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Roberto Bueno

Professor universitário, doutor em Filosofia do Direito (UFPR) e mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC)

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General Edson Pujol: o fiel da balança?

"O que se espera das autoridades que ocupam postos-chave, como o Gen. Pujol, é que mantenham a posição que, por exemplo, este último defendeu em 21 de novembro de 2018, a saber, que a 'intervenção militar não é a melhor solução', pois 'não é bom misturar política com Forças Armadas'", escreve o colunista Roberto Bueno

General Edson Leal Pujol (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
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Atualmente a vida política brasileira está a pautar temas militares.com intensa frequência, lamentavelmente, em detrimento da prioridade dos assuntos e dos atores civis que identificam a soberania do povo em tempos democráticos. Sob este cenário torna-se relevante considerar a posição de poder ocupada pelo Comandante do Exército brasileiro, fiel da balança em tempos críticos de quem o povo espera ser fiel à Constituição. Este texto propõe esforço analítico prospectivo sobre o perfil do Comandante do Exército brasileiro.

O atual Comandante do Exército, General Pujol (1955-), assumiu o posto em 11 de janeiro de 2019 em substituição ao General Eduardo Villas Bôas (1951-).  Proveniente da Cavalaria serviu, dentre outros, no Centro de Inteligência do Exército (CIEX) e no posto de Comandante na Força de Paz na Missão de Estabilização da ONU no Haiti entre os anos de 2013 e 2014. Na sequência, foi nomeado para o cargo de Secretário-Executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, onde serviu durante um ano, de abril de 2014 a 2015, ali integrando e aplicando o treinamento militar e as habilidades desenvolvidas na inteligência.  

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A promoção de Pujol à General de Exército ocorreu logo após a sua saída da posição que desempenhava no Executivo Federal, em 31 de março de 2015, quando passou a ocupar a Secretaria de Economia e Finanças do Exército. Meses depois da ascensão ao generalato o Gen. Pujol assumiu o Comando Militar do Sul, em Porto Alegre (RS), até então ocupado por Hamilton Mourão, atual Vice-Presidente da República, afastado de suas funções no Comando em face de declarações em encontro com reservistas altamente comprometedoras da hierarquia e do dever de fidelidade militar à ordem constitucional na gestão de Dilma Rousseff.

Formado em Operação de Informações (Curso de Inteligência), o Gen. Pujol é mais um da extensa lista de militares brasileiros que realizou o Curso Avançado de Blindados na Escola de Blindados do Exército Norte-Americano, oferecido no Fort Knox (Armor School /EUA). É uma inserção intelectual em um conjunto educacional de triste memória para a história das democracias latino-americanas em face da continuada dedicação de muitas delas a doutrinar militares para a consecução de projetos políticos e econômicos de interesse dos EUA, adestrando os alunos para a aplicação de golpes de Estado e o uso de métodos de subjugação e tortura de eventuais dissidentes em seus povos.

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O Gen. Pujol é reconhecido como dotado de perfil discreto, perceptível ao menos em comparação com as opções de outros generais que optaram por realizar manifestações públicas de forma regular ou, como foi o caso do Gen. Villas Bôas – ex-chefe da Assessoria Parlamentar do Exército –, realizar manifestações públicas nas redes sociais em momentos-chave da vida política tentando condicionar as decisões a tomar. À diferença de seu antecessor no Comando do Exército, o Gen. Pujol mantém relativa distância de intensa exposição pública, o que não permite de forma alguma inferir que, dada a sua posição de Comando, esteja deslocado do mundo das articulações internas e das interlocuções com o poder e movimentos do establishment político cujo controle é exercido por seus colegas de farda de longa data.

Embora caracterizado por perfil mais reservado que o seu antecessor no Comando do Exército, o Gen. Eduardo Villas Bôas, guarda com ele proximidade pessoal, mas também ideológica e de princípios que alguns procuram resumir na guarda do respeito e defesa intransigente da Constituição, algo que pode ser colocado sob dúvidas quando reiteradas vezes observamos as suas intervenções no sentido de interferir no jogo político que, por dever funcional, deveria distanciar-se, além da pública declaração do Presidente da República não corrigida pelo Gen. Villas Bôas, de que a sua ascensão à Presidência se devia às suas ações, algo publicamente percebido no dia 07 de junho de 2018 pela visita do candidato Bolsonaro ao então Comandante do Exército durante duas horas e meia em entrevista prevista para duração de vinte minutos.

