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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Fanon, colonialismo e a burguesia neocolonial brasileira

A leitura de Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon, lança luz sobre a conjuntura brasileira pós-golpe de 2016

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A leitura de Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon, lança luz sobre a conjuntura brasileira pós-golpe de 2016. Embora publicado há quase sessenta anos continua atual e gostaria de tratar aqui da análise que ele faz do nacionalismo e da burguesia nacional nas colônias que lutavam contra os impérios coloniais no período pós Segunda Guerra Mundial. Apesar de Fanon analisar a situação colonial que levou às guerras de libertação de povos africanos e asiáticos contra o império inglês, o português, o francês e o belga, sua análise aplica-se à situação neocolonial a que a classe dominante brasileira submete o Brasil frente aos EUA, situação agravada no governo Bolsonaro.

Quando Fanon analisa o que ele define como as “desventuras da consciência nacional” ele mostra que as “elites” nacionais são “despreparadas”, preguiçosas e não possuem nenhuma ligação orgânica com as massas, com o povo do país. Qualquer semelhança com o caso brasileiro não é mera coincidência. Apesar de alguns governos brasileiros, de direita ou de centro esquerda, terem investido pesadamente em universidades, na criação de uma rede eficiente de apoio à pesquisa e na formação de um sistema de pós-graduação – fundações estaduais de amparo à pesquisa, CNPq, CAPES – com o intuito de formar uma camada de gestores para a sociedade brasileira, este projeto não deu o retorno esperado, sobretudo no que concerne à formação de uma classe dominante compromissada com o Brasil. Isto ocorre por vários motivos: a falta de um bom sistema educacional de nível fundamental e médio reduz a quantidade de pessoas que podem compor esta camada dirigente e limita o acesso a membros oriundos da classe média e da burguesia neocolonial, a classe dominante no Brasil; o próprio governo que investe nestas instituições não cria políticas e programas de fixação do pesquisador que, muitas vezes, é cooptado por instituições e empresas do país onde foi fazer sua pós-graduação e não retorna ao Brasil, gerando mais um elemento de evasão de divisas; em muitos casos, o pesquisador ou profissional com pós-graduação percebe-se como estando em “outro nível” e busca aproximar-se da classe dominante brasileira. Ao aproximar-se dela, submete-se a sua mentalidade antinacional e neocolonial, esquecendo-se de sua origem de classe ou de que foi a sociedade brasileira que pagou sua formação qualificada, esperando como retorno a melhora da qualidade de vida do povo brasileiro.

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A questão nacional no Brasil não é resultante da mobilização popular. Para o povo, a esta questão não é um tema que o mobilize, preocupado que está em sobreviver, em “vender o almoço para comprar a janta”. Desta forma, a questão nacional é trazida à baila por uma parcela nacionalista da classe média ou por pequenos setores mais organizados dos trabalhadores que estabelecem um debate com outra parcela da classe média, submissa ao imperialismo. Com exceção dos grupos organizados de trabalhadores que são oriundos do povo, as camadas médias afirmam que falam em nome deste e nenhuma nem outra busca dele aproximar-se. O povo é algo que estas camadas médias disputam entre si, procurando não politizá-lo e organizá-lo, mas, simplesmente, controlá-lo. Desta maneira, a venda das jazidas do pré-sal e da Embraer, o processo de desindustrialização e outras questões nacionais atuais importantes são facilmente conduzidas e impostas pela classe dominante entreguista, sem que haja nenhuma reação popular que se contraponha a estes crimes lesa pátria.

Esta “burguesia” nacional, neocolonial, esta classe dominante entreguista possui um poder econômico que não faz frente ao poder econômico da burguesia imperialista, afirma Fanon. Esta “burguesia” neocolonial nem pretende fazer frente ao poder da burguesia imperialista. Para aquela é mais confortável ficar como testa de ferro, como gerente desta, ocupando seu lugar no comércio exterior, na venda de commodities, nas atividades financeiras, na produção de grãos e carnes variadas. Abre mão das poucas indústrias que conseguiu desenvolver graças ao apoio do Estado nos raros períodos em que o Brasil teve governos nacionalistas que apoiaram o desenvolvimento industrial. Agir como uma burguesia de fato – disputando mercado com outras burguesias, desenvolvendo as forças produtivas – exige competência e sentimento de empatia com o Brasil, o que esta burguesia neocolonial não possui. Ela burla o povo brasileiro duas vezes: ao pegar financiamento público para seus negócios e ao transferir o controle desses para o capital estrangeiro. O dinheiro público que poderia ser utilizado para o desenvolvimento do povo brasileiro acaba acumulado por umas poucas famílias cuja lealdade ao Brasil é inexistente. Esta classe dominante não perde nunca. Para ela, o Brasil é uma espécie de banco que utiliza em proveito próprio. Como bem notou Fanon, sua “vocação profunda” é criar e dominar um circuito da “mamata”. 

