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Alex Solnik

Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"

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Há 35 anos Bolsonaro foi preso pela primeira vez

Dossiê do Exército revela insubordinação, ameaças de morte e de bombas e afagos do general Newton Cruz

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Há exatos 35 anos, no dia 2 de setembro de 1986, o capitão de artilharia do 8o. GAC/PQDT, Rio de Janeiro/RJ, Jair Messias Bolsonaro foi preso pela primeira vez.

Um dos motivos: “ter elaborado e publicado em uma revista semanal (“Veja” - semana 03OUT86), sem conhecimento e autorização de seus superiores, artigo em que tece comentários sobre a política de remuneração do pessoal civil e militar da União”.

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A informação consta do dossiê com o carimbo “secreto”, elaborado pelo CIE (Centro de Informações do Exército), sob o título Informação no. 394, encaminhado, a 27 de julho de 1990, ao general Jonas de Morais Correia Neto, ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, a mais alta autoridade militar à época.

É, na realidade, um prontuário que narra, em 55 páginas, as transgressões do capitão dentro das quatro linhas do quartel entre setembro de 1986 e agosto de 1989 e mostram que já então - arrogante, aético, mentiroso, dissimulado, chantagista, incendiário e hostil - agia e se comportava como hoje.

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01SET86

A imprensa publicou um artigo do epigrafado com o título “O salário está baixo”, onde aborda a evasão de 80 cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, segundo o autor, “descontentes e sem perspectivas”. “Agora na Nova República novamente sofremos uma grande perda salarial: a maioria dos trabalhadores, através das lutas sindicais que nos são expressamente proibidas, gozava de adiantamentos, trimestralidade, bônus e outros ganhos que foram incorporados aos salários. Como não tínhamos esse privilégio, perdemos novamente o equivalente a três meses de inflação, época em que ela corroía consideravelmente o poder aquisitivo da população”.

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(No artigo, Bolsonaro também afirma que dezenas de militares haviam sido expulsos por “homossexualismo, consumo de drogas e uma suposta falta de vocação para a carreira”. “Em nome da verdade é preciso esclarecer que, embora tenham ocorrido efetivamente casos residuais envolvendo a prática de homossexualismo, consumo de drogas e mesmo indisciplina, o motivo de fundo é outro: mais de 90% das evasões se deram devido à crise financeira que assola a massa dos oficiais e sargentos do Exército brasileiro’” escreve Bolsonaro.)

01SET86 

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Repercutiram favoravelmente na grande maioria do público interno as declarações do epigrafado publicadas na revista Veja, particularmente no que diz respeito ao baixo salário auferido atualmente pelos militares. Na ECEME* chegou a ser marcada uma reunião de oficiais para tratar do assunto, mas foi posteriormente suspensa pelo comando da escola. Houve também reações contrárias à maneira pela qual o nominado divulgou suas declarações, isto é, através da revista Veja.  

*Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

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02SET86  

O relatório apresenta outros motivos para os 15 dias de prisão:

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Foi punido por ter abordado aspectos da política econômica e financeira do governo fora de sua esfera de atribuição e sem possuir um nível de conhecimento global que lhe facultasse a correta análise; por ter sido indiscreto na abordagem de assunto de caráter oficial, comprometendo a disciplina; por ter censurado a política governamental; por ter ferido a ética, gerando clima de inquietação no âmbito da OM e da Força e por ter contribuído para prejudicar o excelente conceito da tropa paraquedista no âmbito do Exército e da Nação (NR 63, 65, 66, 68 e 106 do Anexo 1, com as agravantes do NR 2 e letra “c” do NR 6 do artigo 18, tudo do RDE, transgressão grave, fica preso por 15 dias).   

03SET86

As esposas dos oficiais da ESAO reuniram-se hoje, na quadra de esportes do conjunto residencial daquela escola. Entre os assuntos abordados, destacam-se o enaltecimento do epigrafado, citado como exemplo para a continuação da campanha em prol de melhores vencimentos e a crítica aos oficiais generais do Exército que, segundo elas, ‘não estão ligando para a situação aflitiva dos capitães porque vivem com muitas mordomias e muitas vantagens.

05SET86

Na Praça São Tibúrcio, RJ, reunião de mulheres, esposas de militares. O assunto foi essencialmente o de vencimentos dos militares e apoio ao nominado.

10SET86

A esposa do epigrafado concedeu entrevista à revista Veja, a qual deverá ser publicada num próximo número da referida revista.

19SET86

Têm surgido algumas manifestações de solidariedade por parte de militares, civis e até políticos  interessados em conturbar o ambiente castrense.

25SET86

Quanto às consequências do ato praticado pelo epigrafado, todos já esperavam a punição que lhe foi imposta, uma vez que feriu os dois sustentáculos básicos da carreira militar: a disciplina e a hierarquia.

30SET86

No Colégio Militar de Porto Alegre, os reflexos da publicação foram extremamente negativos. Na reunião de pais e professores da 3a série do 2o grau realizada no dia 04SET86, uma grande preocupação foi manifestada em diversas oportunidades, mormente pelos pais daqueles candidatos à AMAN. Candidatos à AMAN tiveram suas convicções abaladas pelo referido artigo.

