor” remete diretamente à especificidade de “Estado” criado no Brasil, a partir do século XIX, se descontarmos o Estado patrimonialista português. Na leitura mais sociológica do que política de Gilberto Freyre, durante trezentos anos não havia “res pública” no Brasil, só “res privada” – como disse o bispo de Tucuman de passagem por aqui – A CASA GRANDE foi o arremedo de Estado que tivemos: e o senhor  de terras e escravos foi o principal mandatário do país Sob o estatuto colonial, as terras brasílicas  estiveram sob a jurisdição da Coroa portuguesa e suas ordenações. O nascimento do Estado entre nós se dá a partir da transferência da Corte portuguesa para cá, no século XIX. A partir daí organizou-se um formidável aparelho burocrático e administrativo, dando origem ao primeiro processo de mobilidade social que se conhece, que foi a absorção de mulatos e mestiços (e filhos de padres) em burocratas e publicistas. Agora, na condição de Reino Unido, o país tinha um governo e um Estado, não era mais colônia submetida à Coroa portuguesa. Com D. Pedro I e D. Pedro Segundo, surgiu a Monarquia brasileira, constitucional, parlamentarista e bi-partidária. Há muitas interpretações acerca da natureza desse regime. Fiquemos, pois, com a de Raimundo Faoro, complementada pela de José Murilo de Carvalho, com a tese do patrimonialismo e a elite governante imperial. Tese de feição weberiana que contraria toda a ensaística marxista, que acentuava o caráter de classe (escravista) da Monarquia e as lutas sociais durante o Império (Caio Prado Júnior), além da dominação neocolonial inglesa (Werneck Sodré)

2. A questão que se coloca, neste ponto, é a famosa distinção entre “oligarquia” e “Estado”, na acepção de Francisco Weffort. Havia um Estado na Primeira República brasileira (com a ascensão dos barões do café) ou se tratava de uma oligarquia? – Nos termos da sociologia política gramsciana – utilizada pelos autores- não. A moldura estreita, corporativa da  mentalidade dos cafeicultores paulistas não permitiria falar ainda em Estado, e sim em oligarquia. Daí a tese do “compartilhamento da hegemonia” (Sonia Draybe) desse arremedo de burguesia: sempre sujeito às crises, numa forma de equilíbrio instável que marcou toda a história da República Velha no Brasil. A propósito, e ainda na esteira das indicações de Gilberto Freyre, pode-se citar a opinião de Sérgio Buarque de Holanda, que fala de indivíduo cordial e familismo amoral que caracterizaria a política do país até pelo menos 1930.

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3. 1930 e a revolução: marco definidor da ruptura com o velho estado oligárquico, familista, da hegemonia compartilhada. E o início da construção de uma modalidade específica de Estado (burguês) no Brasil: o estado de compromisso, Um tipo de bonapartismo, que Trotski nomearia de "esquerda'', na sua tipologia aplicada à América latina, nos anos 30. A crise da “estranha” hegemonia da burguesia cafeeira, potencializada pelo movimento tenentista e as dissidências oligárquicas, conduziria a um tipo de Estado, chamado de “Compromisso” (Weffort) em razão da perda do poder político dos cafeicultores paulistas e da ausência de qualquer outra classe que pudesse tomar seu lugar. Mas cuja base de apoio seriam “as massas urbanas”, “o fantasma da classe operária”, “sua presença-ausencia”.

Aqui, se ancoram as grandes interpretações sobre a via assumida pelo desenvolvimento do capitalismo no Brasil: revolução passiva, revolução pelo alto, revolução sem revolução, revolução do vencedor, contra-revolução,   transformismo etc. Expressões para designar o modo não-clássico, jacobino, nacional-popular da constituição do capitalismo brasileiro. Para alguns, tardio. Para outros, hiper-tardio. Tardio seria o da Alemanha, da Itália, do Japão. O do Brasil, seria hiper-tardio (José Chasin). Com exceção, é claro, dos circulacionistas, para quem o Brasil sempre foi capitalista desde sempre.

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A natureza, o modo, o tipo  do capitalismo brasileiro  - surgido na época dos países imperialistas – parece incompatível com a democracia, com o individualismo possessivo, assumindo inevitavelmente a moldura autoritária, corporativista, centralizadora – características do Estado Novo getulista. Produto de um momento da história do capitalismo mundial, a forma do capitalismo tardio se instalar seria pelo controle político e burocrático (senão policial) da classe operária e a intocabilidade das relações sociais no campo. Parece que maneira de completar o processo da industrialização (não do crescimento industrial) teria que ser  pela força, pela coerção, não pelas liberdades civis e políticas. É como se o autoritarismo estivesse inscrito no coração do capitalismo brasileiro. Até a caricatura do fordismo dos anos 30 foi deformado pelo  autoritarismo. Fordismo de aparência e de discurso. Não de fato. Ou seja, a constituição das relações de trabalho (o direito do trabalho) foi eminentemente política, burocrática, não econômica ou liberal.

