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Inez Lemos

Psicanalista e autora de "Berro de Maria", ed. Quixote.

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Famílias com armas, sem Deus

Um país adoecido pelo machismo estrutural revela, a cada feminicídio, a falência moral de uma sociedade que arma homens e abandona mulheres

Famílias com armas, sem Deus (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

É assustador assistir a famílias sendo destruídas por sentimento antigo, porém reforçado e incentivado em seitas misóginas e machistas.

O machismo sanguinário que vivemos deflagra a estrutura podre e perversa do neoliberalismo. A força que impulsiona os dedos na arma surge da humilhação, ressentimento, inveja, ciúme, orgulho — sentimentos provocados em sociedades estruturadas por disputas sórdidas.

A criança nasce na lógica patriarcal, em que ser homem é vencer, ganhar, bater, desrespeitar, não levar desaforo pra casa. Não lhe é ensinado a debater temas que envolvem a vida íntima. O sofrimento — resolvido na bebida e na violência.

No comando, o tripé: sexo, dinheiro e poder. Deus, pátria e família — engodo, lema fascista, retórica para enganar ingênuos.

No fundo, o objetivo é armar a população e apontar os alvos: negros, mulheres, trans, gays e toda comunidade que foge à estética da supremacia branca.

Na lógica da necropolítica, da machosfera, não há espaço para fracassados. Mulher desejante e bem-sucedida é alvo; ameaça a fantasia fálica de poder dos inseguros.

Matar a mãe dos filhos, a mulher que lhe proporcionou prazer, acolheu o sedento — normal. Objeto, não passa de corpo descartável. Crianças órfãs não pesam na balança do ressentido, frustrado, mimado.

A criança que não foi criada no rigor da lei, limitada em suas pulsões descabidas, interditada em seus caprichos, não suporta ser preterida.

O “não” de uma mulher é a castração tardia que chega tentando inserir o perverso na metáfora paterna — viver em comunidade exige regras, sem as quais o pacto social se desfaz.

Contudo, sem o pacto edípico não há pacto algum, apenas barbárie. Estamos em selva aberta, campo minado por bombas ideológicas, insanas, religiosas, disruptivas, devastadoras.

Sem uma moral civilizatória, código de convivência, mães e pais empenhados numa educação menos misógina, escrota, no desenvolvimento saudável dos filhos, nos tornaremos uma sociedade de órfãos — desamparados, infelizes, futuros criminosos.

O feminicídio deve ser tratado como questão social, universal, de homens e mulheres. Famílias devem pautá-lo nos almoços, prato principal de domingo. Escolas devem incluir educação sexual; as redes sociais estão ensinando a matar, estuprar. Red Pill, não! Sem ensinar as crianças a amar, respeitar a mulher, o diferente, nada mudará.

O gatilho foi construído há anos na esfera da eugenia. Ao macho frustrado, movido por feridas narcísicas abertas e não tratadas, resta passar ao ato — um futuro morto lhe aguarda.

Nem todos tiveram a sorte de nascer com a senha milagrosa: rico, branco, heterossexual.

Às mulheres, não negligenciarem diante de sinais agressivos e covardes. Sejam responsáveis por suas vidas.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.