09OUT86

Os comitês central e regional do PCB e do PC do B emitiram instruções no sentido de que seus militantes explorassem ao máximo o descontentamento salarial dos militares, criado a partir da entrevista do nominado.  

A transgressão número 2 ocorreu no ano seguinte, em outubro de 1987, como narra o prontuário:

A repórter Cassia publicou na revista Veja no. 999, de 28OUT87, matéria na qual faz alusão a uma chamada operação ‘Beco sem saída’, de responsabilidade do então capitão Jair Bolsonaro, aluno da ESAO. Esta operação estava relacionada com a explosão de bombas em lugares estratégicos.

(“Pôr bombas nos quartéis, um plano na Esao” é o título da matéria que menciona a Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais, e denuncia os alunos Bolsonaro e outro militar, chamado Fábio. Diz um trecho: “Sem o menor constrangimento, Bolsonaro deu uma detalhada explicação sobre como construir uma bomba-relógio. O plano dos oficiais foi feito para que não houvesse vítimas. A intenção era demonstrar a insatisfação com os salários e criar problemas para o ministro (do Exército) Leônidas Pires Gonçalves. De acordo com Bolsonaro, se algum dia o ministro do Exército resolvesse articular um golpe militar ‘ele é que acabaria golpeado por sua própria tropa, que se recusaria a obedecê-lo’, ‘Nosso Exército é uma vergonha nacional e o ministro está se saindo como um segundo Pinochet’”. O curioso é que “a intenção de criar problemas para o ministro” é a mesma do atentado frustrado no Riocentro, de 30 de abril de 1981, que era criar problemas para o general Figueiredo conduzir a abertura política e no qual esteve envolvido o general Newton Cruz que, como veremos adiante, era próximo de Bolsonaro.)   

26OUT87

Ao tomar conhecimento da reportagem da revista Veja no.999, de 28OUT87, nas páginas 40 e 41, o nominado declarou ao Coronel Adilson Garcia do Amaral que considerava uma fantasia a matéria publicada. O oficial declarou que conhece a repórter Kássia, tendo-a visto algumas vezes na Vila Militar/ Rio de Janeiro, sendo por ela abordado somente um vez, ocasião em que orientou que a mesma procurasse o general comandante da ESAO e o entrevistasse a respeito dos oficiais. Acredita que o real objetivo da matéria publicada seja o de procurar vender a revista “doa  quem doer”.

(Na edição seguinte de Veja, no. 1000, de 4 de novembro de 1987, a revista rebate esse e o desmentido do ministro do Exército, que afirmara que “os dois oficiais envolvidos negaram por escrito, de próprio punho, qualquer veracidade daquela informação”. Na matéria intitulada “De próprio punho”, Veja afirma que “o ministro do Exército acreditou em Bolsonaro e Fábio, mas eles estavam mentindo”. “Entre os dias 6 e 21 de outubro, quando lhe confirmou a existência da Operação Beco sem saída, Bolsonaro encontrou-se com a repórter quatro vezes e nessas conversas queixou-se do comando, do ministro Leônidas, do presidente José Sarney e da vida”. Além disso, Veja publicou dois croquis desenhados por Bolsonaro à vista da repórter (e devidamente periciados), um dos quais mostrando uma bomba-relógio ligada à tubulação da adutora de Guandu, que abastecia de água o Rio de Janeiro.) 

16NOV87

As averiguações realizadas não conseguiram elidir a dúvida que paira sobre a conduta do nominado, embora não existam elementos para abertura de IPM (indícios de crime militar).

18NOV87

O Sr Ministro do Exército determinou que o nominado fosse submetido ao Conselho de Justificação.

18NOV87

Documento solicita informar o que consta sobre o envolvimento do nominado no ano de 1983, com relação a transações no garimpo de ouro.

24NOV87

Sobre a reportagem publicada na semana passada, a repórter Kássia  Maria ouviu referências às bombas da Operação Beco Sem Saída, acompanhadas da ressalva de que elas não deveriam ferir ninguém. Assim, o croquis do nominado, caso fosse publicado (na primeira reportagem), seria um exagero. Sua publicação agora (na segunda matéria) destina-se a provar que o nominado mentiu ao dizer que não falou com a repórter.

(Essa menção de que as bombas não deveriam ferir ninguém também remete ao atentado de 1981. O general Newton Cruz declarou, na época, que a bomba no Riocentro seria “só para assustar”.)

30NOV87

O BRE no.11/ SGEX publica que o nominado seja submetido a Conselho de Justificação “ex-officio”.

30NOV87

O BOL Res ESAO exclui o nominado do estudo efetivo da escola, permanecendo adido à disposição do Conselho de Justificação.

29DEZ87

A jornalista Cássia Maria, autora da reportagem denunciando a existência de um complô de capitães que pretendiam explodir bombas em quartéis do exército, afirmou, durante depoimento no Conselho de Justificação a que responde o nominado ter recebido uma ameaça de morte do Cap Bolsonaro minutos antes de iniciar seu depoimento.

