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Eder Martins

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História brasileira - uma dialética da escuridão

Em uma sociedade tão profunda e historicamente desigual a existência de alguma mobilidade social só não entra em atrito violento com a vida se permanecer como mito

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Custou-me muito tempo, algum estudo e vários acidentes biográficos a superação, parcial, de meu determinismo com a História. Percebi, muito lentamente, a beleza e importância da vida vivida, dos recortes miúdos, da pequena liberdade que se realiza esmagada entre conjuntos de determinações. Permaneceu, entretanto, a ambição, que sei irrealizável, de conseguir escrutar os grandes movimentos de Clio. Não tendo a genialidade de Marx ou Darwin, capazes, por formas bastante diversas, de empreitadas de tal natureza, me resta o recurso as metáforas, para preencher, com sua imprecisão, as lacunas gigantescas de meu conhecimento.

Num delírio que se deseja dialético fico pensando a história recente do Brasil como um conjunto de dias e noites de durações muito variáveis. Partindo da convicção de que a grande questão brasileira foi e permanece sendo a distribuição brutalmente desigual da riqueza e do poder político, penso perceber como dias os períodos em que projetos distributivistas, de riqueza ou poder, foram vigorosos a ponto de obter realizações significativas, embora sempre parciais, de sua plataforma. Numa leitura panorâmica tudo é noite, tempos de concentração de riqueza e poder. Faz-se importante, então, escrutinar os matizes da escuridão.

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Aprofundando mais a responsabilidade da metáfora é possível dizer que o dia nasceu, para os de baixo, durante o populismo de Getúlio, na década que antecedeu o golpe civil-militar de 1964 e durante os 14 anos de governo petista dos quais somos contemporâneos. Sei que a grande fragilidade de meu delírio reside no fato de que as parcas luzes que brilharam não foram capazes de penetrar os motivos da escuridão e não o fizeram porque aqui, como em quase todos os lugares, o dia e a noite negociam. Embora isso mais recentemente me aflige uma preocupação de outra natureza, a de que aqui a luz queima.

Em uma sociedade tão profunda e historicamente desigual a existência de alguma mobilidade social só não entra em atrito violento com a vida se permanecer como mito. Como sonho a possibilidade de ascensão anestesia as dores da noite e permite suportar, por algum tempo, as misérias da escuridão, como realidade, mesmo que tímida como nos períodos propostos, ela se choca com um mundo organizado nas trevas.

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A luz tira o significado de muitos elementos, materiais, culturais e subjetivos, que dão significado à vida durante as longas noites que são, por aqui, a maior parte do que se vive. Instala-se então uma espécie de desconforto com o dia, principalmente entre os maiores beneficiários das noites, mas que dependendo das condições societárias presentes acaba por afligir também grande parte dos beneficiários da luz.

Fosse meu delírio acertado seria, me parece, inevitável concluir que o motivo do grande desconforto que sinto diante da presente conjuntura é resultado de nosso esforço para esticar a barra do dia dia mais longo de nossa história e de um imperativo que me recuso a aceitar: é hora de permitir, dialeticamente, que a noite caia. Temo que só a pedagogia da noite construa as condições para uma nova alvorada. Retorno à realidade assustado, lembro-me então da falta de substância de minha metáfora e irracionalismo por irracionalismo escolho aferrar-me ao de Maiakovski "Iluminar para sempre... Iluminar tudo... Até os últimos dias da eternidade... iluminar e só... Eis o meu lema e o do sol."

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