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José Reinaldo Carvalho

Jornalista, editor internacional do Brasil 247 e da página Resistência: http://www.resistencia.cc

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Golpe abre nova fase da luta política no Brasil

Investido de poderes de Torquemada, o procurador geral denuncia Lula como "chefe de organização criminosa" na operação do chamado "petrolão

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Segue em marcha batida o golpe de Estado legislativo-judicial-midiático no Brasil. Em 17 de abril, sob condução autoritária e farsesca, a Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidenta da República. Nos próximos dias, o Senado acolherá a decisão e, por maioria simples, autorizará a abertura do processo, tendo como resultado imediato o afastamento por até 180 dias da presidenta Dilma do posto para que foi eleita com 54 milhões de votos.

A decisão final, previsível, será tomada no Senado, convertido em Tribunal, sob a presidência do STF, dentro de alguns meses. O roteiro traçado e executado nas duas casas congressuais mostrou até agora a existência de um jogo de cartas marcadas e o exercício de um implacável poder da maioria constituída por partidos reacionários. Ali não valem a lógica, a racionalidade nem a verdade dos fatos. É uma abominável contrafação de julgamento, protagonizada por políticos repugnantes. Um ritual usado para dar ares de constitucionalidade a algo que já está decidido. Um julgamento feito como expressão de um golpe, que não toma em consideração critérios jurídicos consistentes.

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Nos últimos dias, mais um lance foi jogado na inominável trama golpista, visando ao futuro de médio prazo: o pedido da Procuradoria Geral da República para o STF investigar a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por "obstrução da operação Lava Jato". Investido de poderes de Torquemada, o procurador geral denuncia Lula como "chefe de organização criminosa" na operação do chamado "petrolão".

O golpe em marcha não é circunstancial, fruto de algum fato fortuito, ou da exploração de debilidades e eventuais erros táticos do governo e dos partidos progressistas. Pensar assim seria o mesmo que atribuir a primeira derrota eleitoral de Lula, no longínquo 1989, à edição de TV do malsinado debate com o candidato que se tornaria vitorioso, Fernando Collor. Ou considerar que a inauguração do ciclo neoliberal-conservador a partir da eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994 teria sido fruto da judiciosa e hábil exploração publicitária do "vitorioso lançamento" do Plano Real. Seria também uma ingenuidade supor que o processo de impeachment foi motivado por uma reação pessoal do presidente da Câmara ao voto de deputados petistas na Comissão de Ética a favor da sua cassação.

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Os acontecimentos casuais têm seu peso, mas não podem ser compreendidos senão no marco do contexto geral e objetivo, do desenvolvimento e desenlace das contradições políticas e sociais.

As classes dominantes brasileiras são infensas à democracia, ao progresso social, à divisão da propriedade, da renda, à justiça, à ascensão social dos trabalhadores e massas populares. Não aceitam reformas ou mudanças políticas e sociais que ponham em cheque os seus privilégios.

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O mesmo se pode afirmar quanto ao posicionamento geopolítico da burguesia brasileira, que alterna a subordinação neocolonialista às potências imperialistas com um complexo de grande potência associada a esses mesmos potentados internacionais, ambas atitudes contrárias a um alinhamento progressista no concerto internacional e ao desempenho de um papel proativo em favor da paz, da democratização das relações internacionais e da integração soberana da América Latina. É fenômeno patente e consolidado que a classe dominante brasileira é também antipatriótica, reserva estratégica dos planos de hegemonia mundial das potências imperialistas. Seus próprios interesses não são os nacionais e se acomodam maleavelmente às estratégias imperiais.

Sempre foi assim, desde que se constituiu como classe nos séculos 18 e 19, época do escravismo colonial, traço transmitido por herança aos latifundiários capitalistas e à burguesia monopolista-financeira atual. E assim será, até que ocorra uma revolução política e social no país, que construa um novo poder, sob a direção das classes trabalhadoras e suas representações políticas.

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Enquanto supunham que a eleição de Lula em 2002 abria apenas um pequeno hiato no desenvolvimento político do país e constatavam com cínica satisfação os compromissos e a moderação em voga como um fenômeno político com que se podia conviver no curto prazo, essas classes mantiveram-se em seu posto de observação ou em uma discreta prontidão. A rigor, isto durou dois anos, porquanto o escândalo do "mensalão" (2005) e todos os seus desdobramentos jurídicos e políticos, constituíram o marco miliário do golpe que se consuma agora.

O golpe em marcha revela uma grande convergência de forças neoliberais e conservadoras. Partidos de variado espectro, exceto os de esquerda, em conluio com setores do Ministério Público, do Supremo Tribunal Federal e da Polícia Federal, ao consumar o golpe de Estado, infligem uma contundente derrota às forças progressistas e de esquerda que nos últimos 13 anos governaram o país sob a liderança do Partido dos Trabalhadores (PT).

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Os neoliberais e conservadores formaram durante os últimos 13 anos uma espécie de condomínio oposicionista, que tomou sua forma mais acabada no segundo turno da última eleição presidencial e na atual ofensiva golpista, cuja gênese vinha de eleições e embates anteriores.

Nada mais elucidativo quanto à natureza da aliança golpista e da essência política e ideológica das forças que a integram do que a plena convergência programática. A "ponte para o futuro" de Michel Temer e a plataforma de "princípios e valores", que lhe foi entregue na última terça-feira (3) pelo senador Aécio Neves, do PSDB, são faces da mesma moeda.

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Em seus aspectos essenciais, há também convergência com as genéricas formulações do ex-prefeito serrista de São Paulo, Gilberto Kassab, um contumaz reacionário, que nunca se desprendeu dos dogmas conservadores do seu partido de origem, o velho PFL, atual DEM.

