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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Grande muralha renasce: Rota da Seda conecta o mundo

Dragão de pedra desperta com trilhos e navios que cruzam continentes e redesenham o comércio global

Xi Jinping (Foto: Agence Kampuchea Press/Handout via REUTERS)

A Grande Muralha da China, com seus 21.259 quilômetros de pedra e tenacidade, não é apenas um marco, mas um desafio à eternidade. Iniciada no século III a.C., sob a dinastia Qin, e ampliada até a dinastia Ming (1368–1644), ela serpenteia montanhas, desertos e planícies, com torres de vigia que parecem roçar as nuvens. Sem guindastes ou cimento moderno, seus construtores moveram 400 milhões de toneladas de material, segundo a UNESCO, como se cada pedra respirasse obstinação.

Hoje, turistas posam em seus parapeitos, mas a China ergue algo ainda mais vasto: o Cinturão e Rota da Seda (Belt and Road Initiative, BRI). Lançado em 2013 por Xi Jinping, esse projeto é uma muralha moderna, tecida com trilhos, portos e acordos comerciais, conectando continentes com a mesma ambição que moldou a Muralha antiga.

Nos últimos 20 anos, o poderio chinês se tornou um colosso. Em 2001, ao ingressar na Organização Mundial do Comércio, o PIB da China era de US$ 1,3 trilhão. Em 2024, alcançou US$ 18,3 trilhões, segundo o Fundo Monetário Internacional, consolidando-se como a segunda maior economia global. Reformas, investimentos em infraestrutura e uma força de trabalho incansável pavimentaram esse caminho.

O segredo está no planejamento de longo prazo. Planos quinquenais e políticas de abertura controlada fizeram da China líder em cadeias globais de suprimento, de eletrônicos a turbinas eólicas. A Muralha, com seus dois mil anos, já ensinava: a paciência constrói impérios.

O Cinturão e Rota da Seda é a nova face dessa visão. O “Cinturão” conecta a China à Europa, à Ásia Central e ao Oriente Médio por terra. A “Rota” traça caminhos marítimos pelo Oceano Índico, África Oriental e Mediterrâneo. Com US$ 1 trilhão em investimentos, o BRI abrange 140 países, segundo o Banco Mundial, construindo portos, ferrovias e rodovias para impulsionar o comércio.

Na América do Sul, o BRI ganha contornos estratégicos. Países como Brasil, Peru e Chile participam com projetos de infraestrutura, como a Ferrovia Bioceânica, que pretende ligar o Atlântico ao Pacífico, reduzindo custos logísticos. A China já investiu US$ 70 bilhões na região, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), focando em portos — como o de Chancay, no Peru — e em energia renovável. O objetivo é ampliar o acesso a matérias-primas, como soja e minério, e fortalecer laços comerciais, embora preocupações com dívidas e impacto ambiental persistam.

Os objetivos globais do BRI são claros: expandir mercados, reduzir barreiras logísticas e promover desenvolvimento. Projetos como a ferrovia China-Paquistão e o porto de Gwadar ainda enfrentam desafios, como atrasos e dívidas. A escala é monumental: o BRI conecta 60% da população global e 35% do PIB mundial, conforme a agência Xinhua.

Financeiramente, o projeto mobiliza bancos estatais chineses e fundos multilaterais, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. Ambientalmente, há tensões: usinas a carvão financiadas em alguns países contrastam com as metas chinesas de neutralidade de carbono até 2060. Ainda assim, projetos solares e eólicos florescem na África e na Ásia.

A Muralha antiga, com suas escadarias íngremes, nunca deteve todos os invasores, mas moldou a identidade chinesa. O BRI é uma muralha de conexão, não de defesa, tecendo uma teia de aço e asfalto que une continentes.

Essa nova muralha não separa, mas abraça o mundo, porto por porto, trilho por trilho. Como a Muralha antiga, que resistiu a dinastias e tempestades, o BRI constrói um futuro em que a China não apenas sobrevive, mas redesenha o globo. A grandeza, afinal, não se mede em décadas, mas em eras.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.