Guerra ao crime organizado: conivência e incompetência
Que o presidente da Câmara dos Deputados tenha a dignidade de tratar com zelo a proposta reformulada
Pelas ruas do Rio de Janeiro, dezenas de mortos, cuja identificação ainda está em curso. Esfriada, agora, que a grande mídia trocou de assunto. Se cinco são policiais, quantos são bandidos que deveriam ter sido presos, quantos foram mortos em acerto de contas e quantos são cidadãos que apenas estavam no lugar errado na hora errada? É uma guerra, e na guerra a primeira vítima é a verdade.
Frente ao impacto da ação policial no Rio de Janeiro, a população emitiu um sinal de aprovação, segundo pesquisa de opinião no calor dos acontecimentos. Mas, com o desenrolar da investigação, as denúncias de abusos, o descompasso entre o número de mandados e o de presos e mortos, a letalidade de um Estado que se supõem ser justo, não vingativo, e a própria comunicação do governo federal, a euforia será substituída pela realidade. É a esperança ainda. A polícia que mata bandido, mata todo e qualquer cidadão também. Agentes do crime são facilmente substituídos; já o dinheiro que o financia, sendo confiscado, dificulta a criminalidade. Sabe-se tanto sobre as áreas de influência das milícias e facções, sobre seus líderes e valores movimentados, a forma como achacam os moradores, as rotas de tráfico de drogas e armas, além da estrutura montada dentro e fora de presídios, que causa espécie a falta de uma ação efetiva e rápida para, pelo menos, mitigar o crime organizado no país. Ou é pura incompetência do Estado – em vários níveis e esferas – ou é conivência descarada. Os gestores da segurança no Rio de Janeiro, dentro de seus gabinetes com ar condicionado, atentaram que equiparar as facções criminosas a grupos terroristas significaria, por exemplo, impedir que habitantes da região possam tirar visto e viajar para países que controlam tais grupos, como os Estados Unidos.
Além do discurso fácil da matança e da falta de clareza em relação a quais bandidos procurados foram realmente presos na ação violenta, resta o sarcasmo de usar a criminalidade como plataforma política, fazendo equivaler disparos em massa nas redes sociais a disparos a bala na massa de moradores. Por fim, em razão de sua função e posição, Hugo Motta fez um necessário apanhado da tramitação do que foi originalmente chamado de Lei Antifacção em artigo para o Estadão há um mês (“Câmara deu resposta ao crime organizado”, 25/11). Porém, a própria existência de múltiplas versões daquele texto advindas de quem teria um melhor entendimento técnico da matéria mostrou que o assunto não estava – e talvez ainda não esteja – pacificado. Por exemplo, não é o tempo maior de prisão que coíbe a alta cúpula da criminalidade, nem mudar o tipo penal que resulta na maior segurança.
Estrangular financeiramente as facções, sim, como reiteradas vezes foi afirmado, mas esse é, ainda, um dos pontos a ser melhorado no projeto de lei, já revisto e aprimorado no Senado. Que o presidente da Câmara dos Deputados tenha a dignidade de tratar com zelo a proposta reformulada, respeitando o que ele próprio afirmou no texto.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

