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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Hoje, 5 de junho, Lula inscreve o Brasil na história francesa

Lula será celebrado pela Academia Francesa, propondo uma palavra para o dicionário. Sua luta e a cultura brasileira brilham

Lula (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Neste 5 de junho de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cruzará as portas do prédio histórico da Academia Francesa, às margens do rio Sena, em Paris. A sessão solene, parte de sua visita de Estado, marcará um feito raro: Lula será o segundo brasileiro a receber tal honraria, após o imperador Dom Pedro II, em 1872.

Fundada em 1635 pelo Cardeal Richelieu – e não por Voltaire, como às vezes se imagina –, a Academia Francesa, liderada pelo escritor Amin Maalouf, celebrará Lula como membro honorário. Ele participará de um ritual singular: propor uma palavra para debate, que, se inédita e aceita, será inscrita no Dictionnaire de l’Académie com menção à sua autoria.

A cerimônia, reservada aos 40 “imortais”, será um diálogo entre nações. A linguagem, nesse contexto, emerge como um elo vital para a solidariedade global, unindo povos em um mundo dividido.

Cinco palavras brasileiras para o Dicionário Francês - A tradição da Academia Francesa de convidar um homenageado a propor uma palavra é uma oportunidade única para Lula deixar sua marca na língua francesa. Uma análise do Dictionnaire de l’Académie Française revela a ausência de termos brasileiros que capturam a essência de sua trajetória de resistência e luta.

Cinco palavras, profundamente enraizadas no Brasil, poderiam ser apresentadas: “resiliência”, que reflete sua capacidade de superar pobreza, repressão e prisão política; “comunalidade”, um neologismo para expressar a união de comunidades pelo bem coletivo; e “esperançar”, verbo inspirado em Paulo Freire, que traduz a construção ativa da esperança.

Também se destacam “sindicalidade”, simbolizando o movimento operário que Lula liderou, e “justiça social”, conceito universal que, na formulação brasileira, carrega sua luta contra a desigualdade. Essas palavras, inéditas ou reinterpretadas, são pertinentes por sua capacidade de unir nações em torno de valores humanos, refletindo a vida de um líder que transformou adversidades em caminhos para o futuro.

A tradição da palavra na Academia Francesa - A Academia Francesa, com quase quatro séculos de história, é um pilar da língua e da cultura. Ela inspirou a criação da Academia Brasileira de Letras por Machado de Assis em 1897. Sua missão de preservar o francês e promover a literatura alcançou projeção global.

A tradição de convidar figuras eminentes para debater uma palavra em sessões solenes é um ritual de profundo simbolismo. O termo escolhido, se novo e aprovado, é registrado no Dictionnaire de l’Académie com crédito ao proponente, eternizando sua contribuição.

Para Lula, a palavra – possivelmente ligada à equidade ou à democracia – será debatida em um mundo que anseia por renovação. A escolha, ainda não revelada, é aguardada com expectativa, prometendo ecoar os ideais que guiaram sua trajetória de líder operário a estadista global.

Um evento histórico - A homenagem está marcada para as 15h de 5 de junho, no coração de Paris. Lula será recebido com honras protocolares, incluindo uma cerimônia no Boulevard des Invalides, com hinos nacionais e revista de tropas.

Seguirá uma reunião bilateral com o presidente Emmanuel Macron no Palácio do Eliseu e um jantar de Estado. No dia 6, a Universidade Paris 8, em Saint-Denis, concederá a Lula o título de doutor honoris causa.

Depois, ele viajará a Toulon e Nice, onde discutirá a preservação dos oceanos e a COP 30, que o Brasil sediará em Belém. Tanto a mídia progressista quanto a tradicional brasileira deram amplo destaque a essa merecida homenagem, sublinhando sua raridade, reservada a apenas 19 chefes de Estado em quatro séculos.

Na França, a RFI enfatiza o fortalecimento das relações bilaterais. No X, vozes como @BohnGass celebram Lula como símbolo de resistência, enquanto @ThiagoResiste prevê um legado linguístico duradouro.

