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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Fogo em estátua expõe o fosso entre a periferia e a esquerda pequeno burguesa

Desde 2016 já deu tempo para que esta esquerda entendesse que a extrema direita e os neolibs não precisam de motivos para atacar a democracia e os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros porque eles mesmos criam os motivos

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No último dia 24 de julho uma ação direta praticada por um coletivo autodenominado Revolução Periférica - cujo lema parece ser “a favela vai descer e não será carnaval” - incendiou o monumento em homenagem ao bandeirante Borba Gato. Esta ação levantou um amplo debate entre uma esquerda combativa e a esquerda pequeno burguesa que crê que iremos combater o fascismo e o neoliberalismo com notas de repúdio, abaixo-assinados, xingamentos aos agentes da burguesia, palavras de ordem vazias como “ele não”, bem como com ações institucionais. Se este tipo de ação direta é eficaz ou não discutirei mais à frente, mas o fato é que gerou comoção junto à esquerda pequeno burguesa e um apoio crítico junto à esquerda mais combativa.

O monumento em questão é mais uma entre tantas homenagens equivocadas que a burguesia neocolonial brasileira gosta de fazer para seus membros e para aqueles que se dispuseram a fazer o trabalho sujo para ela. Se encontra no mesmo patamar da ponte Presidente Costa e Silva, felizmente mais conhecida como ponte Rio-Niterói ou, simplesmente, como “Ponte” para cariocas e niteroienses. Temos no Brasil escolas e cidades que carregam o pesado fardo de homenagear quem não presta.

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Manuel de Borba Gato ou simplesmente Borba Gato era genro de Fernão Dias Paes Leme, que dá nome ao trecho da BR-381 entre São Paulo e Belo Horizonte. Ambos, sogro e genro, se lançaram pelo interior do Brasil à procura de pedras e metais preciosos, caçando e aprisionando indígenas e utilizando farta mão de obra escravizada. Não eram flores que se cheirassem, mas isso não impediu que recebessem honras das classes hegemônicas do Brasil.

O bandeirantismo parece ser um importante fator formador da identidade de burguesia neocolonial paulistana e dos seus apoiadores. A sede do governo do estado de São Paulo se chama Palácio dos Bandeirantes. Uma cadeia de rádio e de televisão também homenageia os bandeirantes, fora a rodovia Anhanguera, que presta homenagem a Bartolomeu Bueno da Silva, pai e filho, que eram conhecidos como Anhanguera (diabo velho, em língua tupi) devido às crueldades que cometiam contra as populações indígenas que tiveram o azar de cruzar seus caminhos. Bulir com os bandeirantes gerou uma reação desmedida porque buliu com a identidade desta burguesia e da classe-média paulistana.

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A ação direta da Revolução Periférica gerou notícias na mídia impressa, nas rádios, nas televisões e na mídia alternativa. As mídias sociais foram invadidas por opiniões de vários matizes ideológicos contra e a favor.

Segundo a Revolução Periférica, esta ação direta foi um ato que buscou colocar em questão a opressão da qual são vítimas as populações brasileiras não brancas desde que os europeus chegaram aqui e iniciaram o processo de “civilizar” e incutir a “verdadeira fé no Deus único” nos indígenas que cá existiam e nos africanos que para cá trouxeram aprisionados e escravizados.

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Que a direita se revoltasse com esta ação já era esperado. O que não era esperado foi a reação da esquerda pequeno burguesa que repudia qualquer ação que, segundo ela, possa despertar a ira da extrema direita e a consequente repressão aos grupos que se opõem ao governo Bolsonaro e às políticas neoliberais que tomaram de assalto o país desde 2016. Esta esquerda parece acreditar que fazendo atos políticos pacíficos, produzindo abaixo-assinados, notas de repúdio e acionando as instituições poderá avançar a luta política, derrubar Bolsonaro e os neolibs e eleger Lula presidente em 2022. Desde 2016 já deu tempo para que esta esquerda entendesse que a extrema direita e os neolibs não precisam de motivos para atacar a democracia e os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros porque eles mesmos criam os motivos, convencem setores da sociedade brasileira que estes são legítimos e derrubam governos populares. Uma atitude covarde nesta conjuntura dá mais tranquilidade para a extrema direita e a direita limpinha se rearticularem.

