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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Freud revisitado explica angústias do mundo em 2025

Freud erra ao ver hostilidade inata e religião como ilusão; educação e espiritualidade unem, revelando o potencial humano contra o mal-estar de 2025

Freud (Foto: Reprodução)

Quase um século após Sigmund Freud lançar O Mal-Estar na Civilização, em 1930, as ideias desse ensaio continuam a oferecer lentes para examinar as dores da sociedade moderna.

Em 2025, com o mundo lidando com desigualdades crescentes, tecnologias disruptivas e desastres ambientais, o desconforto coletivo parece mais agudo do que nunca. Freud explorou como as regras sociais geram frustrações internas, e hoje vemos isso se manifestar em crises globais. Este artigo resume as seis premissas principais do texto freudiano, baseadas em interpretações acadêmicas estabelecidas, e as conecta ao mal-estar atual, usando informações de fontes como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fórum Econômico Mundial. Para tornar o debate acessível, evito jargões complexos: por exemplo, “instintivo” refere-se a impulsos naturais, como fome ou raiva, e “remanescente” significa algo que sobra de épocas passadas, como um hábito antigo.

A primeira premissa de Freud discute a ideia de que a felicidade total é uma ilusão. O ser humano deseja prazer sem limites, mas a sociedade impõe restrições que tornam isso impossível. “Não é possível que o homem seja feliz; o plano da Criação não inclui essa possibilidade”, escreveu Freud, enfatizando que o sofrimento faz parte da vida cotidiana.

No entanto, filósofos e estudiosos da mente humana, em sua maioria, veem o sofrimento enraizado na perseguição de alegrias passageiras – como acumular bens materiais, idolatrar a aparência física ou ignorar o equilíbrio emocional e a dimensão espiritual da existência. Essa busca superficial afasta as pessoas de uma satisfação mais profunda, baseada em conexões reais e autoconhecimento.

Freud, na segunda premissa, lista três origens do sofrimento: o corpo que envelhece e adoece, as forças da natureza que nos ameaçam e as relações com outras pessoas, muitas vezes conflituosas. “O sofrimento nos ameaça de três lados: do nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução; do mundo externo, que pode nos atacar com forças destrutivas irresistíveis; e, finalmente, de nossas relações com os outros homens”, afirmou. Essa visão destaca como a civilização oferece proteção, mas também intensifica problemas ao forçar interações reguladas.

A terceira premissa foca na renúncia aos impulsos instintivos – aqueles desejos básicos e espontâneos – como fundação da sociedade. Freud argumenta que, para conviver em grupo, as pessoas devem conter esses impulsos, criando uma insatisfação geral. “A civilização é construída sobre a renúncia aos instintos”, observou, notando que, sem esse controle, a desordem tomaria conta, mas o preço é uma angústia constante que corrói o dia a dia.

Na quarta premissa, Freud apresenta o embate entre Eros, o impulso de vida e união, e Thanatos, o de morte e destruição. A sociedade direciona a agressividade para leis e instituições, mas não a extingue. “O homem não é uma criatura gentil que deseja ser amada, mas, ao contrário, um ser cuja hostilidade é inata”, escreveu.

Aqui, é preciso ajustar essa visão de 1930, elaborada durante o surgimento da psicanálise, quando teorias eram testadas em tempo real – como tentar trocar o pneu de um carro em movimento. Com o tempo, análises mais maduras mostram que a natureza humana não é inerentemente hostil. Como disse Shoghi Effendi (1897-1957), o homem se assemelha a uma mina rica em gemas de valor inestimável; só a educação revela esses tesouros, beneficiando a todos. Effendi via a humanidade como um campo de batalha entre luz e trevas, onde educação e orientação espiritual decidem o rumo. Assim, o ser humano pode escolher altruísmo ou crueldade, dependendo de como direciona suas habilidades.

A quinta premissa critica a religião como uma defesa ilusória contra o sofrimento, comparada a uma projeção infantil sem lógica. “As religiões são tentativas de dominar o mundo sensorial, dado pela percepção, por meio do mundo dos desejos”, argumentou Freud. Mas, analisando a história das civilizações, considero essa perspectiva ultrapassada e imprecisa. A religião, em sua essência, serve como o maior instrumento para ordenar o mundo e trazer paz a seus habitantes. Seu propósito não é dividir, mas unir corações e nações, promovendo justiça, cooperação e solidariedade. Quando distorcida em fanatismo ou ódio, perde o sentido e precisa de purificação.