Cultura no século XXI: A alma dos povos - No século XXI, onde a inteligência artificial parece ofuscar a inteligência humana, a cultura permanece um espelho da alma coletiva. Desde os mitos antigos até as revoluções literárias modernas, ela molda a identidade dos povos, dando voz a suas aspirações e angústias.

No Brasil, Machado de Assis, com “Ao vencedor, as batatas; ao vencido, o desprezo ou a compaixão” (Quincas Borba), desmascarou a ironia cruel da desigualdade social. Em Portugal, Fernando Pessoa, com “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” (Mar Português), capturou a ousadia e a melancolia de um povo marítimo.Na Rússia, Lev Tolstói, com “Todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira” (Anna Karenina), revelou a singularidade do drama humano. Na Inglaterra, Charles Dickens, com “Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos, era a idade da sabedoria, era a idade da tolice” (Um Conto de Duas Cidades), refletiu as contradições de uma era em transformação. Na França, Émile Zola, com “A verdade está a caminho, e nada a deterá” (J’Accuse…!), defendeu a justiça com coragem que abalou o mundo.

Esses gigantes literários mostram que a cultura, mais que a tecnologia, revela a essência de um povo, uma época, uma nação.

Os últimos cinco homenageados - Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, foi homenageado em 2019. Jurista e defensor da lusofonia, ele debateu “saudade”, um termo existente, mas enriquecido por sua reflexão sobre a identidade portuguesa, que ressoa com a alma de um povo.

Juan Carlos I, então rei da Espanha, recebeu a honraria em 2000. Reconhecido pela transição democrática, ele propôs “liberté”, um conceito universal revisitado à luz da democracia espanhola, marcando a sessão com sua visão de liberdade.

Václav Havel, dramaturgo e presidente da República Tcheca, foi celebrado em 1990. Sua palavra, “vérité” (verdade), destacou a transparência em regimes autoritários, refletindo sua luta como dissidente contra a opressão.

Leopold Senghor, poeta e estadista do Senegal, foi homenageado em 1981. Ele defendeu “négritude”, aprofundando a identidade africana na francofonia, um marco na valorização da cultura negra em escala global.

Anwar Sadat, presidente do Egito e Nobel da Paz, foi agraciado em 1975. Sua palavra, “paix” (paz), foi revitalizada por sua diplomacia no Oriente Médio, leaving um legado de coragem e diálogo.

Palavras em crise: Reflexões sobre nosso tempo - Vivemos tempos em que as palavras, atordoadas, vagam sem sentido nos dicionários. Nos últimos dez anos, ideias como o terraplanismo, que nega a ciência básica, ganharam espaço. O negacionismo científico, como a resistência às vacinas durante a pandemia de COVID-19, custou milhões de vidas.

A contradição é gritante: a ONU, criada para promover a paz, tem seu Conselho de Segurança liderado pelos cinco maiores fabricantes de armas – Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França –, todos com arsenais nucleares.

Enquanto guerras geram cemitérios diários, a missão de paz da ONU é desafiada por essa ironia estrutural. As palavras, que deveriam guiar a humanidade, precisam recuperar sua força, sua verdade, sua capacidade de unir.

Um legado para o futuro - A homenagem a Lula na Academia Francesa é mais que um reconhecimento; é a consagração do Brasil como uma voz que ecoa no concerto das nações. Sua palavra, seja “esperançar”, “comunalidade” ou outra, será um sopro de vida em um mundo de incertezas.

A Academia, guardiã da linguagem há quase quatro séculos, testemunhará em 5 de junho o poder das palavras para tecer laços sobre divisões. A história nos ensina que Átila, o rei dos hunos, que viveu no século V, equivocou-se ao declarar que “a palavra é uma fonte de mal-entendidos”.

Longe de semear discórdia, a palavra é o alicerce da civilização, o fio que costura a esperança. Quando Lula subir ao púlpito, sua voz será um horizonte, provando que a palavra, em sua essência mais pura, é a fonte da unidade, capaz de curar feridas, inspirar sonhos e tornar possível um futuro de justiça e fraternidade.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.