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Camila Shaw

Jornalista, fotógrafa e cinegrafista

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Farmácia

"Numa melancolia voltando pra casa. Enrolo na farmácia"

(Foto: ABr)

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Numa melancolia voltando pra casa. Enrolo na farmácia. Quero comprar uma escova de cabelo. Não vou gastar dinheiro com isso hoje. Nem tenho mais cabelo mesmo, foi-se todo com essa enxaqueca maluca. Um shampoo de densidade. Não achei o preço. Foda-se. Só o remédio pro ouvido. Será que compro o hidratante de rosto? Minha pele tá esturricada, mas a parada é tão cara. Ih! Ah lá! A etiqueta amarela de promoção. Porra, 50 conto de desconto. Tá, deixa eu ver na internet. Okey. Tá valendo a pena. Vai doer, vai. E esses outros? “200 reais!? Nunca que eu vou gastar isso tudo com um creme pro rosto!” Mal sabe ela que eu dizia a mesmíssima coisa, mas puta que pariu. 150 conto muito bem gastos. Realmente. Vida... só tem vida quem tem dinheiro. “Moça, eu quero algo menos que 100 reais”. Bem, bora seguir meu rumo, o barulho de caos lá fora me aguarda. Tô com fome. Mas comprar comida numa farmácia? Aí sim é sinal de riqueza. Deixemos pra uma próxima vez quem sabe?! Bem... pagar no débito, né?! Não dá mais pra viver de crédito. Cadê meu fone de ouvido? Caraca, o rapaz da segurança da entrada tá puto. É... o caos realmente existiu. Um moleque passou correndo e roubou a corrente de uma senhora. E essas aqui? Cheias de medo. Já foi meu povo, ladrão inteligente não fica parado, não. Pode ficar tranquilo e seguir o rumo pra casa. Bom... cadê meu bilhete único, abrir a carteira pra pegar cartão de banco, depois de ter acabado de guardar ele não serve. “Isso só vai acabar quando acabar essa desigualdade!” Eita, porra! Vou balançar a cabeça, mas só isso mesmo. Admito que tô exausta pra falar qualquer palavra. “Você já viu isso? O povo vive na merda. É tratado como animal.” Quem me dera fosse tratado como cachorro de madame, moça. Você já viveu o morador de rua retinto ali na esquina? Tá só pele e osso e tá cinza de tanta sujeira. Até os vira-latas são mais bem tratados. Até tentei resmungar a primeira sílaba, mas não aguentei. Minha cabeça tá me matando. “Você já subiu numa favela? Por que eu já! Subo toda semana!” Mas eu vou continuar balançando a cabeça, pelo menos, por que a velha tá certíssima. Enfim. Já achei meu bilhete único, fone de ouvido em mãos, bora seguir meu rumo. Mas que preguiça de voltar pra casa e começar tudo de novo.

A praça do metrô do Flamengo sempre é tão viva. Hoje tô me sentindo tão longe dessa vida. A cena é alegre. Duas meninas treinam boxe. Tá tão na moda agora, na minha época nunca veria duas meninas treinando boxe na praça. Juntas. Tão à vontade. Sem um homem ou garoto idiota querendo se intrometer. Ali na parede

sozinhos, tentando procurar um pouquinho de privacidade, um garoto e uma menina se pegando. Beijinhos. Tão bonitinho. Como se o mundo não existisse. Eu até conheço essa sensação. Conheço mesmo, mas hoje... hoje, só tô nhé. É o sono. Da até vontade de parar e escrever. Sentar. Escrever essa cena. Na quadra pequena uma juventude tá ocupando o espaço. Vivendo. Ali do lado de fora da grade, nos banquinhos, uma senhora na cadeira de rodas, acompanhada de uma mulher sentada no banquinho de pedra e apoiada na mesa.

Atrás da quadra, na outra passagem que dá acesso ao metrô é a boemia. É o povo bebendo uma cerveja e comendo um churrasquinho. O povo vivendo. Todo mundo, tratado como animal nesse país maldito e maravilhoso, vivendo. E vivendo alegre. Vivendo com vida. Aproveitando o fim do dia por que vamos trabalhar até morrer. Essa reforma da previdência. Avisei minha vizinha que tava pra se aposentar ela ia sofrer tbm. Vai! Foi seu namorado bolsonarista. E a querida Tabata Amaral. Bom... bora seguir pra casa. Escrevo do metrô.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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