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Roberto Xavier

Cientista Político, Mestre em Gestão de Políticas Públicas

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Foi a Classe Média, estúpido!

A ambição justiceira dos membros da Lava Jato, todos aprovados em disputadíssimos concursos públicos, origina-se principalmente de sua origem de classe

Ex-Deputado cassado, Deltan Dallagnol, durante pronunciamento no salão verde da Câmara. (Foto: Lula Marques/ Agência Brasil)
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O que levou o ex Procurador e agora ex Deputado Federal, Deltan Dallagnol, a acreditar que ao trocar uma carreira de Estado por uma carreira política teria o mesmo sucesso se apoia em algumas características pessoais, como um messianismo exacerbado e uma arrogância típica dos que se consideram “escolhas divinas” para o cumprimento de uma missão dada diretamente por Deus, mas sobretudo em sua origem social na classe média de um grande centro urbano.

 Sobre suas características pessoais não me atrevo a comentar, deixo para alguém da psicologia ou para os estudiosos das religiões e da influência da ética protestante sobre o espírito do corporativismo em algum estudo livre que faça as adaptações necessárias em relação ao clássico livro de Max Weber.

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 Já sobre sua origem na classe média curitibana e a sua decisão de seguir em uma carreira típica de Estado como Procurador do Ministério Público Federal acho que é possível fazer algumas considerações, usando o como tipo ideal (de novo Weber) para entender como chegamos a esse excesso de protagonismo do Ministério Público e como um órgão absolutamente coadjuvante nos destinos da política nacional passou a um papel determinante como ocorreu no Mensalão e na Lava Jato. 

 Na minha opinião esse protagonismo se deve à existência e a consolidação de uma classe média nas grandes cidades brasileiras. Desde o julgamento do mensalão, o MP foi marcado por um protagonismo jamais visto em sua história que se formou mediante a articulação da mídia e de uma base social de classe média militante contra o PT. 

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 Os jovens Procuradores de Estado, que estavam à frente desse protagonismo, são em sua maioria filhos das camadas médias urbanas que ascenderam socialmente com a estabilização monetária e a Reforma do Estado dos anos 1990. 

 Em geral, são filhos de burocratas de médio escalão, de uma pequena burguesia urbana e de profissionais liberais que viram a deterioração do trabalho, renda e patrimônio familiar através do processo de hiperinflação da década anterior. 

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 Essas famílias buscaram garantir-lhes as pré-condições necessárias para acessarem, através da estrutura e da segurança das carreiras de Estado, a estabilidade econômica e ascensão social que a iniciativa privada já não podia garantir. Nunca foi por vocação. Sempre foi uma escolha racional.

 Após o início da carreira profissional em órgão de Estado, em geral fora dos grandes centros políticos, e da carreira acadêmica longe das Universidades mais conceituadas, formou-se uma casta que comunga o ideário da meritocracia e que passou a associar a desorganização do Estado e a falência das políticas públicas à atuação dos políticos de um modo geral e dos políticos de esquerda de um modo mais específico. 

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 Ao defender a meritocracia em detrimento do sistema eleitoral e da política partidária a partir da sua atuação dentro das estruturas do Estado adotam como bandeiras a reforma político eleitoral e o combate à corrupção. 

 Em sua visão “despartidarizada” havia a necessidade da derrubada do governo e das forças políticas que o sustentavam para entregá-lo a uma elite tecnicamente capacitada e ideologicamente neutra, ou seja, eles mesmos, ou quem eles entendessem que possuíam estas características. 

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 Uma visão de mundo tão ambígua que estabelece sua influência política a partir de um discurso e uma atuação contra a política e uma estigmatização de alguns partidos através do apoio a outros.

 Como esse discurso contra a corrupção e o engessamento do modelo eleitoral correspondia às demandas de parte da população, sobretudo da Classe Média de onde são oriundos, foram facilmente manipulados pelas forças políticas e midiáticas contrárias ao lulopetismo, que assumiram a direção política do golpe de 2016, mas, secretamente, passaram a enxergar esses jovens Procuradores de Estado, muito mais como ameaça que como aliados. Como o Ministério Público não tem os mesmos interesses e poderes do Executivo e do Legislativo ou até mesmo do Judiciário, esse consenso se desfez rapidamente. 

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 Depois de consolidada a alternância no Poder por vias não eleitorais e que toda a ação golpista de natureza jurídica foi respaldada pelos tribunais superiores sob a chancela da “institucionalidade democrática” era necessário enquadrá-los na nova ordem política. “com o Supremo, com tudo”, lembram?

 Esse movimento encabeçado pelo diletos e paladinos Procuradores que culminou no golpe caiu como uma luva para que uma extrema direita reinventada, retrógrada e antidemocrática que adotou o ódio como política, pudesse se eximir da culpa no ataque cerrado ao governo que, apesar de escolhas antipopulares, sobretudo no segundo governo Dilma, dirigiu as principais políticas de igualdade social, de gênero e racial que nunca haviam sido implantadas no País.

 Contraditoriamente, a mais icônica operação anticorrupção já levada a cabo no Brasil, a Operação Lava Jato, conduzida exatamente por esse grupo de jovens Procuradores de Estado, só se viabilizou por conta de uma inovação aprovada e implementada no Governo Dilma que viria ser sua principal vítima: a delação premiada ampliada para organizações criminosas. Somente com a delação foi possível coagir grandes empresários a delatar seletivamente em troca de penas alternativas. 

 A ambição justiceira dos membros da força-tarefa da Lava Jato, todos aprovados em disputadíssimos concursos públicos, origina-se principalmente de sua origem de classe, como já foi dito. 

 A Classe Média urbana, de onde vem muitos, senão todos, esses jovens Procuradores de Estado, ao ter seus espaços, antes privilegiados, em  universidades federais, aeroportos e shoppings ocupados pelos setores populares beneficiados pelo tripé distributivista dos programas de transferência de renda, das medidas de ampliação do crédito para o consumo e da política de elevação do salário mínimo, construído ao longo dos governos do PT, novamente expuseram sua particular visão de mundo, sectária e excludente.

 Depois dos vários anos de Operação Lava Jato destruindo a noção da Política como um meio legítimo de transformação da sociedade confirmou se seu caráter seletivo e que não se tratava de uma cruzada contra o corrupto e violento empresariado brasileiro e seus representantes no Estado, mas uma estratégia muito bem desenhada de “lawfare”, visando interferir diretamente no jogo político.

 É claro que em sua atuação ela encontrou e combateu reais casos de corrupção, só que o sistema político e o modelo de representação democrática, com todos os seus defeitos, não pode ser substituído por Procuradores de Estado simplesmente porque esses carecem do mais importante elemento do modelo de democracia liberal moderno: o voto popular.

 A cassação de Deltan Dallagnol e de outros que como ele tentaram burlar o jogo político e suas regras definidas em lei ou aceitas de maneira tácita, sem que haja um código legal que as definam, foi a maneira como as instituições encontraram para colocar as coisas, incluindo o MPF, nos seus devidos lugares e delimitando claramente seus papeis no jogo político. 

 Já não era sem tempo.

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