Famílias com armas, sem Deus
Um país adoecido pelo machismo estrutural revela, a cada feminicídio, a falência moral de uma sociedade que arma homens e abandona mulheres
É assustador assistir a famílias sendo destruídas por sentimento antigo, porém reforçado e incentivado em seitas misóginas e machistas.
O machismo sanguinário que vivemos deflagra a estrutura podre e perversa do neoliberalismo. A força que impulsiona os dedos na arma surge da humilhação, ressentimento, inveja, ciúme, orgulho — sentimentos provocados em sociedades estruturadas por disputas sórdidas.
A criança nasce na lógica patriarcal, em que ser homem é vencer, ganhar, bater, desrespeitar, não levar desaforo pra casa. Não lhe é ensinado a debater temas que envolvem a vida íntima. O sofrimento — resolvido na bebida e na violência.
No comando, o tripé: sexo, dinheiro e poder. Deus, pátria e família — engodo, lema fascista, retórica para enganar ingênuos.
No fundo, o objetivo é armar a população e apontar os alvos: negros, mulheres, trans, gays e toda comunidade que foge à estética da supremacia branca.
Na lógica da necropolítica, da machosfera, não há espaço para fracassados. Mulher desejante e bem-sucedida é alvo; ameaça a fantasia fálica de poder dos inseguros.
Matar a mãe dos filhos, a mulher que lhe proporcionou prazer, acolheu o sedento — normal. Objeto, não passa de corpo descartável. Crianças órfãs não pesam na balança do ressentido, frustrado, mimado.
A criança que não foi criada no rigor da lei, limitada em suas pulsões descabidas, interditada em seus caprichos, não suporta ser preterida.
O “não” de uma mulher é a castração tardia que chega tentando inserir o perverso na metáfora paterna — viver em comunidade exige regras, sem as quais o pacto social se desfaz.
Contudo, sem o pacto edípico não há pacto algum, apenas barbárie. Estamos em selva aberta, campo minado por bombas ideológicas, insanas, religiosas, disruptivas, devastadoras.
Sem uma moral civilizatória, código de convivência, mães e pais empenhados numa educação menos misógina, escrota, no desenvolvimento saudável dos filhos, nos tornaremos uma sociedade de órfãos — desamparados, infelizes, futuros criminosos.
O feminicídio deve ser tratado como questão social, universal, de homens e mulheres. Famílias devem pautá-lo nos almoços, prato principal de domingo. Escolas devem incluir educação sexual; as redes sociais estão ensinando a matar, estuprar. Red Pill, não! Sem ensinar as crianças a amar, respeitar a mulher, o diferente, nada mudará.
O gatilho foi construído há anos na esfera da eugenia. Ao macho frustrado, movido por feridas narcísicas abertas e não tratadas, resta passar ao ato — um futuro morto lhe aguarda.
Nem todos tiveram a sorte de nascer com a senha milagrosa: rico, branco, heterossexual.
Às mulheres, não negligenciarem diante de sinais agressivos e covardes. Sejam responsáveis por suas vidas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

