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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor do livro "Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil". Editor da newsletter "Noticiário Comentado" (paulohenriquearantes.substack.com)

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Freire Gomes não é Lott, mas honrou a farda

Manifestação contrária ao colaboracionismo golpista de Garnier e à omissão de Batista foi de alguém preocupado com a preservação da democracia

Jair Bolsonaro e General Marco Antônio Freire Gomes (Foto: Isac Nóbrega/PR)

Maria Cristina Fernandes, do Valor, mandou bem. A jornalista informou que, na delatada reunião com os então comandantes da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Batista, e do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, quando tentava viabilizar um golpe para usurpar de Lula o poder que lhe fora conferido pela eleição, Bolsonaro ouviu do terceiro: “Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”.

À luz do Direito, Freire Gomes poderia já naquele momento ter dado voz de prisão ao presidente golpista, por testemunhar ali ato preparatório para um ataque à democracia? Há controvérsias. O flagrante, sem dúvida, exigiria no mínimo comunicado ao procurador-geral da República. De todo modo, é certo que a ameaça teve importante papel dissuasório, somando-se às posturas legalistas assumidas pelos Comandos Militares do Sul, do Sudeste, do Leste e do Nordeste e à absoluta falta de apoio internacional a qualquer vilipêndio à democracia.

Marco Antônio Freire Gomes talvez não devesse ter contido o ímpeto, que certamente sentiu, de ordenar a prisão de Bolsonaro naquele exato momento, mas sua manifestação, contrária ao colaboracionismo golpista de Garnier e à omissão de Batista, foi de alguém preocupado com a preservação da democracia. Já tivemos militares com esse perfil antes.

Em 1954, após o suicídio de Getúlio Vargas e a posse na Presidência do vice Café Filho, o marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott assume o Ministério da Guerra. No momento em que Carlos Luz passa a ocupar interinamente a Presidência da República e mostra ímpetos inconstitucionais, Lott deixa o cargo.

A sequência é conhecida. Eleitos Juscelino Kubitscheck e João Goulart presidente e vice, as forças udenistas, sempre golpistas, tramam junto com setores militares para que não sejam empossados. Foi Lott quem comandou uma campanha - e liderou tropas - para que JK e Jango tomassem posse conforme a Constituição. Em 1961, a postura legalista de Lott também foi decisiva para garantir a posse de João Goulart no Palácio do Planalto, após a renúncia de Jânio Quadros.

Freire Gomes não é Lott, mas honrou a farda, ainda que timidamente.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.