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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Henry Kissinger esteve aqui

Denise Assis relata o dia em que encontrou o “mago” das relações exteriores dos EUA: "o senhor é um assassino”

Henry Kissinger (Foto: Reuters/Annegret Hilse)
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Henry Kissinger faz 100 anos. Ao ler a notícia uma lembrança me assaltou. Há os que vão dizer que a história não aconteceu. Afinal, procurei nos jornais da época, dei um google e não encontrei nenhuma passagem do “mago” das relações exteriores estadunidenses em visita ao nosso país no final dos anos 2000. Nenhuma referência. Mas meninos, eu vi. Era talvez o ano de 2008.

Para nós, sua figura é sempre associada às conversas com Geisel e o ex-chanceler, Azeredo da Silveira, nos idos da ditadura. Ficou lá, naquele passado sombrio. Para mim, seu nome grudou numa tarde calorenta no aeroporto de Brasília, de onde eu retornava de um dia de trabalho intenso. 

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A despeito de como vai soar, veio à minha mente essa passagem com um dos homens mais poderosos das décadas de 1960/1970, tanto para o continente, quanto para o seu país, os Estados Unidos. 

Henry Alfred Kissinger, foi conselheiro de Assuntos de Segurança Nacional e secretário de Estado dos EUA nos governos Richard Nixon e Gerald Ford, de 1969 a 1976, quando o país travava uma guerra com o Vietnã, em que acabou derrotado. Foi o responsável pela formulação de políticas que influenciaram os principais acontecimentos geopolíticos da década de 70 e, como não mencionar, quem ordenou o bombardeio ao Camboja, numa área civil, matando 150 mil pessoas, principalmente mulheres e crianças. 

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O episódio foi denunciado pelo jornalista e funcionário do Pentágono, Daniel Ellsberg, em 1971, que alegou em sua defesa: “O público americano precisava saber com urgência o que estava sendo feito rotineiramente em seu nome, e não havia outra maneira de eles saberem do que por divulgação não autorizada”, disse ele em seu depoimento por escrito. Ellsberg é testemunha de defesa no processo movido pelos EUA contra o também jornalista e fundador do Wikleaks, Julian Assange, autor das denúncias de torturas daquele país, no Iraque. Tal como Assange, também ele Ellsberg enfrentou por décadas a perspectiva de prisão, depois de vazar mais de 7 mil páginas de documentos confidenciais para a imprensa, incluindo The New York Times e The Washington Post. Chegou a ir a julgamento por 12 acusações em conexão com violações da Lei de Espionagem, puníveis com até 115 anos, mas foi inocentado, em 1973, por má conduta do governo contra ele.

Kissinger foi o mentor intelectual do golpe contra Salvador Allende, no Chile, que resultou em milhares de mortes e desaparecimentos. No início dos anos de 1970, até a posse de Jimmy Carter - presidente mais zeloso do que os seus antecessores pelos direitos humanos -, pediu para sair do cargo de secretário de Estado. 

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No Brasil, estabeleceu diálogo frequente com o chanceler Silveira, fomentando, financiando e incentivando a repressão na ditadura. Seu plano era fazer do nosso país uma espécie de “satélite” no continente Sul-Americano. Chegou mesmo a defender a ideia estapafúrdia de que desenvolvêssemos armas atômicas, uma forma de o Brasil se fortalecer como “defensor” dos EUA na região. O todo poderoso enriqueceu montando uma consultoria e viveu para contar, à sua moda, em livros, a sua trajetória.

Pois naquela tarde, (devia ser final de ano, pois o aeroporto estava lotado, e o calor era forte), sozinha à espera do meu voo, ouvi o alto-falante chamar o seu nome: “senhor Henry Kissinger, compareça ao local de embarque. Senhor Henry Kissinger, compareça ao local de embarque”. 

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Não acreditei que o nome anunciado e o personagem histórico fossem a mesma pessoa. Agucei a atenção e de um pulo me pus próxima às esteiras de raio X. Não demorou para que eu o avistasse, ladeado por dois “marines” garbosamente fardados. Esperei. Mesmo que quisesse sair dali os meus pés estavam colados ao chão. 

Quando ele tentou passar pelo estreito corredor com o seu corpanzil compacto, eu o encarei o mais próximo que pude e disparei, olhando nos olhinhos miúdos e azuis, por trás das lentes de fundo de garrafa: “assassino. O senhor é um assassino”. Disse baixo o bastante para não chamar a atenção dos dois brutamontes que o acompanhavam, mas legível o suficiente para que ele ouvisse. E ele ouviu. Deu uma meia parada, não desviou o olhar, mas pelo seu rosto de pele branca subiu um rubor. Na testa, talvez pelo calor, havia gotas de suor. As orelhas ficaram pink e ele passou, rápido, enquanto os marines pegavam a sua maleta no final da esteira. As minhas pernas tremeram, mas o meu coração, aos pulos, estava feliz.

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É inacreditável, mas Kissinger recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1973, pelo fim da guerra do Vietnã e a retomada das relações diplomáticas com a China, além do tratado que limitou o número de armas nucleares estratégicas para a União Soviética. 

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