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Jean Goldenbaum

Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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Explode a crise de refugiados na Grécia: Alemanha, faça o correto e salve vidas!

Eu desde o início fui e continuo sendo completamente a favor do acolhimento dos refugiados, afinal não há o que discutir: receber refugiados significa salvar vidas

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Desde 2015, quando ocorreu a crise migratória na Europa e a Alemanha se tornou o país que mais recebeu refugiados no continente, este tema vem sendo discussão constante no cenário político e social do país. Eu desde o início fui e continuo sendo completamente a favor do acolhimento dos refugiados, afinal não há o que discutir: receber refugiados significa salvar vidas. Vidas inocentes que sofrem com guerras, governos autoritários e todos os tipos de problemas sobre os quais os países europeus colonizadores têm culpa histórica. Assim, estima-se que entre 2015 e 2016 cerca de 1,3 milhão de pessoas da Síria, do Afeganistão, do Iraque e outros países receberam asilo na Alemanha.

Tenho muitas críticas a Angela Merkel, mas a respeito e até admiro. E no que diz respeito à política imigratória dos refugiados, ela foi e continua sendo ótima. Não sou seu eleitor, mas em 2017 excepcionalmente votei para sua reeleição, pois mesmo com todas as críticas, ela bateu o pé, enfrentou a ascensão sem precedentes do Neonazismo e manteve sua política. “Wir schaffen das!” (“Nós conseguiremos!”) foi sua frase histórica de motivação ao povo do país. E de fato tudo vêm dando certo. A esmagadora maioria das histórias dos refugiados é de sucesso. Eu tive e tenho o prazer de ver e conviver com eles e presenciar seu desenvolvimento, sua integração no mundo ocidental e a contribuição que suas culturas trazem à Alemanha.

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Cabe ainda lembrar que Merkel não abriu suas fronteiras unicamente em nome dos Direitos Humanos. A Alemanha é um dos países com maior deficit em termos de produção e mão de obra. Falta força de trabalho em todos os setores e a população – que é uma das mais idosas do planeta – não cresce o suficiente para acompanhar a necessidade da economia. Assim, ela uniu o útil ao agradável, salvando pessoas e melhorando esta situação problemática.

Para mim, conviver com os refugiados é duplamente interessante, pois além de ser um cidadão do ocidente que agora tem a oportunidade de viver em um país europeu mais diversificado e rico culturalmente, sou judeu e tenho a valiosíssima oportunidade de conhecer árabes. E por que isto é tão valioso? Pois posso frequentemente confirmar aquilo que sempre acreditei: judeus e árabes não são inimigos. Pelo contrário, são povos primos, culturas irmãs. Os desentendimentos, a inimizade, as guerras, o terrorismo são plantados pelos monstros que estão no poder em todos os lados, judeus, árabes, norte-americanos, europeus, russos e por aí vai.

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Agora mesmo, enquanto lhes escrevo este artigo, acabo de voltar da loja de especialidades árabes de um amigo tunisiano. Quando vou lá, afetuosamente nos cumprimentamos em hebraico e em árabe, falamos das semelhanças de nossas culturas, culinárias, idiomas, e aproveitamos para xingar Netanyahu, Trump e cia. Inclusive hoje para minha surpresa soube que ele tem conhecimento a respeito do monstro que preside o Brasil. Ele me disse “Não pensei que pudesse haver alguém pior que Trump, mas o presidente brasileiro parece ser”. E eu confirmei que sim.

Mas enfim, vamos ao ponto principal do artigo. A crise do momento diz respeito aos refugiados no campo de Moria, que se localiza próxima à cidade de Mitilene, capital da ilha grega de Lesbos. Moria é o maior campos de refugiados na Europa e carrega também a maior quantidade de problemas. O Human Rights Watch o descreveu como “uma prisão a céu aberto”. O Médicos sem Fronteiras reportou à BBC que este é “o pior campo de refugiados da Terra”. O campo deveria abrigar três mil pessoas, mas em 2020 foram registradas 20 mil, das quais cerca de um terço é formado por menores de idade.