01DEZ87

“O exemplo começa em casa” é o título da carta apócrifa recebida por oficiais do campo discente, docente e administrativo a respeito do nominado. 

Os assuntos tratados são pesados, do pessoal ao profissional, como diria Faustão. Um dos trechos diz: “Ao invés de fazer croquis de bombas, escreva quantas vezes você foi ao Paraguai trazer muamba e sobre os seus problemas no Mato Grosso”.

Embora os outros temas sejam escabrosos, os agentes do CIE foram atrás, checando nomes, veículos e locais denunciados pelo acusador anônimo. Concluíram que eram verdadeiros. Mas os fatos apresentados jamais foram elucidados.

06JAN88

Em declarações à imprensa, o nominado negou que tivesse dado entrevista a Cassia Maria, na semana passada.

04ABR88

A defesa apresenta suas razões ao presidente do STM, requerendo anulação do Conselho de Justificação instaurado contra si.

06ABR88

O Exmo Sr Ministro do Exército, considerando que “o justificante, em suas razões de defesa não conseguiu elidir as acusações que lhe foram feitas, o Conselho de Justificação, por unanimidade, julgou-o culpado”.”Nos autos do processo constam evidências que permitem ratificar o parecer do Conselho de Justificação e considerar o nominado não justificado” concluiu o Sr Ministro.

24JUN88

O STM* reuniu-se no dia 16JUN88 para julgar os autos do Conselho de Justificação. A advogada Elizabeth Diniz Martins Souto pediu a anulação do Conselho, sendo rejeitada por unanimidade. O tribunal, ao analisar o mérito dos autos, julgou, por maioria dos votos (9X4) o nominado não culpado.

*Superior Tribunal Militar

30JUN88

Após a decisão do STM, passou a remeter correspondência aos capitães concludentes do CAD/87, pretendendo dar maior divulgação à sua absolvição.

12JUL88

Há cerca de um mês, o nominado entrevistou-se com o ex-presidente João Batista de Oliveira Figueiredo. No dia 7JUL88 o nominado encontrou-se com  um grupo de CAP AL do curso de Infantaria IESAO, na Churrascaria Marlene, em Marechal Deodoro, onde manifestou sua intenção de continuar pronunciando-se publicamente a respeito de assuntos ligados ao Exército, particularmente sobre vencimentos. Pretende realizar manifestações com interesses políticos.

29JUL88

Tem dito a militares de seu relacionamento que tem pronto um processo criminal, por calúnia, contra o Exmo Sr Ministro do Exército. Daria entrada no tribunal federal tão logo haja publicação do acórdão do STM que o absolveu.

29JUL88

Está lançando sua candidatura à Câmara Municipal do Rio de Janeiro pelo PDC. Sua base eleitoral seria o público interno descontente com os vencimentos.

23AGO88

Está distribuindo propaganda eleitoral de sua candidatura, através de cabos e soldados.

26SET88

Desenvolve campanha eleitoral intensa. Realizou em 24SET88 panfletagem em frente à ES COM, abordando praças. Tem sido visto nos bares da rua dos Abacates, em Deodoro, na companhia de militares. 

27SET88

Remete panfletagem onde se propõe a ‘defender os interesses dos cidadãos fardados.

28NOV88

O nominado foi eleito vereador pelo Rio de Janeiro/RJ, pelo PDC.

29NOV88

Imprensa publica reportagem cujo título aponta as felicitações de Figueiredo e Newton Cruz ao nominado.

28MAR89

O nominado entrou com mandado de segurança na Justiça Federal, pedindo o cumprimento do decreto-lei 2380 de 09DEZ87 que garante aos generais do Exército vencimentos iguais aos dos ministros do STM.

13MAI89

Em pronunciamento, o nominado faz críticas ao ministro do Exército.

30MAI89

Remete material de propaganda, com matérias de jornal, ao SGT Marcelo Felix Coelho de Oliveira referente à participação de militares na política. Em uma das reportagens ele diz que “Leônidas nunca se preocupou com o bem estar da sua tropa; os chefes militares sempre foram omissos”.

02JUN89

Enviou correspondência ao Clube dos Sargento anexando xerox das notas publicadas em ‘O Globo’ de 13ABR88: “Militares se organizam para lutar na política”.

08AGO89

A Diretoria de Especialização e Extensão e seus estabelecimentos de ensino vem sendo alvo de campanha política e eleitoreira por parte do nominado, que busca intitular-se defensor dos militares. Busca capitalizar simpatias para a próxima eleição, quando pretende candidatar-se a deputado federal.  

É espantoso que Bolsonaro tenha sido preso por escrever um artigo na “Veja” e absolvido por expor, ainda que de forma confusa e inexequível, um plano terrorista contra o estado.

De absolvição em absolvição por atos indecorosos, cruéis e desumanos, chegou à presidência da República.

E agora quer ser o imperador D. Bolsonaro I. Isso se não for preso antes. Pela segunda vez.

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