Fanatismo livre e sátira calada nos EUA, mas a vida deve valer mais
Kirk morto, Kimmel calado: nos EUA, a liberdade de expressão definha, mas nenhuma ideia justifica desvalorizar a vida humana
Jimmy Kimmel, mestre da sátira, jogou uma bomba em seu monólogo no Jimmy Kimmel Live! de 15 de setembro. Pela rede ABC, ele ironizou o assassinato de Charlie Kirk: “O queridinho da extrema-direita foi abatido por um fã que viu o ‘herói’ como mercador de ódio”. A piada, mirando Tyler Robinson, o suspeito, gerou risos e revolta.
A reação foi imediata. Horas após o programa, a ABC suspendeu o show, citando pressões da FCC – Comissão Federal de Comunicações dos EUA, que regula rádio e TV. Donald Trump, em seu segundo mandato, celebrou no X: “Kimmel aprendeu: não se zomba de patriotas como Kirk”. O caso expõe os limites frágeis da Primeira Emenda, que desde 1791 protege fala, imprensa e reuniões pacíficas.
Em 10 de setembro, Kirk, 32 anos, foi morto em Phoenix, Arizona, em um evento da Turning Point USA, sua organização. O atirador, Tyler Robinson, 22, ex-voluntário da entidade, confessou ao FBI – Escritório Federal de Investigações – que agiu por “ódio ao extremismo que destrói famílias”. Autoridades negaram laços com a esquerda, apesar das acusações de JD Vance, vice-presidente.
Trump usou o crime para atacar opositores, prometendo punir quem “celebra a violência”. A suspensão de Kimmel foi o primeiro golpe. Sua piada, que ligava Robinson ao movimento MAGA – “Make America Great Again” –, foi chamada de “insensível” pela FCC. Nos EUA de 2025, a sátira, antes escudo de comediantes, vira alvo de censura estatal.
Charlie Kirk não era qualquer ativista. Nascido em 1993 em Chicago, fundou a Turning Point USA em 2012, aos 18 anos, para combater o “progressismo” nas universidades. Suas ideias, marcadas por fanatismo – intolerância obstinada contra minorias por raça, religião ou orientação sexual –, moldaram a direita jovem. Kirk chamava o casamento gay de “aberração bíblica”.
Sobre aborto, Kirk o comparava a “um genocídio pior que o Holocausto”. Em 2016, relativizou mortes por armas – 12 mil anuais – dizendo: “Abortamos 800 mil bebês; isso é mais grave”. Ele via o Islã como “ideologia de conquista” e a imigração como “invasão para diluir a América branca”, inflamando divisões com teorias conspiratórias.
Kirk espalhava narrativas sobre fraudes eleitorais em 2020, culpando democratas e o “deep state”. Durante protestos do Black Lives Matter, rotulou manifestantes negros de “negros à espreita”, termo racista denunciado pela NAACP – Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor. Aliado de Trump, ele energizava o MAGA, mas sua radicalidade afastou até aliados.
A deserção de Robinson, o atirador, reflete o racha na Turning Point. Ele via Kirk como “hipócrita que lucra com ódio”. O caso Kimmel-Kirk vai além: mostra a Primeira Emenda em xeque. Antes, Lenny Bruce e George Carlin ridicularizavam o poder sem medo. Hoje, a FCC usa “luto nacional” para silenciar, ignorando precedentes como New York Times v. Sullivan (1964).
Outros casos sinalizam erosão. Em 2018, Roseanne Barr foi demitida da ABC por um tuíte racista, punição corporativa que prenunciou autocensura. Em 2025, a ACLU – União Americana pelas Liberdades Civis – processou o governo por banir ativistas de redes sociais, acusados de “propaganda subversiva”. O processo, no Supremo, expõe abusos do Executivo.
No Texas, Free Speech Coalition v. Paxton (2025) validou lei que restringe sites adultos, sob pretexto de proteger crianças. Críticos veem ataque à expressão. Leis “anti-woke” na Flórida e no Texas baniram livros como The 1619 Project, tachados de “divisórios”. A Primeira Emenda, criada para blindar dissidência, agora protege narrativas dominantes.
Barack Obama, presidente de 2009 a 2017, reagiu no X em 17 de setembro: “A liberdade de expressão é o coração da democracia, seja para Kirk, Kimmel ou MAGA. Celebrar mortes, porém, é errado: a vida humana supera qualquer ideia”. Sua postagem, com 45 mil interações, alerta: punir a sátira enquanto o fanatismo de Kirk prosperava é autoritarismo.
Nenhum debate, porém, deve justificar celebrar assassinatos. Discordar de Kirk, cujas ideias semeavam divisão, é legítimo, mas sua vida valia mais que suas crenças. Matar ou aplaudir a morte por divergências é barbárie, um retrocesso que nenhuma sociedade tolera. A América de 2025 pune Kimmel, mas tolerou o ódio de Kirk.
Para brasileiros, que conhecem a censura do AI-5, o caso é familiar. A liberdade de expressão não é favor do Estado, mas direito inato. Nos EUA, a Primeira Emenda definha enquanto a ABC cede e Trump avança contra o “discurso de ódio seletivo”. Kimmel, silenciado, é o comediante amordaçado. No Brasil, infelizmente, tem sido constante a confusão dos extremistas sobre o conceito de liberdade de expressão. Esse conceito nunca abarcará o direito de qualquer pessoa de cometer outros crimes, como calúnia e difamação.
Obama reforça: sem crítica ou sátira, resta o rumor do ódio. A América precisa reafirmar que a vida e a liberdade de rir do poder são sagradas, ou perderá ambas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

