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Josué Silva Abreu Júnior

Psicólogo e doutor em Antropologia

15 artigos

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Guerra na Ucrânia: Um ponto de vista político e histórico

O governo autoritário da ucrânia parece estar disposto a sacrificar a vida de milhares de ucranianos para não reconhecer as repúblicas de Luhansk e Donetsk

Volodomyr Zelensky, presidente da Ucrânia (Foto: Reprodução)
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No dia 24 de fevereiro, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou o início da chamada Operação Militar Especial na Ucrânia. Tal operação é, de fato, uma guerra contra o governo do país vizinho. A Rússia exige que a Ucrânia reconheça as repúblicas separatistas de Luhansk e Donetsk, a anexação da Criméia pela Rússia, a não adesão da Ucrânia para União do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), assim como a desmilitarização deste país. Os russos também afirmam que buscam a desnazificação da Ucrânia, o que gera estranheza na mídia ocidental. A noção de nazismo caiu no senso comum e é utilizada muitas vezes como uma forma de diminuir moralmente uma pessoa. No entanto, tal regime possui contornos próprios e características marcantes que tornam possível sua definição. O antisemitismo, a construção de campos de concentração, o líder carismático, o fechamento de partidos políticos, a crença na supremacia branca, o nacionalismo, o controle da mídia e o uso de símbolos como a suástica, o sol negro, a cruz de ferro, dentre outros.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Ucrânia fazia parte da União Soviética (URSS) e foi invadida pela Alemanha nazista. A maior parte dos ucranianos lutaram a favor da URSS, no entanto, a Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), liderada por Stepan Bandeira, apoiou as tropas de Hitler e trabalhou em favor dos nazistas em campos de concentração, na esperança de lograr a independência frente à URSS. Alguns meios de comunicação suavizam as características nazistas deste movimento, sob o argumento de que este só se associou a Hitler para construir um país independente. Os mesmos argumentos são utilizados em defesa dos nacionalistas finlandeses da época.

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Com o fim da Segunda Guerra Mundial, ocorreu a desnazificação da Alemanha e de outros países que apoiaram o regime nazista. Os nazistas que cometeram crimes graves foram julgados e tiveram penas mais pesadas, embora nem sempre, enquanto os simples participantes do partido tiveram penas brandas, como o serviço comunitário. Os juízes eram em grande parte estrangeiros, uma vez que os juízes alemães tendiam a abrandar as penas ou absolver o réu. Porém, ao longo dos anos, com a mudança nas leis alemãs, os juízes deste país voltaram a julgar, atenuando as penas dos réus nazistas. Após cumprirem suas penas, muitos nazistas condenados voltaram a atuar em postos elevados da política alemã e de outros países. Como resultado, vimos o crescimento de diversos partidos políticos de inspiração nazista na Europa e nos Estados Unidos. Alemanha, Ucrânia, Reino Unido e Estados Unidos constam entre os países com maior influência de grupos neonazistas. Na Rússia, os movimentos neonazistas não possuem a mesma popularidade. Além disso, enquanto parte dos críticos caracteriza Putin como nazista ou fascista que não tem legitimidade para falar de desnazificação, outros apelam para um suposto desejo do Kremlin de voltar à antiga União Soviética comunista. Embora a Rússia não seja comunista, suas tropas parecem mais identificadas com o exército vermelho que com as tropas de Hitler. A derrota da Alemanha nazista é vista como um grande trunfo para os militares russos. 

Na década de 1990, com o fim da URSS, a Ucrânia e outros países soviéticos se tornaram independentes. Além de se tornarem países independentes, Rússia e Ucrânia abandonaram o regime comunista e se tornaram democracias liberais, ao menos em teoria. Nos acordos de independência, foi combinado que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), liderada atualmente por Estados Unidos (EUA) e União Europeia (UE), não iria se expandir para o leste. Este acordo era de interesse da Rússia, pois, desta forma, este país protegia as suas fronteiras de possíveis invasões do ocidente. Apesar do acordo, a Ucrânia foi se aproximando da UE e da OTAN, por meios nem sempre democráticos.

