General ameaça o país e veta o PT
A entrevista do general comandante do Exército é gravíssima: ele diz que Lula está vetado pelos militares, já chantageia Haddad na Presidência, ameaça o próximo presidente com um golpe de Estado e apoia Bolsonaro quase que abertamente; é uma afronta à Constituição e ao Estado de Direito; só o PT reagiu com vigor até o momento; há silêncio das demais forças democráticas e satisfação da direita
A entrevista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ao jornal o Estado de S.Paulo (aqui) é grave, gravíssima. É a volta da chantagem dos militares sobre o país. O general sente que pode informar ao país "o que pode e o que não pode", como os militares fizeram ao país depois do golpe de 1964. No caso, "não pode" Lula. "Pode" Bolsonaro. "Não pode" ONU. "Pode" toda sorte de ilegalidades contra Lula. Os pontos centrais da entrevista são estarrecedores:
1. Próximo presidente poderá ser derrubado - ao falar sobre a agressão a faca a Bolsonaro, o general indica claramente a possibilidade de derrubada do próximo presidente eleito. Fala em "legitimidade questionada" do eleito e já antecipa a narrativa que a direita colocará em marcha em caso de vitória do PT: a campanha de Bolsonaro será apresentada como prejudicada pelo "atentado". É importante que os democratas fiquem atentos porque, enquanto o veio principal de investigação aponta para uma ação isolada, que é evidente, de uma pessoa desequilibrada emocionalmente, exatamente o jornal O Estado de S.Paulo, para quem o general falou, tem buscado construir uma versão de "trama", "atentado" que, no momento adequado para a direita, irá se voltar contra a esquerda do país. O roteiro está sendo preparado. O general apresenta, na mesma resposta, a ideia de uma instabilidade em caso de eleição de Bolsonaro, "ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção", mas a sequência da entrevista indica que foi apenas "pra inglês ver".
2. A entrevista chega a ser inacreditável. O general não apenas diz que Bolsonaro "pode". Ele revela, de maneira ilegal e que afronta o papel das Forças Armadas na Constituição, uma inequívoca simpatia pelo candidato fascista, mal-disfarçada numa frase de aparência "analítica", mas que é, na verdade, opinativa: "Obviamente, ele [Bolsonaro] tem apelo no público militar, porque ele procura se identificar com as questões que são caras às Forças, além de ter senso de oportunidade aguçada". Ora, se um candidato identifica-se com questões que são "caras às Forças" que o general lidera, a empatia é transparente. "Ele é um dos nossos", está dizendo Villas Boas.
3. O general ameaça explicitamente o STF e o próximo governo a ser eleito este ano, numa frase que parece ter endereço certo, o PT. Ao comentar a liminar da ONU concedida a Lula, afirma: "É uma tentativa de invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo governo." O que acontecerá? Com a possível (e provável) eleição de Fernando Haddad diante do veto terminativo à candidatura Lula, o próximo presidente deverá se curvar aos militares em vez de respeitar os Tratados Internacionais de Direitos Humanos aos quais o Brasil aderiu? E se atender aos tratados? Estará abrindo as portas do Brasil para uma "invasão da soberania nacional"? A lógica do general é implacável: os militares "jamais permitirão" a "invasão".
Como afirmou o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) no começo da tarde deste domingo, as declarações de Villas Boas rompem com a legalidade e ele deveria ser exonerado imediatamente (aqui). Não será.
O general não será demitido porque suas declarações servem às elites e inserem-se na dinâmica do golpe de Estado de 2015-16. O que aconteceu com a derrubada de Dilma é que a lógica da institucionalidade, inaugurada com o fim da ditadura e cujos limites foram estalecidos pela Constituição de 1988, foi rompida. Vivemos num país sem lei desde então. Rompidos o limites, as fronteiras de 1988, mais e mais os militares voltam a se considerar "tutores" do país. A cada dia escorregamos um degrau no rompimento do arcabouço legal que vigorou até o golpe. Os militares (os milicos, como eram conhecidos no período da ditadura militar) saíram da caserna com o golpe, que apoiaram mais ou menos explicitamente e, desde então, operam na lógica dos "pronunciamentos" que desgraçaram o Brasil e a América Latina.
Ou há um repúdio taxativo da sociedade à declarações do general ou abre-se um caminho para o precipício. A reação da sociedade até o momento serve como estímulo a que eles sigam em frente, rumo a não sabemos ainda o quê. Até o fim da tarde deste domingo, apenas o PT havia se manifestado em repúdio às declarações do general comandante do Exército, numa nota contundente, firme (aqui). O restante das forças democráticas permanecia em silêncio. É este silêncio que encorajará os militares a seguir em frente, com apoio das forças conservadoras.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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