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Eduardo Martins

Professor de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

9 artigos

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Foucault, Lula e as malhas do poder

O que Foucault tem a ver com Lula? Ajuda entender uma certa complexidade do poder na atual conjuntura em que Lula se encontra preso nas malhas do complexo sistema jurídico-prisional

O que Foucault tem a ver com Lula? Ajuda entender uma certa complexidade do poder na atual conjuntura em que Lula se encontra preso nas malhas do complexo sistema jurídico-prisional (Foto: Eduardo Martins)
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Michel Foucault (1926-1984) na “Aula de 14 de janeiro de 1976” no College de France diz que existe um triângulo: poder, direito, verdade. E pergunta quais são as regras de direito de que lançam mão as relações de poder para produzir discursos de verdade e se tais discursos são dotados de efeitos tão potentes. O livro em que está publicado esta e as demais aulas ministradas durante os anos de 1975 e 1976 se intitula “Em defesa da sociedade” só pelo nome já se pode observar que Foucault está preocupado com a segurança dos indivíduos contra um Estado-nação que produz e faz circular mecanismos de poder de sequestro, inclusão e exclusão de comportamentos dentro de um certo padrão normativo em que ele próprio é normatizador e normatizado e todos estão sujeitos a ele, mesmo quem os produz mais diretamente como os operadores do direito em suas múltiplas relações de poder, mas que, sobretudo operam dentro de um conjunto de relações determinadas em que os indivíduos são ao mesmo tempo produtos e produtores de poderes ou micros poderes, ou ainda, uma microfísica que funciona como um espécie de teia que a todos prendem em suas malhas do poder como ele costuma dizer. Assim o poder transita por entre os indivíduos não se aplica a eles.

Deve-se aqui explicar que Foucault entende o direito não apenas como a lei, mas como o conjunto dos aparelhos, instituições, regulamentos que o aplicam, dessa maneira, entende-se que esse direito não é único e exclusivo de alguém que caça outro alguém, mas todo um complexo de múltiplas relações que ocorrem dentro do corpo social. Assim o sistema do direito como o campo jurídico é polimorfo, diz ele. Diante dessa assertiva, cabe então, questionar o direito não no aspecto da sua legitimidade, que é óbvia, prática e visível, mas o aspecto da dominação e da sujeição, como isso é possível se legitimar, quais artimanhas se vale e como obtém aceitação do corpo social.

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O que Foucault tem a ver com Lula? Ajuda entender uma certa complexidade do poder na atual conjuntura em que Lula se encontra preso nas malhas do complexo sistema jurídico-prisional. Inicialmente a burguesia comercial brasileira (Primero Reinado (1822-1831) e Regência (1831-1840) reordenou o conjunto de leis, alvarás, decretos e ordenações num modelo mais moderno e humanitário na visão da elite deste período e reinventou um sistema de poder arquitetado pelo novo Estado-nação imperial fins de sequestro daqueles homens indesejáveis, ou infames nas palavras do próprio filósofo/historiador francês. É recorrente em toda obra foucaultiana, seja como temática central, ou marginal, que as relações de poder estejam presente e foi mesmo o grande objeto de estudo dele. Ainda nessa obra “Em defesa da sociedade” Foucault se vale do conceito de biopoder para tentar esclarecer como as relações de poder, direito e verdade são instrumentos sutis utilizados pela sociedade do tipo disciplinar que (re) nasce no contexto da burguesia mercantil e com ela o capitalismo europeu, mas também norte americano e dissimulam outras práticas de relações técnicas, táticas e uma certa economia de discursos mais “humanitários”. Invenção ou readaptação dos instrumentos medievais de segurança com a noção geral de utilidade do bem-estar dos novos cidadãos, agora habitantes de um estado moderno, civilizado e liberal é como eles se imaginavam. Nesse período humanitário não cabe mais penas de açoites, masmorras, galés, forcas, e o terrível esquartejamento em praça pública. Para isso Benthan será o grande mago da proposta da vigilância e da utilidade da prisão no lugar das penas hediondas. O que seu colega Beccaria concorda propondo mais “humanismo” em épocas de Ilustração e equidade entre delito e pena.

