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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

203 artigos

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Grilhões do presente

Tempos de indiferença com relação ao sofrimento dos outros custam um preço. O sainte ocupante do Palácio do Planalto lavou as mãos

Jair Bolsonaro no Palácio do Alvorada - 11.12.2022 (Foto: Reprodução/Facebook)
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Um momento histórico não representa apenas um movimento, distinguível entre outros. Não é assim que funciona para o analista ou o historiador. Aparece diante dele como a superfície de um mar, um oceano, no qual fluxos e contrafluxos, misturados a correntes díspares, ora dão impressão de se dirigir para um lado, ora para outro, antes de alcançar a praia. Às vezes, são as trevas que ofuscam a visão. Mas também a claridade surge, em contrapartida, para estabelecer nuances que antes não percebíamos. O momento atual da política brasileira, saindo das sombras e entrando num teatro de iluminações, coloca-se diante de nós graças ao pleito eleitoral, como um salto para diante. Afinal, expandimos a ideia de que os sistemas democráticos constituem as chaves que verdadeiramente podem nos orientar. 

Nada mais difícil, no entanto, para quem sai das trevas, do que ver e valorizar o sol. Por um lado, envenenou-nos o vício das certezas negativas, no caso personalizadas por Jair Bolsonaro e seu governo trágico. Por outro lado, num intervalo entre uma administração e outra, já que Lula ainda não tomou posse, testemunhamos os efeitos sistemáticos da militância belicista e brutal com que grupos estimulados por lideranças inconformadas insistem em perturbar a ordem e incendiar automóveis. Brasília, por causa disso, se transformou numa praça de guerra, na qual baderneiros passeavam pelas ruas com latas de combustível prontos a entrar em ação. É duro supor que ainda possuem adeptos, mas possuem.  

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Toda esta situação, mais as discussões em função de propostas do novo governo, despertando a animosidade de nostálgicos e atrasados, traz à mente o filme de Orson Welles, Grilhões do passado (no original, Confidential report), de 1955, no qual um jornalista, contratado por um milionário desmemoriado, se esforça para desvendar seu passado. Arriscada missão. Quando descobrir, passará de perseguidor a perseguido. Entre nós, não se insinua tão complexo decifrar o que houve e punir os responsáveis por condutas perniciosas do ponto de vista dos interesses nacionais. Mesmo assim, interesses incrustados na pele dos acontecimentos garantem leques de cumplicidades, sem excluir identidades ideológicas que apoiaram durante os quatro anos passados as razões da nossa pobreza. Curiosamente, mal o novo governo enuncia intenções e já importantes órgãos da impressa corporativa, como Folha de São Paulo e O Globo, levantam-se com a ferocidade de suas conhecidas posições. 

Contudo, é certo que a miséria nas ruas aumentou. Tempos de indiferença com relação ao sofrimento dos outros custam um preço. O sainte ocupante do Palácio do Planalto lavou as mãos atribuindo total confiança ao seu ministro da fazenda. Não olhou, não piou. Agiu como na epidemia. Mortos e doentes? Eles existem sempre, pensava, rindo, consigo e com os amigos. No entanto, gente de carne e osso não gosta de ser ignorada. Grilhões do presente têm de ser rompidos.

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