Como se não bastasse, setores dessa esquerda classe média começaram a publicar textos e postagens tentando nos convencer que o Borba Gato não merecia ter sua estátua queimada porque, perto de outros bandeirantes, ele era legal, gente boa, bonzinho e que os malvadões eram outros bandeirantes.

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Por outro lado, setores revolucionários da esquerda condenaram a ação por ser “identitária” e por ter sido realizada contra a memória de alguém que “já morreu há mais de cem anos”!!

Temos aqui, ao menos, duas questões importantes. As questões identitárias não são menos importantes do que as questões de classe. Elas têm que ser incorporadas à luta de classe como uma vertente importante, como uma nova forma de luta mais ampla e com maior alcance e penetração popular. Não é mais possível que a esquerda mais ortodoxa despreze as lutas identitárias como se fossem menos importantes, cujas questões serão resolvidas quando a revolução vier. Se, pelo menos, a Revolução tivesse uma data prevista em um horizonte plausível talvez mulheres, indígenas, pretos e lgbtqi+ aceitassem adiar suas lutas, mas ninguém sabe quando a Revolução ocorrerá. Além do mais, as questões econômicas se colocam para esses grupos na forma de subempregos e salários mais baixos. A violência os atinge de uma maneira muito mais contundente do que atinge a população cis, branca e heterossexual.

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Como não há manual de execução da Revolução nem data prevista, posto que a Revolução é um processo que se constrói na ação política cotidiana, melhor faria a esquerda ortodoxa em acolher as demandas identitárias e discuti-las de maneira a atrair estes grupos para uma luta comum que colocasse as lutas identitárias lado a lado com a luta de classes, ambas batendo firme no capitalismo.

Questões identitárias não são ilegítimas ou desprezíveis. O problema ocorre quando são tratadas como só identitárias e não produzem críticas ao capitalismo e à dominação e não somente críticas ao dominador.

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A segunda questão importante é que a esquerda pequeno burguesa precisa entender que a estratégia pacífica não levou a nada até agora. As notas de repúdio, os abaixo-assinados e as ações institucionais não impediram que Michel Temer completasse seu mandato, apesar dos baixíssimos índices de aprovação e popularidade. Não impediram a eleição fraudulenta de Jair Bolsonaro, apesar das mais de 800 mil pessoas que foram às ruas poucos dias antes de sua eleição para defender o “ele não”.

Se essa esquerda não se dispõe a ações mais enfáticas, opção dela e deve ser respeitada, mesmo que não se concorde com ela. O que não pode e fica muito feio para esses setores da esquerda é condenar uma ação direta organizada pela população da periferia que sofre na pele os resultados das ações mais brutais desencadeadas pelo aparelho repressivo do Estado burguês neocolonial.

Por acaso os “periféricos” não podem ter autonomia para decidir ações políticas próprias? Por acaso eles têm que se submeter aos desígnios de uma pretensa vanguarda intelectual e política majoritariamente formada por sujeitos brancos e de classe média?

Eu, por minha parte, não tenho nada contra este tipo de ação política que visa a criar um contradiscurso ao discurso hegemônico, que busca demolir o imaginário dominante e substituí-lo por outro. Contudo, este tipo de ação é inócuo e pueril se não for acompanhado de ações que busquem colocar em cheque a dominação do capital, se não procurar organizar a luta de classes, convergindo as questões prementes da população marginalizada com aquelas das população de classe média de esquerda e não mostrar que a base da dominação patriarcal, falocêntrica, homofóbica e racista no seu formato atual está no capitalismo e nas suas estruturas de reprodução.

P.S.: Precisamos defender uma reforma constitucional que substitua o impeachment, instrumento utilizado pela burguesia neocolonial para retomar o controle do poder, pelo recall, instrumento que coloca nas mãos do povo a destituição daqueles que ele mesmo elegeu.

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