Onde Lula entra nessa história? O mecanismo agora é pretensamente democrático, constitucional e codificado, segue normas, regras, cabe habeas corpus, medida cautelar, recursos em muitas instâncias. Tudo isso para dar a devida legitimidade ao processo jurídico-penal que tem alcançando em suas malhas o indivíduo Lula e sua proibição de circulação no seio social, alcançar o seu largo poder de influência e carisma sobre as pessoas, isso por um lado; pelo outro fazer do condenado uma pessoa mitigada como corrupto, réu, ser execrável para fins do Estado liberal democrático de direito que assim o acusou, condenou, prendeu e silenciou, mas, sobretudo, para o restante da sociedade que deve confiar que o direito é justo. Ou pelo menos dado o alcance da voz desse condenado o Estado-nação tenta calar sua voz e apagar seus gestos em razão da sua larga amplitude. O Estado-nação moderno trabalha com esse mecanismo de atuação social, mas que é principalmente político e lança suas garras naqueles que teimam em fazer propostas políticas que desagradam o ethos do sistema liberal, ou neoliberal, capitalista regulamentado pelo mercado, que no fundo possuem pessoas ao seu dispor. O problema é que esse tipo de sociedade neoliberal é altamente excludente, não cabe nela a maior parte da população mundial. Nesse caso quando surgem pessoas que propõe modelos ao menos minimante civilizatórios, humanos, inclusivos de uma grande parcela esse sujeito vira um inimigo interno passível de ser combatido pelo status quo aqui leia-se os quatro poderes; executivo, legislativo, judiciário e mídia. Essa última o baluarte do liberalismo, propagadora das ideias, objetivos e finalidade da sociedade excludente. Cabe ainda, um quinto poder; o das polícias civil e militar, primeiros instrumentos de sequestro a serviço dos outros quatro poderes acima citados. Essa instituição que ganhou superpoderes durante os vinte e um anos em que a ditadura civil-militar reinou imponente e absoluta contra os trabalhadores e os proletários, essa instituição hoje quase hegemonicamente desempenha um papel político de direita se colocando a serviço dos movimentos sociais do campo, dos professores, metalúrgicos e demais “inimigos internos” do neoliberalismo. Age como a primeira malha do poder e produz conhecimento sobre os inimigos internos, leia-se, trabalhadores insubmissos ou qualquer outra denominação de vagabundo ou marginal que torne a pessoa humana uma desqualificada para fins sociais e devidamente tipificada e justificada para a prisão.

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Foucault foi o grande decifrador desse signo, dessa mecânica que se tornou a sociedade moderna, pós-revolução Francesa e Industrial que inventou técnicas de se apropriar do Estado-nação, do direito, mas, sobretudo inventou um novo tipo de verdade que é agora sútil, capilar, atua residualmente em tudo e em todos. Ao mesmo tempo em que exclui aqueles indesejáveis, infames, loucos, “comunistas”, gays, e demais gama de categorias que não se enquadram num tipo de família tradicional ou na ideia de cidadão de bem construída sempre conforme o desejo e a necessidade das demandas do período em que se está reelaborando tais técnicas de sequestro. A verdade passou a ser nesse conjunto de relações determinadas de poder e nas garras desse novo tipo de direito um fenômeno de propriedade dessa força descomunal jurídico-judiciário, mas que é, sobretudo, discursivo, no sentido foucaultiano em que discurso é prática e as práticas engendram seres sociais passíveis de sequestro pelo Estado-nação.

Diante dessas constatações Lula é um sujeito/objeto das práticas discursivas e não discursivas, de um tipo de poder que produz regras, e se vale dessas regras para fins de sequestro. Lula foi submetido à verdade universal jurídico-judiciária dentro de um ritual com começo, meio e fim, bem definidos e claros; sabia-se que sua prisão era iminente para as regras do jogo neoliberal consentido pelos quatro poderes, mas, sobretudo, pelo judiciário, que não titubeou em momento algum, seja na província, seja no Planalto, agiram de modo sistêmico, orgânico, tudo orquestrado do primeiro ao último ato fechando a peça (jurídica) com gran finale e certa plateia gritando bravo e outra parte dessa plateia desconjurando a trama bem como desconfiando desse tipo de teatro e das suas escolhas de atores que representam o judiciário, mas, sobretudo, indignados com a maneira pastelão em que o réu é preso, sem provas, por um judiciário viciado, partidário, político e principalmente adversário do réu. Assim, assistimos a um espetáculo do vale-tudo no cenário neoliberal excludente. Até mesmo reinventar o direito, reinterpretando o artigo 5º da CF/88.

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Por fim, há um jogo sempre reinventado e legitimado por esse tipo de sociedade burguesa neoliberal excludente ancorado num sistema jurídico-judiciário com intensões e forças capazes de encarcerar/prender homens que fazem oposição a ela. Esse jogo longe de acabar ao final dessa trama (tramoia) com a prisão espetáculo parece apontar para novos desdobramentos. Assim ensina Foucault que ao mesmo tempo em que somos sujeitos nas malhas do poder, somos também criadores de poderes, não vítimas, mas, indivíduos que recriam mecanismos de luta conforme as mesmas circunstâncias utilizadas e validadas pelo sistema. Tecendo, assim outras malhas de poderes que são sempre, contínuas, e fortemente unidas na grande teia social. Assim, Lula tem a seu favor a grande união do povo brasileiro, solidariedade, fraternidade e conhecimento de que esse tipo de direito não é justo e pouco democrático. Esse exemplar de edifício jurídico que vige na sociedade brasileira liberal excludente útil apenas ao mercado e à propriedade privada deve e está sendo questionado e como um mecanismo autorregulador ele próprio terá que se reinventar para dar conta da nova demanda exigente de direitos do século XXI. Um novo tipo de direito que privilegie verdade, sociabilidade, liberdade e, sobretudo a justiça.

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