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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Governo Bolsonaro levou elite a tirar a tampa da panela da hipocrisia

"Junior Durski emitiu em público, uma opinião que até então era apenas sussurrada nos almoços com seus pares, nos restaurantes de luxo", escreve a jornalista Denise Assis

(Foto: Reprodução)
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Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia 

Quem disse que não houve nada de positivo na eleição de Bolsonaro??? Jogando o jogo da Polyana, a chegada de seu Jair ao poder destampou a panela da hipocrisia. Pela primeira vez, aqueles que não falavam dos seus preconceitos a pretos e pobres, mas exigiam que os seus funcionários subissem pelo elevador de serviço e entrassem pela porta dos fundos, começaram a externar suas ideias sem inibição. Até mesmo com desenvoltura. A tal ponto de vermos, hoje, nas redes, a live do chef Junior Durski, o empresário criador e dono do Madero, (uma rede de “restaurantes” onde são vendidos os seus hamburgueres de luxo), falar com tranquilidade que devemos deixar morrer de cinco a sete mil brasileiros miseráveis. E aí incluem-se os pretos, que implicitamente são os de menor renda.

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Esse desprezo pelas classes desfavorecidas, vem vindo desde o tempo das senzalas, como já explicitou sociólogo Jessé Souza, em seu “A elite do atraso: da escravidão a Bolsonaro”. Não é difícil imaginar o quanto a sinhazinha da casa grande se revoltava ao ter de tolerar, circulando pela casa, a desincumbir-se das tarefas domésticas, a escrava buchuda do marido. E depois ver o pretinho, fruto do estupro (ou da relação consentida), a correr pelo pátio, ao lado dos seus filhos. Com azedume, ela devia fazê-los crescer odiando os pretos, para mantê-los a distância, dos “meio irmãos”. Sim. Este foi um ódio cultivado a fogo brando, em banho maria, por mais de dois séculos.

Gilberto Freire, em “Casa Grande e Senzala”, nos fala: “um certo reverendo Creary, que andou pelo brasil nos tempos da escravidão e cujo diário se conserva na seção de manuscritos da Biblioteca do Congresso, em Washington, diz horrores da pouca vergonha dos brasileiros”. Certamente o reverendo estava a falar dos avanços do fazendeiro pelas redes das escravas, que fez nascer filhos rechaçados pelas senhoras de engenho e sua prole branca. Com tal passado, o que esperar? O cultivo natural do nós contra eles. E se fossem incluídos na herança?

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Só que nos últimos anos, desde o final do século XX, com a redemocratização e a formulação de novos conceitos, o país foi tomando o rumo do politicamente correto e sufocando a emissão de pensamentos preconceituosos. O nós contra eles alardeado pela mídia resumia-se comportadamente a uma rivalidade entre PT e PSDB. E quando resvalava para o comportamento, para o social, vinha sob a forma de pilhérias, piadas.

Desde que a ultradireita entrou em cena e sentiu-se à vontade - não só aceita, mas no poder – o que se viu foi o cair das máscaras (já que estão em uso) para se naturalizar esse sentimento a tanto tempo sufocado. Ao arrastar a cadeira para perto do seu laptop e gravar a sua opinião, embalada no pânico pela perda do lucro, o que o empresário Durski fez foi colocar-se publicamente favorável ao princípio da eugenia, pelo qual se faz a tentativa de melhorar a espécie humana por meio de seleção genética e controle da reprodução. Ou, no seu caso específico, deixar morrer os que “não valem a pena”. Os que, na opinião dele, “não farão falta”. Ao contrário, deixa subentendido, contribuirão para a barreira sanitária da criação de anticorpos que salvará do coronavírus quem de fato trabalha e contribui para o fortalecimento da economia.

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A fala de Durski joga luz a um fato absolutamente verdadeiro e cruel. Sem expressar claramente - pois sua intenção era voltada para o umbigo e o da sua classe - ele estica o dedo e nos aponta: estamos praticando o cinismo. Em um país que mata com arma de fogo, 60 mil jovens pretos e pobres ao longo de um ano, não fará diferença nenhuma a morte de cinco a sete mil pessoas por uma doença, podendo enfim, estarem com suas mortes contribuindo para algo positivo. Além de não deixar a economia ir para o vinagre, ao mesmo tempo proporcionarão a redução de contágios na sociedade branca. O que Durski deixa claro é simples. Toleramos as 60 mil mortes anuais sem reagir. Sem nos importarmos.

O que disse Durski de errado? A verdade. Até então oculta na panela da hipocrisia. Ao arredar a tampa e dizer de forma cristalina o que os demais não tiveram a coragem de verbalizar, o empresário está nos mostrando que, antes da pandemia, 60 mil pretos pobres não fizeram falta nenhuma à economia do país. Suas vidas não entravam nas contas de seus restaurantes. Só faltou falar que seus corpos poderiam ser recolhidos pelas companhias de lixo urbano. Durski emitiu em público, uma opinião que até então era apenas sussurrada nos almoços com seus pares, nos restaurantes de luxo.

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O empresário só não avaliou o momento de externá-la. Enquanto a economia bombava e as mortes eram noticiadas de modo corriqueiro, virando estatísticas para engordar estudos de pesquisadores, não doía. Entravam no rol de um cotidiano doente. Neste momento, porém, em que o mundo para e tem tempo para avaliar cada perda, e em que as armas de fogo não têm tanta utilidade, pelas ruas vazias o eco do seu discurso reverbera mais alto. Nos leva a pensar o quanto estávamos doentes. E não era por causa da pandemia.  

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