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Quando corriam os primeiros dias da crescente pandemia no Brasil o Gen. Pujol fez pronunciamento em Brasília cujo teor alertava para a radicalidade do desafio e os duros tempos que estavam no horizonte próximo. Em seu pronunciamento do dia 24 de março de 2020 o Gen. Pujol antevia a necessidade de união nacional, reconhecendo ser momento de gravidade que remetia diretamente a indispensáveis atividades de prevenção. Efetivamente, o Governo composto por seus colegas de farda não ouviu o tom de suas graves advertências. O Gen. Pujol foi taxativo ao escolher os termos que designavam sua compreensão do momento histórico e da profunda responsabilidade das autoridades com mandato para enfrentar os desafios impostos pela pandemia: “Talvez seja a missão mais importante da nossa geração”. A luz da advertência já havia sido acesa, mas o Gen. Pujol ganhou atenção ao destacar a dimensão do desafio posto ao final de março de 2020.

Naqueles primeiros momentos de expansão do quadro pandêmico o Gen. Pujol destacou a proeminente posição que os profissionais da saúde ocupariam na “linha de frente”, segundo o tradicional jargão militar. Malgrado as advertências, hoje bem sabemos, não foram tomadas providências para evitar a debacle da população e a exposição das vidas de tantos profissionais da saúde a intenso risco. O Gen. Pujol encerrava sua manifestação chamando atenção para que o Exército não faltaria à pátria em caso de ameaça, prometendo “lutar sem temor” contra os desafios, embora hoje a população brasileira possa questioná-lo sobre o real sentido de sua declaração quando são acumuladas dezenas de milhares de mortos em face da omissão sanitária e econômica do Governo Federal.

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A manutenção da promessa do Gen. Pujol de não faltar à pátria neste momento, do ponto de vista estritamente político, honrar o juramento de defender a Constituição brasileira, e fazê-lo hoje remete não aceitar a convocação de quaisquer forças políticas ou militares para assestar golpe de Estado contra as instituições e o povo brasileiro. A tal respeito importa recordar posição expressa por ele próprio em 21 de setembro de 2017 durante rara intervenção pública em palestra na Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA) (RS), o Gen. Pujol afirmou que “intervenção militar não é solução”, pois se há alguma ambição de alterações substantivas, o roteiro a seguir para tanto seria o da alteração legislativa segundo a modelação típica de um Estado democrático.

Antes de iniciado o referido evento na ACPA, sem embargo, o Gen. Pujol expressaria um importante ponto de vista que encaixa com as aflições de nossos dias e que sustentam precisamente a interpretação golpista do art. 142, a saber, que o seu entendimento era de que, à época, malgrado a sua avaliação de que as instituições estavam “cumprindo o seu papel”, sem embargo, o Exército teria a função de ser o “fiel da balança”. Em face da comparação de declarações do Gen. Pujol que não sofreram alteração substancial no curso do tempo é possível que o seu caráter de estabilidade e congruência não o leve a alterar sua posição nesta matéria isto.

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Mediaria pouco mais de ano quando, no dia 23 de novembro de 2018, o Gen. Pujol concedeu entrevista ao jornal Folha de São Paulo. Ali deixava implícita a sua boa avaliação sobre o regime militar de 1964, embora sua condição de possibilidade tenha sido um golpe de Estado contra o Governo João Goulart e o resultado das urnas que revelavam o sentido da indiscutível vontade soberana do povo brasileiro. Para o Gen. Pujol, sem embargo, há “preconceito na análise do período militar no Brasil”. É compreensível a posição do Gen. Pujol em face da formação dos militares brasileiros e também de sua proximidade ideológica com seu antecessor no Comando do Exército, Gen. Villas Bôas, embora estarrecedor que mesmo após tantos anos, a sociedade brasileira seja levada a presenciar altas autoridades do Estado suscitando dúvidas sobre o caráter nefasto e do rastro de mortes que a ditadura militar de 1964 deixou atrás de si.

Inaceitável por si só a compreensão das Forças Armadas expressas pela voz do Gen. Pujol de que a ditadura militar vem sendo objeto de preconceito e, ademais, permite-se avaliar que o regime militar vem sofrendo longamente um tratamento “preconceituoso”, tratado sob o signo da “desinformação” geradora de alegado “ranço”. O Gen. Pujol sugere que o papel das Forças Armadas durante o regime militar veio sendo alvo de “campanha” nos últimos sessenta anos da história do país, mas projetando que serão os tempos vindouros que realizarão a “limpeza” deste cenário desfavorecedor das ações das Forças Armadas durante o regime militar, sendo notável que desde o momento precedente ao da disputa eleitoral de 2018 é precisamente este um dos esforços importantes por parte dos setores do ultraconservadorismo, como se estivessem a aplainar o terreno para os dias vindouros à luz da estratégia de aproximações sucessivas já enunciadas por Hamilton Mourão em momento de singular sinceridade.