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O motivo desta catástrofe é duplo: econômico e geográfico. Econômico porque a Grécia realmente foi um dos países mais afetados pela crise de 2008 e desde então não se recuperou. Não vou me adentrar aqui nesta questão, pois não é o tema do artigo, mas deixo claro que as tensões sociais que esta crise imprimiu no país refletem diretamente no investimento ao tratamento dos refugiados. E o motivo geográfico é: grande parte dos refugiados entrou na Europa (e na União Europeia) justamente pela Grécia, passando pela Turquia e até mesmo enfrentando o Mar Egeu buscando uma vida segura e digna. Desta forma, muitos que entraram, foram recebidos pela Grécia, mas não conseguiram lá asilo permanente e nem em outros países europeus, permanecendo “presos” nestes campos. E há ainda os que continuam a chegar, uma vez que as guerras na Síria e no Iraque e as perseguições políticas no Irã e na Turquia estão longe de acabar.

Pois bem, toda esta história obviamente piorou quando foi detectada a primeira infecção do vírus COVID-19 em Moria. As medidas de contenção da pandemia propostas não agradaram o povo, já tão ferido e desgastado. E a situação se degradou derradeiramente no último dia oito de setembro, quando ocorreu um grande incêndio que destruiu praticamente todo o campo. Felizmente não houve fatalidades neste incidente. Há inclusive a hipótese de que o fogo teria sido iniciado intencionalmente, justamente para que o pesadelo do campo de uma forma ou de outra chegasse ao fim. Seis supostos incendiários foram presos.

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Pois bem, ao que parece, funcionou. Agora as autoridades europeias terão de agir. Os números são incertos – inclusive estima-se que muitas pessoas “fugiram” para dentro da Grécia –, mas acredita-se que há cerca de treze mil refugiados que necessitam de asilo imediato. Por enquanto eles estão em um campo provisório.

A Alemanha, como país-cabeça da União Europeia, se dispôs a aceitar cerca de 400 famílias, priorizando crianças, o que corresponde a cerca de 1600 pessoas. França, Grécia e Luxemburgo timidamente se dispuseram a aceitar mais algumas centenas. E o problema não pára por aí. Há ainda uma quantidade considerável de menores desacompanhados, sem família, ou seja, que necessitarão de assistência específica.

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Enfim, no momento os políticos alemães estão discutindo (e se digladiando) acerca de uma maior aceitação de refugiados. A divisão dos partidos nesta contenda é óbvia: os partidos de Esquerda e Centro-Esquerda, SPD (Social Democrata), Grüne (Verde) e Linke (Esquerda) são a favor do acolhimento. O CDU (união cristã) de Merkel se divide entre os mais e os menos conservadores. E os de direita e extrema-direita, incluindo o neonazista AfD, é radicalmente contra a entrada de mais “não-alemães” no país.

Uma interessante pesquisa realizada na semana passada (instituto Moma) indicou que 87% dos habitantes da Alemanha acreditam que o país deve receber mais refugiados, mas metade destes aceitam isso com a condição de que outras nações da União Europeia também os acolham. A outra metade vota por recebê-los independentemente dos outros países. E logicamente 10% vota por não receber ninguém (esta é a parte plenamente nazista da população), enquanto 3% não opinaram.

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Cabe também mencionar que ocorreu ontem em Berlim uma belíssima marcha de aproximadamente cinco mil pessoas que defendem o acolhimento dos refugiados. Os manifestantes, de máscaras sanitárias, carregavam cartazes convidativos que diziam “Temos espaço!”. Outras placas diziam “Unidos contra o racismo” e “Solidariedade ao invés de fronteiras”.

Para concluir o artigo deixo aqui minha opinião, que não surpreenderá o leitor. Penso que se os outros países não erguerem suas mãos em solidariedade, a Alemanha deveria receber todos os treze mil refugiados. Nós temos de fato suficiente espaço, há suficiente dinheiro, precisamos de força de trabalho e, sobretudo, precisamos sempre de mais diversidade. A melhor parte da Alemanha – e só vivo aqui por causa desta realidade – é a diversidade do povo que a habita. Hoje uma a cada quatro pessoas no país é estrangeira, e isso é maravilhoso. Nas ruas se escuta diversos idiomas e se vê diferentes cores de pele, vestimentas e comportamentos. Se a Alemanha fosse inteira alemã, branca, cristã, ariana, tenho certeza de que em algum momento o nacionalismo disruptivo que vive latente no submundo da sociedade ascenderia novamente. E as consequências disso sabemos quais são.

Refugiadas e refugiados, sejam bem-vindas e bem-vindos. Cheguem, instalem-se tragam o seu colorido à sociedade alemã. E que cresçam suas crianças, se tornando os rostos do futuro que nós humanistas queremos para a Alemanha: repleta de diversidade e de respeito e contrária àqueles que a querem somente para si e para seus pequenos desejos egoístas.

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