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O primeiro presidente eleito da Ucrânia, após a independência, foi Leonid Kravchuk, em 1991. No mesmo dia em que Kravchuck foi eleito, os soviéticos votaram pela manutenção da União Soviética em um referendo. Kravchuck exercia o governo do país desde 1990, embora o cargo de presidente não existisse. Durante esta época, ele participou do movimento de independência da Ucrânia em relação à URSS. Em 1994, após manifestações da oposição, que denunciavam sua política econômica malsucedida, Karvchuck renunciou, e antecipou as eleições. Embora tenha se lançado novamente como candidato, foi derrotado por Leonid Kuchma, que recebeu forte apoio do leste e do sul. Durante o governo Kuchma, as relações econômicas entre a Ucrânia e Rússia foram retomadas. Kuchma foi reeleito em 1999. Durante seu segundo mandato ele anunciou que a Ucrânia firmaria um acordo de associação com a UE e que o país cumpriria os critérios de adesão até 2011, ao mesmo tempo em que assinou um “Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria” com a Rússia. Também assinou uma parceria com a OTAN e levantou a possibilidade de adesão do país ao bloco. Em 2003, as forças armadas da Ucrânia participaram da invasão do Iraque. Nas eleições de 2004, Kuchma apoiou o seu primeiro ministro, Viktor Yanukovych, que foi eleito. No entanto, a chamada Revolução Laranja impediu Yanukovych de tomar posse. Os partidários de Yanukovych, no leste, ameaçaram se separar da Ucrânia caso os resultados não fossem reconhecidos. A Suprema Corte anulou as eleições e, após novo pleito, o opositor Viktor Yushchenko (derrotado nas primeiras eleições) foi eleito. Em 2005, Yushchenko demitiu todos os seus ministros e, em 2008, dissolveu o parlamento, formado, em sua maioria, por partidários de Yanukovych. 

Em 2010, Yanukovych foi novamente eleito e, dessa vez, chegou a tomar posse. Yanukovuch aproximou a Ucrânia da Rússia e encolheu as forças armadas ucranianas. Em 2013, suspendeu as negociações de adesão da Ucrânia à UE, o que gerou uma onda de protestos violentos que resultaram em combates entre manifestantes e as forças de segurança do governo. A violência foi tanta que, Yanukóvych assinou um acordo com a oposição para realizar novas eleições e deixou o país, indo se refugiar na Rússia. Os parlamentares o depuseram oficialmente, sob o argumento de que havia deixado o país, de forma análoga ao que ocorreu com João Goulart no Brasil, em 1964. Embora o presidente tenha deixado o cargo e o país coagido pelos protestos violentos, o governo interino abriu um processo contra Yanukóvych, acusando-o de “assassinato em massa de cidadãos pacíficos”. Ainda em 2014, o presidente deposto se refugiou na Rússia e apareceu para a imprensa afirmando que a Ucrânia "está em mãos de um grupo de ultranacionalistas e neofascistas" que querem "provocar uma guerra civil”. Afirmou, igualmente, que as eleições convocadas eram ilegais. Como resultado do golpe de estado, os movimentos separatistas da região de Donbass (que inclui Luhask e Donetsk) e da Criméia, formados por russos étnicos em sua maioria, empreenderam combates que os levaram ao controle efetivo destes territórios. Luhansk e Donetsk se proclamaram repúblicas independentes ao passo que a Criméia foi anexada à Russia. É preciso considerar, neste contexto, que mais de 90% da população da Criméia foi a favor desta anexação que não ocorreu de forma pacífica.