 4.Aqui vem à tona dois aspectos importantes dessa discussão: o conceito de cidadania regulada, a cidadania da carteira de trabalho, ou a necessária inserção fabril do cidadão brasileiro, o código de profissões, a justiça do trabalho e o mito da “outorga” da legislação trabalhista por Getúlio; e a tese do capitalismo dependente. Ou seja, a internacionalização do Departamento de Bens de produção, como pré-requisito da industrialização brasileira e a vocação  de lumpen-burguesia (periférica e dependente) de nossa classe dominante, que nunca possuiu veleidades revolucionárias. Essa é a tese da economista Maria da Conceição Tavares:  a “industrialização restrigida”, em razão da internacionalização do D 1. Fato que não se tornou impedimento para acumulação ampliada de capital. Ou seja, a dependência nunca foi obstáculo para os negócios. Já a cidadania regulada foi, ao que se sabe, o primeiro projeto de cidadania no Brasil, a despeito de suas características corporativistas e manipulatórias. Às quais, a Igreja Católica não foi indiferente. Contribuiu para isso.

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5. O desfazimento dessa modalidade de cidadania (“regulada”) deu-se com a  chamada, por Fernando Henrique Cardoso, “integração competitiva”  do país à globalização hegemônica, capitalista, dos anos 90, e a transformação do Estado-provedor em Estado Gerente, ou Estado regulador. Essa integração se deu mediante  a “flexibilização” de direitos sociais, políticas públicas de proteção aos hipossuficientes, de  precarização das relações de trabalho e o fim das políticas regionais. Tudo em nome da livre circulação de bens, serviços e capitais. O Brasil tornou-se uma mera plataforma de exportação de empresas montadoras e maquiadoras para o Mercosul e o mundo. O conceito de cidadania mudou por completo. Da cidadania faber passamos para a cidadania do consumo, o cidadão consumidor.  Quebrou-se o elo entre o que produz e quem consome. Generalizou-se a integração da cadeia produtiva a nível mundial, aproveitando as conhecidas “vantagens locacionais”, e a “guerra fiscal”, ou seja, a desagregação do pacto federativo,com o famoso  “strip-tease” tributário oferecido por cada unidade da Federação aos investidores estrangeiros. A contribuição “benéfica” da Ditadura Militar: a conclusão do capitalismo monopolista de estado  e o surgimento de uma nova sociedade civil,  com a diversificação dos atores políticos, foi anulada com as privatizações na bacia das almas dos   ativos públicos e privados, e a formação do chamado “mercado altruístico” do terceiro setor, das fundações empresariais e igrejas. A filantropização pública e a assistencialização dos direitos substituíram as políticas públicas distributivas e republicanas, voltadas à combater a desigualdade social. As isenções fiscais e deduções das grandes empresas substituíram o pagamento dos impostos devidos e ajudaram a agregar valor às marcas das empresas.

6. Esse quadro veio a piorar com a biopolítica e a necropolítica dos 2 últimos governos da República. Aqui passou a viger a tese da “ausência de lugar na história” para os pobres, miseráveis, doentes, velhos e as antigas etnias históricas do país. Inspiradas numa espécie de darwinismo social, a palavra de ordem foi: só os fortes, ricos, saudáveis e competentes devem sobreviver. O resto, a escória do mundo, os trabalhadores, os hipossuficientes devem ser entregues à própria sorte. “temos de fazer do financiamento das políticas sociais, a nova âncora fiscal”. É de lá que temos que tirar o dinheiro: saúde, educação, seguridade social. Não se pode perder dinheiro e tempo com o peso morto dos que não produzem, não consomem, não tomam empréstimos etc Parece que se passa no Brasil,  o que ocorreu com as nações africanas, depois do fim do socialismo real. Tribalizaram-se e as rivalidades étnicas e familiares voltaram à tona, substituindo as de classe. Naturalmente, com o concurso das igrejas pentecostais e sua teologia da prosperidade.

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7.A situação do Brasil hoje é de uma lumpen-república, que desdenha de todo tipo de legalidade e direitos. Há um imenso contingente de brasileiros vagando pelas ruas, sem renda, sem emprego, sem casa, sem comida, sem saúde. Um lumpesinato que ameaça até os trabalhadores de plataforma – desprovidos de qualquer direito trabalhista.

Disse curiosamente uma gerente de contas da Caixa Econômica Federal, se não fosse a pandemia e o auxílio emergencial, este país não teria nenhum arremedo de política social e a Caixa teria sido privatizada, como querem fazer com o Banco do Brasil.

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É como se o fascismo e a exploração dos trabalhadores voltassem ao Brasil, num contexto de neoliberalismo sem limites, só que sem nenhum projeto de cidadania ou  nação. É como se estivéssemos diante de uma política de terra arrasada. Sem identidade, sem direitos, sem soberania.

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