Fideuá e vinho, numa tarde de afeto
O Fideuà é um prato da região de Valência, semelhante à paella, mas com a substituição do arroz por macarrão fino (fideos)
“A amizade conduz sua dança ao redor do mundo”
Epicuro
Minha mãe faleceu no dia 1º de julho, aniversário do meu compadre Pedro Gonçalves, um dos melhores advogados trabalhistas do Brasil, nem o cumprimentei, de fato não lembrei, apesar de ele ter tido a fidalguia de estar conosco; sendo assim o cumprimento por aqui.
Bem, apesar do luto, Celinha e eu tínhamos que decidir se manteríamos, ou não, um almoço com alguns poucos amigos, havia semanas que estava agendado um almoço para o sábado e havia quase um ano que não nos encontrávamos aqui em casa; nos encontramos na casa do Lejeune Mirhan, mas não aqui em casa; a Celinha, sempre delicada e empática me perguntou se deveríamos cancelar o almoço; minha resposta foi imediata: “Não. Vamos manter o encontro, pois, o que eu mais preciso é estar com meus amigos”.
Não sei se a Celinha foi pega de surpresa, fato é que foi mantido o encontro e ainda convidei minhas irmãs, uma delas veio e, ao chegar, foi colocada pela Celinha para trabalhar na posição de "Sous chef".
“Viver o luto”, que é um processo natural, é muito pessoal, cada um de nós o vivencia de uma forma e eu, confesso, gosto de estar com quem amo e, creiam, amo os meus amigos.
Não há nenhuma novidade nisso. Comte-Sponville escreveu: “A alegria de amar, ou o amor como alegria, que não se reduz à falta ou à paixão. Não que as exclua: pode-se sentir falta dos amigos como a tudo o mais, e não é raro amá-los apaixonadamente. Mas nem sempre é assim — há amizades plenas e doces, tanto mais fortes quanto mais serenas — o que proíbe confundir amizade (philia) com falta ou paixão (eros). Não há amor feliz enquanto for falta, nem sereno enquanto for paixão. Isso diz, por diferença, o que é a amizade: o amor que nos alegra, nos preenche ou nos acalma. É amar o que não falta, ou mais. A amizade é um amor feliz, ou o devir feliz do amor.”, é isso, a amizade é o amor que nos alegra, preenche e acalma.
Por isso, agradeço a todos os nossos amigos que estiveram conosco para um almoço, modesto, mas cheio de amor.
A Celinha não decepcionou e tendo a Roberta como "Sous chef", preparou um prato que sempre faz sucesso pelas mãos dela: o Fideuà, um prato Valenciano.
A Celinha é neta de espanhóis, seu avô Bartholomeu e sua avó Maria deixaram a pequena Ivros, Provincia de Jaen, na Andaluzia, ainda crianças, com seis ou sete anos, fugindo da miséria que se abateu sobre a Espanha no primeiro terço do século XX.
No filme "Las Hurdes, Tierra Sin Pan" (Terra Sem Pão) de Luís Buñuel vê-se a miséria da Espanha no século XX. Trata-se de um documentário impactante de 1933, que trata de forma crua a pobreza e as condições de vida em uma região isolada da Estremadura, na Espanha, mas que era realidade em todo país.
Ainda sobre o filme, o qual assistimos no Museu do Prado em Madrid: Buñuel, utiliza uma abordagem surrealista, mostra a vida cotidiana e os costumes ancestrais de uma região profundamente miserável, o que causou escândalo e proibição na época, a verdade sempre escandaliza.
Não é demais lembrar que Luís Buñuel conviveu na universidade com Salvador Dalí, com os poetas Rafael Alberti e Federico García Lorca.
Mas voltemos ao Fideuá.
O Fideuà é um prato da região de Valência, semelhante à paella, mas com a substituição do arroz por macarrão fino (fideos). A lenda de sua origem envolve um cozinheiro que, por falta de arroz, usou macarrão para preparar um prato para a tripulação, que acabou aprovando a criação.
Foi um sucesso e os queridos Mario Orlando Galvés de Carvalho, uma das pessoas mais honradas que conheço; Lejeune Mirhan, sociólogo e um dos principais analistas geopolíticos do Brasil; Marcos Bernardelli, que dispensa qualquer referência ou apresentação; Maria Teresa Costa, jornalista e Luiz Alberto Savianni Rey, jornalista e professor da PUCC por quase quarenta anos, acompanhados pelas suas companheiras, filha, genro, netos, além da minha irmã Roberta, alegraram, preencheram e acalmaram nossos corações enlutados, abraçando-os com genuíno afeto.
O Papa Francisco, falando sobre amizade, disse que o verdadeiro amigo não abandona, nem mesmo quando cometemos um erro. Falando sobre amizade, o então Pontífice enfatizou que “a amizade não é o resultado de cálculos nem de coerção: ela surge espontaneamente quando reconhecemos no outro algo de nós”, disse mais: “Um verdadeiro amigo não abandona, nem mesmo quando você comete um erro: ele o corrige, talvez até o repreenda, mas ele o perdoa e não o abandona”.
Foi uma tarde de afeto genuíno, fideuá e vinho.
Essas são as reflexões.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

