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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Hoje é dia de lembrar Stuart Angel

A jornalista Denise Assis relembra o assassinato de Stuart Angel, morto pela ditadura militar há 50 anos, no dia 15 de maio de 1971

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“Só queria embalar meu filho/Que mora na escuridão do mar”- (“Angélica” - Chico Buarque)

A busca por Stuart Edgard Angel Jones

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Não, o lamento contido nos versos de Chico Buarque, não foi atendido.  Zuzu Angel Jones não pôde mais nem sequer rever o filho, Stuart Edgard Angel Jones (Paulo ou Henrique), desaparecido em 14 de maio de 1971, aos 26 anos, por ser uma das lideranças do Movimento Oito de Outubro (MR-8), que se opunha à ditadura. Quanto ao seu corpo, é possível que tenha mesmo ido parar no mar, lançado do alto de um helicóptero das Forças Armadas, conforme denúncias da época. O Estado brasileiro jamais assumiu a prisão de Stuart. Nenhuma explicação foi fornecida sobre o seu desaparecimento. Tampouco revelaram o destino dado aos seus restos mortais.

Stuart nasceu em Salvador (BA) em 11/01/1945, era filho da estilista Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, e de Norman Angel Jones, de nacionalidade inglesa e norte-americana. Era dado à prática de esportes: tênis, natação, capoeira, halterofilismo, sendo o remo, pelo Clube de Regatas Flamengo, ao que mais se dedicava. 

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Cresceu no Rio de Janeiro, onde cursava Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 18 de agosto de 1968, casou com Sonia Maria Lopes de Moraes, indo morar no bairro da Tijuca. Sua militância política foi iniciada quando entrou na Dissidência Estudantil do PCB da Guanabara, (mais tarde MR-8). Em 1969 já havia se tornado dirigente da organização, estando à frente de operações armadas do grupo e, portanto, perseguido pela repressão.

Naquele ano, o de 1971, a ditadura mostrou-se mais violenta que nunca. De janeiro a julho, praticamente todos os integrantes da organização haviam sido presos, torturados ou mortos. Sua agonia e morte sempre foram descritas em circunstâncias brutais, conforme carta enviada à Zuzu, mãe de Stuart, pelo ex-guerrilheiro, integrante da VPR, (Vanguarda Popular Revolucionária), Alex Polari de Alverga, preso dois dias antes de sua queda, em 12 de maio de 1971. Alex foi um dos responsáveis pelo sequestro do embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben.Na carta, ele descreve que Stuart teria sido amarrado a um jipe no pátio interno da Base Aérea do Galeão, e arrastado, aspirando gás do cano de descarga do veículo. Agonizante, foi levado à última das celas destinadas aos presos políticos que lá se encontravam. Seus gemidos e pedidos por água vararam a madrugada e foram ouvidos por Maria Cristina de Oliveira, que se encontrava na cela ao lado. Já amanhecendo, ela ouviu a movimentação para a retirada do corpo de Stuart.

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“Nós estamos aqui, em 27 de março de 2014, (CEV-Rio), e você, Maria Cristina, remexendo nos seus arquivos pessoais. Encontramos uma espécie de “desabafo”, ou como se fosse o trecho de um diário, que você parece ter escrito na época, ou logo depois de sua passagem pela prisão na Base Aérea do Galeão... (maio de 1971)

-Sim. Eu tinha mania de escrever. Sempre que estava sofrendo eu escrevia. Naquela época essas coisas doíam demais. Era uma forma que eu encontrava de aliviar o sofrimento.

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‘Nesta noite, (de 14 para 15 de maio de 1971) talvez, não tenho certeza, ouvi gemidos na cela ao lado, no cubículo dois. Ele dizia que ia morrer. Que tinha frio e que queria um remédio para a dor. Bati na parede e perguntei quem estava ali. Não obtive resposta. Ouvi vozes e o Muniz falando com o homem que gemia: ‘Toma este melhoral, Paulo. Você vai melhorar. Tome este cobertor.’ Bati na porta, chamando a pessoa que havia estado lá, falando com o doente. ‘Quero vê-lo’, eu disse. ‘Ele está morrendo. Não sei quem é, mas deixe-me cuidar dele. Preciso cuidar dele.’

-Quem era o coronel Muniz?

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-Era um dos torturadores. O nome dele aparece na matéria do Chico Otávio - O Globo. (“Abílio Corrêa de Sousa, codinome Pascoal”). Ele era o chefe de setor e participava das torturas.

O coronel Muniz vacilou. Foi lá para dentro e voltou dizendo que eu não poderia ir tratar do companheiro. Perguntei quem era ele e a resposta foi a porta da vigia na minha cara.”

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Em busca de pistas sobre Stuart Angel, a CEV-Rio consultou no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 20 pastas relacionadas às suas atividades na Dissidência Guanabara e MR-8, da qual era um dos líderes. Nestas pastas, com cerca de 600 documentos cada, se encontram descritas – frutos do monitoramento praticado pela repressão, na época –, as ações guerrilheiras organizadas pelas organizações por onde passou. Sob os codinomes “Henrique” e “Paulo”, Stuart participou de várias dessas ações, chegando a sair ferido no joelho, em uma troca de tiros com a Polícia.