Shoghi Effendi destacou que a religião é “a única força que pode disciplinar a natureza humana, refrear seus instintos destrutivos e desenvolver suas capacidades nobres”. Ela não bloqueia o progresso; ao contrário, fornece sua base espiritual. Distingo firmemente o Deus criador do homem do deus fabricado pelos humanos, que muitas vezes reflete falhas pessoais.

Por último, a sexta premissa aborda a culpa originada do superego, a parte da mente que absorve regras sociais e pune internamente. Freud liga isso ao redirecionamento da agressividade para si mesmo, aumentando a infelicidade. “O sentimento de culpa é o problema mais importante no desenvolvimento da civilização”, afirmou, conectando-o ao avanço social que, paradoxalmente, aprofunda o mal-estar.

Essas ideias freudianas não são remanescentes obsoletos; elas ajudam a entender o desconforto de 2025, intensificado por desafios reais.

A ilusão da felicidade choca-se com uma epidemia de saúde mental. A OMS relata que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com transtornos mentais em 2025, com ansiedade e depressão como os mais comuns, custando trilhões à economia global. No Brasil, esses problemas dobraram em uma década, afetando trabalhadores e famílias, agravados por resquícios de isolamento social. Imagine um jovem em São Paulo, rolando o celular à noite, comparando sua vida com imagens perfeitas – isso ilustra como a busca por alegrias materiais amplifica o sofrimento.

A renúncia instintiva reflete na desigualdade econômica, que obriga bilhões a abrir mão de necessidades básicas. A ONU indica que 690 milhões vivem com menos de US$ 2,15 por dia. No Brasil, a concentração de renda acelerou, com os ricos ganhando 40 vezes mais que a metade mais pobre, fomentando tensões em favelas e ruas. Pense, leitor, em famílias em periferias lutando por comida enquanto bilionários viajam de jato – isso gera raiva social, como Freud previu.

As forças da natureza, em 2025, se manifestam nas mudanças climáticas. Um estudo alerta que restam apenas três anos para evitar impactos irreversíveis, com temperaturas recordes e eventos extremos afetando bilhões. Cerca de 3,6 bilhões são altamente vulneráveis, como visto em inundações na Ásia e secas na África. No Brasil, enchentes no Sul destroem comunidades, mostrando como a civilização ainda luta contra o ambiente. Em outras palavras, o ambiente tem sido visto como inimigo e não como parceiro em nossa evolução civilizatória.

A tensão entre Eros e Thanatos aparece na revolução da inteligência artificial (IA). O Fórum Econômico Mundial prevê que a IA elimine 92 milhões de empregos até 2025, embora crie 170 milhões novos, transformando um em cada quatro postos. Trabalhadores em fábricas ou escritórios sentem insegurança, virando agressividade para dentro, como demissões em massa em setores administrativos.

A visão negativa da religião encontra eco na polarização política, que age como defesa ilusória. Em 2025, 76% dos brasileiros se identificam como petistas ou bolsonaristas, e, nos EUA, 80% dos republicanos veem democratas como inimigos. Essa divisão fere de morte democracias, com discursos de ódio em redes sociais substituindo o diálogo.

Finalmente, as redes sociais exacerbam a culpa do superego. Estudos mostram que 70% dos jovens têm problemas de saúde mental agravados por elas, com uso excessivo ligado à ansiedade, à depressão e à comparação constante. O doomscrolling – rolar notícias ruins sem parar – amplifica a raiva coletiva, como debates tóxicos online.

Em 2025, o mal-estar freudiano é diagnóstico vivo, mas com ajustes: educação e espiritualidade verdadeira podem equilibrar impulsos. A civilização progride, mas exige ações para mitigar custos humanos, como políticas de saúde mental e inclusão. Temos diante de nós uma longa caminhada para diminuir significativamente o mal-estar em que estamos aprisionados.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.