Entre forças que sempre atuaram na centro-esquerda, houve também quem elaborasse arremedos de programas democráticos, com acentuado caráter de oposição à esquerda e ao governo da presidenta Dilma, destacando-se entre estes o PSB, hoje sob o controle de um grupo que já não tem nada a ver, salvo honrosas exceções individuais, com o Partido de Jamil Haddad e Miguel Arraes.

Quando a isso se agregam as plataformas claramente neoliberais do PPS e do Solidariedade, observa-se que programaticamente todas as forças golpistas estão combinadas quanto à natureza antidemocrática, antipopular, antioperária e de traição nacional do eventual governo pós-golpe.

As contradições, que não são poucas, referem-se exclusivamente a interesses fisiológicos menores, visando a tirar vantagens imediatas e ao embate eleitoral de 2018.

Há um denominador comum: as forças golpistas empalmam uma agenda de contrarreforma política, pela qual promoverão a regressão antidemocrática do Estado brasileiro; a liquidação de conquistas sociais; a abertura total ao capital financeiro internacional; o retorno das privatizações; a submissão aos ditames do capital monopolista, com o qual assumiram o compromisso de promover a derrogação de leis que hoje asseguram os direitos sociais e trabalhistas; o retrocesso civilizacional, assumindo os ditames dos cânones de igrejas pentecostalistas retrógradas, promovendo ataques a conquistas no âmbito da convivência social, dos direitos civis e dos direitos humanos.

Faz todo o sentido que o golpe que promove a derrocada do governo da presidenta Dilma logre o consenso do conjunto da burguesia monopolista-financeira, da grande indústria e dos grandes comerciantes, dos latifundiários, dos meios de comunicação, da classe média-alta e de tudo o que tenha o fétido odor, a grotesca aparência e a cretina essência da burguesia brasileira. Chama a atenção que todas as organizações patronais, dentre as quais se destacou a famigerada Fiesp, do estridente e caricato direitista Paulo Skaf, tenham publicado declarações formais e solenes a favor do golpe.

O golpe em marcha demonstra a inteira falência do sistema político brasileiro, a derradeira ruptura com a ordem democrática constitucional instaurada pela Constituinte de 1987-1988.

Independentemente do desfecho do ritual do impeachment no Senado, a luta política ingressa em nova etapa e se eleva a nível mais alto. Sem prejuízo da luta eleitoral e da ação institucional nos parlamentos e nos governos municipais e estaduais, emerge para o lugar primordial a luta política de massas, a organização popular, o fortalecimento das organizações dos movimentos populares e sindicais.

E – questão prioritária – entra na ordem do dia a construção da unidade das esquerdas e das forças progressistas, de que é embrião a Frente Brasil Popular, numa perspectiva ampla de unir todas as forças suscetíveis de serem unidas na defesa da democracia, do progresso social e da soberania nacional, em torno de um programa de resistência e luta que aponte tarefas imediatas e de médio e longo prazos, cujo escopo seja a realização de reformas estruturais democráticas e progressistas.

O empenho das forças de esquerda na realização desta tarefa será tanto maior quanto seja profunda a sua compreensão sobre por que ruiu a base de sustentação do governo. Será necessário soerguer um novo pacto político, uma frente progressista, e acumular forças para assegurar a hegemonia do campo democrático-popular e anti-imperialista. Desde o ângulo de análise e dos interesses dessas forças, é necessário formular uma estratégia e uma tática que escapem a qualquer tipo de adaptação à ordem neoliberal e conservadora.

As mutações observadas no comportamento do PMDB e outras forças de centro, e sua deserção de um projeto democrático e patriótico, não foram abruptas. Ocorreram ao longo de um processo político em que foram deixando de ser partidos progressistas. No caso do PMDB, é algo que se configura desde o fracasso do governo Sarney e da candidatura presidencial de Ulysses Guimarães, em 1989. Os fatos recentes acabaram por demonstrar que esse partido, sob a direção de Michel Temer, não tinha credenciais para desempenhar o papel de principal fiador da coalizão governamental no parlamento, nem muito menos para ocupar o estratégico posto da vice-presidência da República.

Com clareza de objetivos, convicções programáticas, pensamento estratégico e sentido do momento histórico, a esquerda vê a crise atual e as novas condições desfavoráveis como uma etapa da luta. A nitidez com que se mostra a divisão entre os campos antagônicos da luta política, não anula, ao contrário reforça, a necessidade de combinar a firmeza e a combatividade com amplitude e flexibilidade táticas, sem ilusões nem confusão quanto ao caráter e aos objetivos estratégicos dos diversos sujeitos políticos.

A criminalização da esquerda, a ferocidade com que buscam ilegalizar o PT e excluir outros setores da vida institucional, tornar o ex-presidente Lula inelegível, e submetê-lo, assim como a presidenta Dilma, a penas judiciais, inclusive a privação da liberdade, sinalizam o nível do ataque às forças progressistas. O que nos dá também a indicação das dimensões dos novos desafios.

A luta contra o golpe despertou a imensa consciência democrática e a capacidade de luta de milhões de brasileiros que aspiram à democracia, à justiça social e à soberania nacional, aos direitos humanos, à boa governança, à vida culta e a elevados padrões civilizacionais. Já tinha ocorrido o mesmo nos embates decisivos do segundo turno da eleição presidencial de 2014.

É uma energia acumulada cujo desenvolvimento terá uma dinâmica própria até se transformar na força motriz da realização das transformações de fundo inadiáveis, de sentido revolucionário, que está a exigir a sociedade brasileira.

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