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Camilo Irineu Quartarollo

Autor de nove livros, químico, professor de química, com formação parcial em teologia e filosofia.

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Flores póstumas

Regular as big techs é de extrema urgência, porém mais um descaso dos deputados que atravancam o país

Correligionários depositam flores em homenagem a Charlie Kirk (Foto: Reuters)

O filme Apocalypse Now mostra a morbidez da guerra no Vietnã dos anos sessenta e setenta, mas o seriado Rambo faz uma releitura heroica, como se os EUA fossem vitoriosos. Muitos soldados voltaram num saco preto, mortos. Os resgatados vivos podem vir com traumas de guerra; feitos zumbis, convivem com o conflito bélico contínuo dentro deles. São potenciais matadores, suicidas, peritos em alvos à distância como snipers.

Os primeiros invasores do norte da América começaram matando os nativos na corrida do ouro. Presidentes mortos: Lincoln alvejado em Washington, D.C., em 1865, numa conspiração. Em 1963, foi Kennedy em Dallas, Texas. O caso Kennedy traz a versão contestada do atirador solitário, melancólico e simpatizante da URSS, pois morto à queima-roupa sem nada dizer. Ainda em campanha de Trump, acertaram-lhe a orelha e imediatamente o coração do atirador no telhado, antes de uma acareação como a de Lee Oswald no caso Kennedy.

Charlie Kirk foi alvejado na Utah Valley University. Apareceu um idoso um tanto desequilibrado confessando o crime, mas sem evidências do ato. O jovem morto professava que “Vale a pena ter um custo de, infelizmente, algumas mortes por armas de fogo todos os anos para que possamos ter a Segunda Emenda”. Esse custo estatístico teria sido o da sua própria vida. A mão capaz disso não seria a do velho, do esquerdista, mas a de Tyler Robinson, por ironia adepto das armas, jovem da direita e branco como Kirk. Desta vez, o atirador não foi morto no telhado, sobre o qual desmontou a arma e desceu calmamente. Esse crime, para alguns, não foi solucionado e nem o autor seria Tyler. Tudo teria sido enquadrado numa versão desde Lincoln, cujo crime foi uma conspiração; o de Kennedy, obra da CIA; e o de Kirk teria ramificações sinistras.

Nos EUA, em todos os anos o Papai Noel traz uma arma mais sofisticada para alvejar quem pisar inadvertidamente no jardim dos “pioneiros”. Muitos dos jovens atiradores ou de escolas sabem do confronto letal com as forças policiais. Talvez contem com isso numa automutilação e suicídio – a síndrome do Vietnã e do Apocalypse Now. Em geral, fazem como espetáculo, planejam o crime performático, anunciam na mídia, em círculos de amigos. Show para as big techs que lucram muito com cliques e visualizações. Se não forem reguladas e, posto que ilimitados os algoritmos, dominarão corações e mentes da sociedade juvenil. Regular as big techs é de extrema urgência, porém mais um descaso dos deputados que atravancam o país.

A música C’era un ragazzo che come me amava i Beatles e i Rolling Stones, de Gianni Morandi, é um protesto contra a falta de sentido da guerra no Vietnã. Essa música foi proibida na Itália – estávamos em plena era da Contestação dos cabeludos. A luta não era por armas, mas por “Paz e Amor” dos hippies. Não necessariamente hippie, mas é preciso sonhar com a paz, almejar, cultivar o amor e a empatia.

A vida não é um show; é preciso coragem para envelhecer no cotidiano e sentir os albores da espiritualidade. Perder o medo e deixar de fugir de si, abandonar-se à casca sob a árvore do outono e sobreviver até o inverno por uma humanidade mais consciente.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.