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    André Gattaz

    Jornalista, historiador e editor. Doutor em História Social pela USP. É autor de "A Guerra da Palestina" (Usina do Livro, 2003) e editor da Editora Pontocom

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    Fracasso de Trump na guerra comercial

    "O presidente estadunidense demonstra fraqueza no embate com Canadá e México, cancelando a imposição das tarifas", avalia André Gattaz

    Trump e Claudia Sheinbaum (Foto: Reuters)

    No intervalo de 48 horas entre sábado e segunda-feira, vimos ocorrer um movimento que será comum durante a presidência de Donald Trump nos Estados Unidos: o caos (premeditado ou imprevisto). E aquilo que a imprensa corporativa e pró-EUA vem cantando como vitória pode realmente ter sido uma derrota para Trump, que cancelou a adoção de tarifas contra o México e o Canadá, ainda que provisoriamente.

    As frenéticas 48 horas iniciaram-se no sábado à tarde, quando a Casa Branca anunciou as tarifas a serem impostas a China, México e Canadá – os três maiores parceiros comerciais dos EUA e, no caso dos vizinhos da América do Norte, fortemente ligados por laços culturais e históricos. A justificativa dada por Trump para a imposição de tarifas sobre produtos do Canadá e do México foi a entrada de drogas e imigrantes ilegais pelas fronteiras, o que teria que ser encerrado para que as tarifas fossem canceladas. A isto soma-se a frequente (e infundada) reclamação de Trump de que os países “roubam” os EUA ao obterem superávit na balança comercial. O presidente estadunidense, que nunca foi notável por seu conhecimento de economia ou geopolítica, desconhece que o déficit comercial dos EUA com quase todos os países do mundo deve-se ao fato de que seus cidadãos têm poder de compra para obter os produtos que quiserem, produzidos em qualquer parte do mundo, garantido pela livre emissão da moeda estadunidense. Como o dólar é uma moeda fiduciária, desde 1971 não mais lastreado por ouro, e os produtos estadunidenses perderam atratividade aos demais mercados, o que ocorre é que os EUA, para pagar por todos os produtos importados, exportam dívida – levando a dívida pública a 34 trilhões de dólares, sendo mais de 8 trilhões em poder de estrangeiros, enquanto a dívida das famílias alcança US$ 18 trilhões.  

    Ainda no sábado iniciaram-se as reações ao decreto de Trump, não apenas nas enfáticas declarações da presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, e do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, que quase chegou às lágrimas lamentando a posição dos EUA, mas também entre analistas estadunidenses, que unanimemente apontaram as consequências nefastas para a economia dos três países envolvidos, como inflação, desemprego, quebra nas cadeias produtivas e perda da confiança internacional. As reações continuaram no domingo, com os representantes do México e do Canadá informando que também imporiam tarifas e outras limitações a importações dos EUA – apesar de Trump ter ameaçado aumentar ainda mais as tarifas caso os países retaliassem. 

    Na segunda-feira, os mercados mundiais abriram em forte queda, com os índices estadunidenses chegando a cair mais de 2%, com os analistas prevendo um agravamento das retaliações. Como o presidente dos EUA considera o movimento positivo da bolsa como sinal de sucesso da economia (o que não é verdade) e diante da possibilidade de aumento da inflação, além da forte reação contra as tarifas impostas aos principais parceiros comerciais, Trump rapidamente aceitou conversar com Sheinbaum e Trudeau para negociar uma saída ao imbróglio. No começo da tarde, Sheinbaum e Trump anunciaram que as tarifas seriam suspensas por 30 dias, em troca da promessa mexicana de enviar 10 mil homens à fronteira; poucas horas depois foi anunciado um acordo semelhante com o Canadá, que prometeu intensificar os esforços para combater o contrabando entre os países.  

    O resultado foi considerado por muitos como uma vitória para Trump, que conseguiu “arrancar concessões” de seus vizinhos – assim como havia conseguido arrancar da Colômbia no episódio ocorrido há pouco mais de uma semana. É mais adequado, porém, vermos o resultado como uma derrota de Trump, considerando: 1) o envio de 10 mil soldados à fronteira, prometido por Sheinbaum, é algo que já ocorreu outras vezes, como em 2024, a pedido de Biden e sem necessidade de chantagem. Além disso, não são mais soldados na fronteira que impedirão as drogas de chegarem aos EUA, uma vez que se houver quem compre, haverá quem venda. Então, o problema das mortes por uso de fentanil deve se combatido nos próprios EUA, com informação e tratamento, e não tentando inutilmente fechar a fronteira apenas para estimular a criatividade dos cartéis mexicanos; 2) do ponto de vista do Canadá, as concessões arrancadas também não foram muito significativas, implicando num aumento de investimentos para proteção das fronteiras; 3) Trump havia prometido aumentar ainda mais as tarifas caso os países retaliassem, porém acabou cedendo após a reação mexicana e canadense, enfraquecendo sua imagem de macho-alfa; 4) os demais países do mundo, e sobretudo da Europa, viram como Trump trata seus aliados preferenciais e estão de sobreaviso para a prometida aplicação de tarifas a seus produtos; 5) por fim, nada vai mudar no “roubo” que os países superavitários impõem aos EUA enquanto sua população estiver decidida a gastar (e a se endividar) para consumir cervejas e carros mexicanos, cereais e móveis canadenses, vinhos franceses, café da Colômbia e iPhones fabricados na China. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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