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Thiago Esteves

Thiago Esteves é Professor de Sociologia, Doutor em Educação e Vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais.

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Filosofia e Sociologia: o que está em jogo no Ensino Médio brasileiro

Um ponto central continua sem solução adequada: a garantia do ensino de Filosofia e Sociologia em todas as séries

Alunos em sala de aula no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 001, no Catete, na zona sul da capital fluminense. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Nos últimos anos, o debate sobre o Ensino Médio tem oscilado entre grandes retrocessos e avanços pontuais. Em meio a essas disputas, um ponto central continua sem solução adequada: a garantia do ensino de Filosofia e Sociologia em todas as séries, com carga horária mínima e com professores habilitados no Ensino Médio. A ausência dessa garantia revela muito sobre o projeto de educação que temos em nosso país e o futuro da juventude brasileira.

Não se trata de capricho acadêmico. A Filosofia e a Sociologia cumprem funções estruturantes na formação integral dos estudantes. Elas criam as bases do pensamento crítico, estimulam a autonomia intelectual e fornecem instrumentos para interpretar a complexidade da vida social. A Filosofia ensina a questionar os discursos prontos, a enfrentar dilemas éticos e a argumentar com rigor. A Sociologia, por sua vez, nos oferece lentes para compreender desigualdades, identificar estruturas e dinâmicas sociais e exercer a cidadania de forma consciente.

Foi justamente esse papel estratégico que levou à aprovação da Lei nº 11.684/2008, que tornou obrigatória a presença dessas disciplinas em todas as séries do Ensino Médio. Os frutos foram imediatos: abertura de concursos públicos, expansão de cursos de licenciatura, inclusão das disciplinas no Enem, produção de livros didáticos específicos e consolidação de um campo acadêmico dedicado ao ensino de Filosofia e de Sociologia. Essa política pública estruturante fortaleceu as redes de ensino e qualificou milhares de profissionais.

Esse movimento foi interrompido bruscamente em 2017, com a Reforma do Ensino Médio. Ao estabelecer um teto rígido de 1.800 horas para a Formação Geral Básica e relativizar a obrigatoriedade das disciplinas, a Lei nº 13.415 abriu espaço para drástica redução das aulas de Filosofia e Sociologia das grades curriculares das escolas públicas. Os resultados trágicos não demoraram a aparecer: professores sobrecarregados, muitas vezes deslocados para atuar em disciplinas fora de sua formação; queda no número de concursos; demissões na rede privada; diminuição do número de estudantes nas licenciaturas; fechamento de cursos; contratação de profissionais sem habilitação específica e a desistência de estudantes da rede pública de fazer o Enem.

A Lei nº 14.945/2024 representou um avanço ao ampliar a carga horária mínima da Formação Geral Básica e definir as disciplinas que compõem as áreas do conhecimento. Mas deixou lacunas perigosas: não determinou que Filosofia e Sociologia sejam ofertadas em todas as séries do Ensino Médio; não definiu carga horária mínima; e tampouco garantiu que apenas professores licenciados em Filosofia e Sociologia possam dar aula dessas disciplinas. Essa situação tem permitido interpretações distorcidas da Lei nº 9.394/1996, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e práticas que fragilizam ainda mais o direito à educação.

É justamente esse o ponto nevrálgico do debate: sem previsão clara, sem carga horária mínima e sem exigência de formação específica, o ensino de Filosofia e Sociologia torna-se vulnerável à lógica da improvisação, da precarização permanente e do oportunismo. E quando as redes de ensino improvisam, são os estudantes, especialmente os mais vulneráveis, que pagam a conta.

Defender Filosofia e Sociologia no Ensino Médio é defender um projeto de país que valoriza o pensamento crítico e diverso, o diálogo democrático e a formação cidadã. É recusar a ideia de que a educação deve limitar-se a treinar mão de obra barata. É afirmar que os estudantes têm direito ao acesso ao pensamento profundo, à reflexão ética, à leitura crítica da sociedade e ao domínio de ferramentas intelectuais que lhes permitam participar ativamente da vida pública.

Por isso, é urgente que o Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação, o Congresso Nacional e as redes públicas de ensino (Federal, Estaduais e Municipais) assumam um compromisso claro com a qualidade e a equidade do ensino. Para reverter esse cenário de precarização e garantir esse direito, é urgente que esse compromisso deve incluir:

  1. A obrigatoriedade de duas aulas semanais de Filosofia e de Sociologia em todas as séries do Ensino Médio;
  2. A exigência de licenciatura específica para o exercício da docência nessas áreas;
  3. A realização regular de concursos públicos que assegurem quadros docentes estáveis;
  4. Programas permanentes de formação continuada para esses profissionais;
  5. Um sistema nacional de monitoramento da oferta e da carga horária das disciplinas, para evitar retrocessos.

Contrariamente ao que se propaga, o debate sobre o Ensino Médio não é puramente técnico. Ele é profundamente político e ideológico, pois define que tipo de juventude queremos formar e que tipo de sociedade desejamos construir. Manter a Filosofia e a Sociologia como disciplinas centrais no Ensino Médio não é um luxo que deve ser entregue somente aos estudantes das escolas privadas da elite. Garanti-las no currículo é, portanto, uma defesa radical da democracia, da ciência, do pensamento crítico e da cidadania ativa.

Em um país marcado por desigualdades históricas e por recorrentes ataques ao conhecimento, à ciência e à educação, preservar a Filosofia e a Sociologia no Ensino Médio é garantir que os estudantes brasileiros tenham as ferramentas intelectuais para não apenas compreender o mundo, mas transformá-lo para melhor.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.