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As eleições forçadas levaram ao poder o empresário bilionário do setor agrário, Petro Poroshenko, ao passo que grupos neonazistas, como o Batalhão Azov, começaram a ganhar corpo no combate contra os separatistas. Ao longo dos anos, o Batalhão Azov se tornou parte oficial das Forças Armadas da Ucrânia, assim como constituiu uma ala política que disputa eleições. É curioso que um dos membros proeminentes desta organização antissemita seja Nathan Kazin, líder das “centenas judaicas” durante as manifestações de 2013 na Ucrânia. No entanto, mais de quarenta ativistas israelenses dos Direitos Humanos assinaram uma petição contra o fornecimento de armas de Israel para a Ucrânia, uma vez que algumas destas armas serão destinadas ao Batalhão Azov. Diversos participantes do Azov são declaradamente antissemitas. O emblema deste batalhão contem o símbolo nazista, conhecido como anjo do lobo. Alguns membros utilizam símbolos como a suástica e o sol negro em suas fardas, além de terem estes símbolos tatuados no corpo. 

Em 2019, o comediante, de origem judaica, Volodymyr Zelensky foi eleito presidente da Ucrânia. Ao estilo de Bolsonaro, Zelensky fez sua campanha, em grande parte, pelas redes sociais. Como ator conhecido, possuía muitos seguidores em diversas plataformas. Zelensky sempre se colocou como um anti-sistema. Um dos seus principais personagens era um professor de história que, acidentalmente, se tornou presidente. Sua vitória também foi vista como uma resposta à corrupção existente nos governos anteriores, incluindo o de Poroshenko. Zelensky também defendia a adesão da Ucrânia à OTAN e à UE. Antes de assumir a presidência, Zelensky afirmava que buscava o fim da guerra no leste do país e que sua tarefa número um era “trazer de volta todos os nossos prisioneiros de guerra”. No primeiro dia de seu mandato, Zelensky dissolveu o parlamento ucraniano. Neste mesmo ano, o batalhão Azov foi acusado pela Human Rights Watch e pela Anistia Internacional de administrar campos de concentração no Aeroporto de Mariupol. Mais tarde, o Conselho de Segurança da Ucrânia impôs sanções ao canal TV Nash, por considerar suas posições como alinhadas ao ponto de vista russo sobre a Ucrânia.

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Os golpes de estado realizados pela direita ucraniana em 2005 e 2014, que impediram Yanukovich de governar, levaram a Ucrânia a uma aproximação forçada com a UE e com a OTAN. Esta aproximação ameça a soberania territorial da Rússia. As seguidas dissoluções de parlamento, realizadas por Yushchenko e Zelensky também acentuaram os conflitos. Neste sentido, é possível supor que a Ucrânia, a OTAN, a UE e os EUA provocaram deliberadamente a Rússia a realizar operações militares no território ucraniano. Logo nos primeiros dias de guerra, a Rússia deu suporte às regiões separatistas, conquistou cidades importantes do país, assim como cercou Kiev, Mariupol e Odessa. Atualmente o Mar Vermelho está dominado por navios russos. No dia 18 de março, as tropas Russas conquistaram o aeroporto de Mariupol e afirmam ter libertado os reféns que eram mantidos no campo de concentração do Batalhão Azov. Circulam vídeos mostrando locais comandados por batalhões neonazistas nos quais pessoas acusadas de saqueamento são amarradas em postes e açoitadas. Com o início da guerra, Zelensky decretou a lei marcial que se estende à imprensa, forçando os canais de televisão a se dedicarem principalmente aos “informativos”. Em rede nacional, militares e jornalistas ucranianos ameaçam crianças e mulheres russas, assim como indicam a castração dos militares capturados. De forma análoga à mídia ocidental, a TV ucraniana cria uma falsa sensação de vitória na guerra, o que estimula civis inexperientes a pegarem em armas e irem para as frentes de batalha para descobrirem, da pior maneira possível, que foram enganados. Enquanto aproximadamente 4 milhões de pessoas deixaram o país, o governo ucraniano não permite que homens entre 18 e 60 anos se refugiem. O governo autoritário da ucrânia parece estar disposto a sacrificar a vida de milhares de ucranianos para não reconhecer as repúblicas de Luhansk e Donetsk e a anexação da Criméia pela Rússia. O governo tampouco parece disposto a desnazificar as forças armadas, o que dirá desmilitarizar o país. 

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