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Esta burguesia neocolonial não se orienta para a produção, para a invenção, para construção, para o trabalho. Devido a sua origem profundamente escravocrata, percebe o trabalho com algo a ser desempenhado pelos escravizados ou pela a grande massa de trabalhadores que os substituíram com o fim da escravidão. Sua origem submissa a uma metrópole estrangeira a faz submeter-se sempre a uma burguesia metropolitana primeiro a portuguesa, substituída pela inglesa e, a partir do século XX, pela estadunidense. Fanon nos mostra que esta burguesia é formada por homens de negócio e não por “capitães de indústria”. 

O sistema neocolonial impede a formação de uma burguesia que acumule capital. Devido a isto forma-se uma burguesia que nega-se a si mesma enquanto instrumento do capital. A realidade brasileira expõe esta característica de sua classe dominante que derrubou um governo popular que começou a criar condições para que ela pudesse disputar mercados mundo afora. Desta maneira, ela mostra ao mundo que a submissão ao imperialismo é parte integrante do seu DNA. O exemplo dados pelos irmãos Batista, donos da JBS, que pegaram dinheiro do BNDES, construíram uma empresa capaz de controlar o mercado de distribuição de carnes no mundo e queriam transferir a sede de sua empresa para os EUA, explicitando sua falta de compromisso com o povo brasileiro, se repete. O mesmo ocorreu com a Ambev, por exemplo, tida como a grande “multinacional brasileira”, que também contou com apoio do BNDES e levou sua sede para fora do Brasil.

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Para esta burguesia neocolonial, uma economia nacional baseia-se na produção e distribuição de produtos locais. Por isto ela não consegue desenvolver e estagna-se. O Estado, então, precisa assumir a função de capitalista e investir na indústria, na ciência, na tecnologia e na inovação, criando empresas estatais para disputar mercado com as empresas transnacionais. A Embraer, a Petrobras, a Vale do Rio Doce, a CSN, Nuclebras, a extinta Fábrica Nacional de Motores (FNM) são exemplos de empresas públicas que se esforçaram para criar tecnologia nacional. Não por acaso, esta burguesia neocolonial parasita estabelece como projeto transferir o controle destas empresas para grupos empresariais estrangeiros, abrindo mão de instrumentos fundamentais para o desenvolvimento de um capital industrial que pudesse ser reinvestido no país. Vende estas empresas por valores muito abaixo do mercado, mas lucram, individualmente, alguns bilhões de dólares. Vende o patrimônio público construído com dinheiro de todos e acumulam o dinheiro da venda de maneira privada. Este é o modus operandi desta burguesia. Fanon nos ensina que ela não é dinâmica, empreendedora ou inventiva. Sua característica principal é a “fruição”. Busca acumular riqueza para gastá-la de maneira exibicionista, de preferência nas grandes cidades da América do Norte ou da Europa. Ela se compraz em seguir as características decadentes da burguesia norte-americana e europeia, sem jamais ter passado pelas etapas revolucionária, inventiva, produtiva pelas quais passaram estas burguesias. A burguesia neocolonial já nasceu decadente; nunca foi inovadora ou revolucionária porque já nasceu reacionária.

Esta burguesia neocolonial é uma burguesia gerente dos negócios das empresas estrangeiras, separada do povo reduzido a mero instrumento de exploração que lhe permite acumular riqueza.

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A ausência de uma burguesia nacional ou sua existência de maneira muito incipiente, dificulta a formação de um proletariado nacional que atue de maneira revolucionária ou que, ao menos, exija desta burguesia uma atuação que melhore suas condições de vida. Talvez a maior dificuldade para este proletariado advenha do fato de seu oposto dialético ser a burguesia imperialista, uma burguesia que não se materializa para ele de maneira próxima, visível. Ele combate a exploração mais direta sem perceber que está combatendo o gerente, não o burguês. Isto dificulta a organização da luta, o confronto. O gerente não tem compromisso com o Brasil. Se a luta de classes atingir um estágio que ameace a acumulação de capital, o gerente pode sugerir ao seu patrão de que mude o empreendimento de região dentro do Brasil ou que o transfira para outro país, deixando o trabalhador desempregado. O gerente já terá ganho dinheiro suficiente para manter seu estilo de vida decadente e ocioso.

Para assegurar seu domínio, a burguesia neocolonial brasileira desmonta o sistema de ensino público e se alia ao pensamento fundamentalista cristão reacionário.

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Para mudar esta conjuntura, partidos políticos e organizaões dos trabalhadores que defendam um projeto nacional precisam disputar o povo com a estrutura reacionária montada pelos fundamentalistas cristãos, além de desenvolver estratégias e instituições que promovam formação educacional teórica sólida. Precisam realizar e difundir largamente análises de conjuntura que desvelem o projeto entreguista da burguesia neocolonial e proponha um projeto popular de desenvolvimento do Brasil. Trabalhadores e os setores nacionalistas das camadas médias precisam se aproximar para que este projeto popular seja difundido entre as camadas populares e se torne hegemônico.

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