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Identificado por setores da caserna como “moderado” e “discreto”, nesta citada entrevista, concedida ao final de 2018, o Gen. Pujol expressou que a sua relação hierárquica com o ascendente Presidente, o capitão Bolsonaro, não ocorreria na qualidade de subordinação militar, mas sim de um General relativamente ao Presidente enquanto poder civilmente constituído. À época esclarecia que um General não bate continência para um Capitão, mas que haveria a submissão ao poder civil detido pelo segundo, destacando a este respeito que “Não é bom misturar política com Forças Armadas. Esse modelo não tem dado bons resultados em diversos países”, ideia afinada com a expressada em evento realizado na APCA ao referir-se a sua condição militar: “Não somos um ente político, e é bom que não sejamos”. Certamente, acaso o Gen. Pujol mantenha-se congruente, o teor desta declaração de que “Não é bom misturar política com Forças Armadas” é evidentemente passagem alvissareira para que projetemos a possibilidade de que ele não anua com golpe de Estado ancorado nas Forças Armadas, malgrado devamos sopesar esta percepção da dissociação das armas do poder político à concepção expressa por ele durante evento na ACPA em 21 de setembro de 2017 em um dos momentos evolutivos da crise política em que o Brasil está imerso – e nela estamos desde há mais de meia década – de que as Forças Armadas efetivamente tem o papel de “fiel da balança”.

Na mesma entrevista concedida à Folha de São Paulo, ao ser questionado se os temas políticos estavam sob controle na caserna, o Gen. Pujol foi taxativo: “Sim. Não nos associamos a nenhuma corrente política e isso deve continuar. Quando a política entra dentro dos quartéis, não é bom para o país”. Efetivamente, a colonização da caserna pela política tem efeitos corrosivos da função de Estado que cabe às Forças Armadas, mas o que dizer dos sucessivos discursos que Bolsonaro veio realizando desde vários anos antes das eleições de 2018 não sem autorização dos superiores? Relativamente à política, o Gen. Pujol traçou importante linha de seccionamento do campo de atuação das Forças Armadas, reconhecendo-a incompetente para o tratamento da segurança pública, ou seja, em seus termos, que “Não é bom para a nação e para o Estado que as Forças Armadas se mantenham em questões de segurança pública”, posto que reconhece que “não estamos organizados e preparados para trabalhar em segurança pública”, algo que, segundo parece, não é ideia recepcionada pelos seus colegas de farda que operam no núcleo duro do poder federal com os detentores de mandato político.

Neste radical momento da vida nacional em que as ameaças de golpe de Estado ocorrem quase diariamente por parte de setores ligados às mais altas autoridades da República, quando não delas próprias, o que é requerido das Forças Armadas é sua absoluta fidelidade ao juramento de submissão à Constituição, pacto fundacional legítima e democraticamente firmado pelo povo brasileiro por intermédio de sua representação política. Nesta quadra decisiva da história é dever moral e funcional das Forças Armadas dar efetiva demonstração da grandeza que delas se espera, submetendo-se ao mandamento maior da Carta política que rege a vida da nação.

O único poder constitutivo e normativo legítimo do Estado reside na esfera política, e esta não tem outro titular além do povo. Nossa Constituição não prevê o poder moderador e nem reconhece a qualquer ator ou instituição a competência de desempenhar poderes na condição de “fiel da balança”, tal como hoje certos segmentos reclamam às Forças Armadas. Nada mais arbitra e dirime conflitos sociopolíticos do que os termos do pacto fundacional democrático do Estado brasileiro, vale dizer, a sua Constituição. O que se espera das autoridades que ocupam postos-chave, como o Gen. Pujol, é que mantenham a posição que, por exemplo, este último defendeu em 21 de novembro de 2018, a saber, que a “intervenção militar não é a melhor solução”, pois “não é bom misturar política com Forças Armadas”, posto que desde a avaliação empírica “esse modelo não tem dado bons resultados em diversos países”. O povo brasileiro pode legitimamente manter a expectativa de que o Gen. Pujol mantenha-se adstrito à Constituição e congruente com a distância que preconiza ser aconselhável que as Forças Armadas mantenham das decisões políticas, pois o único e legítimo fiel da balança é o povo.

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