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Sylvio da Costa Junior

Doutor pela UFRGS; Conselheiro Nacional de Saúde – Entidade FIO; Conselheiro Municipal de Saúde de Florianópolis – Entidade CUT

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Governador Gay ou BolsoGay?

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A integralidade da assistência no SUS deve ser entendida como a promessa do sistema de saúde de tratar a todos brasileiros em toda sua complexidade de saúde, uma promessa ambiciosa e corajosa dada às possibilidades do processo saúde-doença, com questões que fogem muitas das vezes do campo específico da saúde. Como escrito em nossa Constituição Federal, no Artigo nº196, a saúde deve ser garantida “mediante políticas sociais e econômicas”, haja vista as repercussões no campo da saúde de escolhas e decisões de ordem política e econômica. Assim, o SUS assegura o atendimento integral aos usuários em um cenário de constantes mudanças de perfis epidemiológicos e de adoecimento da nossa população. 

Como testemunho do enorme esforço do SUS de assegurar cuidados em saúde dos mais variados ao conjunto de nossa sociedade, no ano de 2010, eu, o autor deste texto, fui contratado pela Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) e cedido ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) para acompanhar três Comissões Intersetoriais de Saúde existentes na rotina e na dinâmica no CNS. As Comissões Intersetoriais que eu acompanhava eram: Saúde do Trabalhador (CIST), Comunicação em Saúde (CICS) e Comissão Intersetorial de Saúde da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CISPLGBTT). 

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Cada comissão apresentava suas demandas, suas propostas, suas dinâmicas e seus desafios, mas sem duvida a CISPLGBTT foi a Comissão mais desafiadora, devido aos enormes obstáculos existentes no sistema de saúde inserido em uma sociedade machista, homofóbica e muito violenta, mas por outro lado com conselheiros de Saúde corajosos e dispostos a modificar esse cenário a partir da garantia de direitos pelo SUS. 

Em diversas oportunidades acompanhei como consultor da Opas no CNS, por exemplo, as dificuldades de acesso ao serviço de transsexualização no SUS, no qual a política existe, mas na prática há um conjunto de dificuldades de acesso aos serviços, pois muitas vezes o ordenamento jurídico não dialoga com os problemas existentes. A transsexualidade traz à tona a discussão sobre aceitação ao outro e a dificuldade de reconhecimento dos direitos de todos brasileiros. 

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Presenciei diversos relatos sobre as dificuldades na aquisição de hormônios masculinos, que geralmente são hormônios anabolizantes. Dada a dificuldade de acesso a esses insumos, a venda ocorre de maneira rotineira em mercados legais com falsificações de receitas para aquisição de hormônios e até em mercados ilegais, como bocas de fumos, expondo assim homens trans a diversas possibilidades de riscos. Ou ainda a fila de espera de mais de sete anos para cirurgia de readequação sexual, ou mais ainda as dificuldades de acessar o sistema de saúde para consultas de rotina para trans e travestis. Logo, o debate não era para criação de redes paralelas de cuidados em saúde, pois as políticas devem estar incluídas no bojo do sistema, respeitando suas especificidades.

Por conseguinte, a discussão sobre a saúde população LGBTQIA+ e a integralidade do SUS aflora imediatamente a discussão ética e civilizatória sobre a garantia de direitos, em que a discriminação gera sofrimento e uma condição social desfavorável, além da falta de empatia, irmã siamesa da violência.

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Isto posto, em 1º de julho de 2021 o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, do PSDB, afirma no “Programa do Bial”, da Rede Globo, que é gay e que é “um governador gay, e não um gay governador”. Na estrutura social brasileira, encharcada de preconceitos, é importante ver um governador de Estado assumindo sua homossexualidade, todavia a orientação sexual deve trazer consigo suas lutas e bandeiras. Eduardo Leite é governador de Estado, a pergunta que faço é: ele ser gay fez com que a população LGBTQIA+ ampliasse direitos durante sua gestão? Não! Ou ainda, ele foi um ator de destaque nas muitas pautas, inclusive no campo da saúde, da população LGBTQIA+? Também não!

Logo, a pauta identitária não deve sobrepor-se à pauta de projeto de país e de sociedade. Esse governador, em 20 de julho de 2020, afirmou no programa Roda Viva, da TV Cultura: “Não tenho arrependimento (do voto em Bolsonaro em 2018) porque, dadas aquelas circunstâncias, acho que seria muito ruim o retorno do PT ao poder, depois de tudo que tinha acontecido". Assim Eduardo Leite, passados dois anos da eleição de 2018, afirma que votaria novamente em Bolsonaro, um político de extrema-direita, machista, homofóbico e violento, em detrimento do outro candidato, o professor da USP e doutor em Filosofia, Fernando Haddad. Na eleição que o Governador gay não se arrepende do voto, o candidato Bolsonaro lançou como expediente eleitoral informações falsas e caluniosas, via WhatsApp, embrulhadas em preconceitos da pior natureza, como “distribuição nas escolas de kit gay para menores de 6 anos” pelo então ministro da Educação, Haddad; ou ainda que, por ordem do candidato do PT, haviam sido distribuídas nas escolas e creches de São Paulo mamadeiras em formato de pênis. Essas mentiras de baixo nível foram criticadas pelo então candidato a governador do Rio Grande do Sul na época? Não! Vale lembrar que atualmente os deputados tucanos do Rio Grande do Sul, sob forte influência do governador, votam em massa na agenda econômica e política do governo Bolsonaro no Congresso Nacional, dando sustentação ao governo de extrema-direita de Bolsonaro – como no caso da votação da privatização dos Correios e da Eletrobrás. 

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Assim tudo indica que a afirmação do governador gaúcho no “Programa do Bial” não foi um ato de coragem coisa nenhuma, mas sim uma entrevista armada, em um ambiente protegido e balizado por um cálculo eleitoral para viabilizar um candidato da chamada 3ª via, ou direita tradicional. Cria-se assim um fato novo, mas desprovido de conteúdo, haja vista que, por exemplo, no campo da economia a agenda do Eduardo Leite e do PSDB é exatamente a mesma do Bolsonaro, e no campo da saúde o estado do Rio Grande do Sul, na gestão Leite, em nada avançou na pauta de gênero. De maneira pensada o governador, e seus apoiadores, fizeram o seqüestro de uma pauta importantíssima para tentar interditar o debate dentro de uma fração do campo progressista e beliscar votos de uma parte da juventude porque o governador, de modo oportunista, se declarou gay.

Além da questão identitária, é necessário levar em consideração a política por trás, caso contrário teremos um identitarismo desprovido de conteúdo que em nada vai promover ampliação de direitos. Exemplificando o oportunismo eleitoral do identitarismo desprovido de conteúdo político, o que podemos falar do golpe misógino contra uma mulher, Dilma Rousseff, orquestrado pelo PSDB de Eduardo Leite, no qual chegou-se ao ponto de apoiadores do golpe de 2016 espalharem adesivos de carro com uma montagem da ex-presidenta de pernas abertas no tanque de combustível? O governador gay foi solidário à presidenta mulher? Não, nada.

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As demandas do SUS e as pautas da saúde da população LGBTQIA+ são importantes e devem ser lavadas com a seriedade que merecem e não usadas de maneira oportunista por pescadores de águas turvas como o pré-canditato tucano. Eduardo Leite não é um governador gay, como ele charmosamente coloca em uma entrevista chapa branca, mas sim BolsoGay – um gay apoiador de um governo fascista, que tem em comum com Bolsonaro o mesmo projeto de país, promotor de desigualdades.

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