Todas as ações de que participou o levaram a interagir com uma parcela expressiva da esquerda. A perseguição e queda de Stuart se deveram, além do seu papel de liderança, ao fato de ter dado proteção ao capitão Carlos Lamarca, comando da VPR, que passou a integrar, em abril de 1971, a organização. Desde então, o cerco a Stuart se intensificou. Por ter desertado das fileiras do Exército, a prisão de Lamarca virou obsessão para a repressão, que na época agia de forma conjunta na busca aos dissidentes do regime.

Com sucessivas quedas no mês de maio, o risco ficava cada vez maior. José Roberto Gonçalves de Rezende, integrante da VPR, (conforme a informação no 279/CISA-RJ), foi preso na noite de 7 de maio de 1971, na livraria Entre Rios, em Copacabana, e levado do DOPS/RJ, para as dependências do CISA na base aérea do Galeão. O livro de ocorrências no 16 (Ímpar) do DOPS/RJ, localizado no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), registra, na página 176, a detenção de Zaqueu José Bento e Manoel Henrique Ferreira, integrantes do Grupo Político-Militar do MR-8, também em 7 de maio de 1971, no Rio de Janeiro. Alex Polari de Alverga também preso na mesma semana - conforme registrado no livro de ocorrências no 19 do DOPS/RJ – forneceu, sob tortura, aos agentes do CISA, informações sobre encontro dele com Stuart Angel, e foi utilizado como “isca”.

Tanto Polari quanto Maria Cristina de Oliveira Ferreira, contam que Stuart foi barbaramente torturado até a morte pelos agentes do CISA, na Base Aérea do Galeão, para que revelasse o paradeiro de Carlos Lamarca, mas resistiu. Ambos, porém, afirmaram em seus depoimentos que apenas ouviram a voz de Stuart - no caso de Alex Polari, na sala de tortura -, e na cela ao lado, agonizando e pedindo por água -, na versão de Maria Cristina. 

A CEV-Rio consultou os documentos disponíveis no Arquivo Nacional, que detém parte do registro das atividades do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA), tido como órgão responsável pelo desaparecimento do militante.

Sempre apoiada na documentação pesquisada e nas indicações da família, a CEV- Rio ouviu em torno de 30 pessoas sobre o caso, incluindo o coronel Paulo Malhães, que ao ser procurado para falar à Comissão do Rio, no final da entrevista, já com o gravador desligado, disse para a coordenadora, Nadine Borges: “se a família do Stuart quiser procurar por ele, que vá para a África. Ele foi jogado na Baía de Guanabara. A esta hora as correntes marinhas já o empurraram para lá.”

Também foi empreendida uma busca por fotos e laudos no Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE).  Ali foi encontrado um envelope contendo uma sequência de quatro negativos, fruto de uma perícia de local, datada de 18 de outubro de 1971, cinco meses depois da morte de Stuart Edgard Angel Jones.  Revelados, eles exibiram o achado de uma ossada, na ponta de pedras da cabeceira da pista do Aeroporto Santos Dumont, muito próximo às instalações da 3ª Zona Aérea (Hoje Comar III), e à beira da baía.

O laudo da ossada, encontrada entre as pedras que protegem a pista da ação do mar, é assinado pelo perito Jaques Wygoda. Procurado pela Comissão, ele disse que foi convocado para o serviço, mas que o laudo que emitiu foi “inconcluso”. Alegou não ter tido condições de definir nada, por se tratar de “uma ossada”. Na conversa, ele chegou a comentar, ter emitido vários laudos para “suicidados” dentro do DOI-CODI, da Rua Barão de Mesquita, nos anos de 1970.

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(restos de madeiras são registrados na areia, antes de chegar às pedras, onde foi encontrada a ossada – Fonte: IML – Acervo CEV-Rio)

 

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(Ossada e restos de madeira – semelhantes aos vistos na praia – Fonte: IML – Acervo CEV-Rio)

As fotos acima foram enviadas ao perito-médico Levi Inimá, que considerou a ossada como “compatível com um corpo em decomposição na água por cinco meses”. 

Uma das pessoas entrevistadas pela CEV-Rio sobre o desaparecimento de Stuart foi o coronel da Aeronáutica, reformado, Lúcio Valle Barroso, hoje com 81anos. Na carta de Alex Polari ele é apontado como um dos participantes da morte do líder do MR-8. Barroso admitiu, pela primeira vez, o envolvimento do CISA na prisão do ex-guerrilheiro.

Ele contou que o sargento Abílio Corrêa de Sousa, codinome “Pascoal”, teria sido o responsável, tanto pela prisão de Rubens Paiva, quanto pela de Stuart. Revelou, ainda, que costumava levar presos políticos para tomar banho de mar na cabeceira da pista, compartilhada entre o 3º Comando Aéreo Regional e a operação comercial do Santos Dumont. Exatamente o local onde foram encontrados, os ossos, por policiais da 3ª Delegacia de Polícia, em outubro de 1971. 

As investigações rastrearam, ainda, vôos de aviões de pequeno porte saídos do aeroporto do Galeão, em direção a campos de pousos militares, em outros estados. Lúcio Barroso admitiu que o CISA usava esse tipo de aeronaves no transporte de presos políticos, destacando, inclusive, “o filho de um tabelião”, do qual só se lembrou do sobrenome: ( “Saavedra Durão”).

Em depoimento à CEV-Rio, Jorge Eduardo Saavedra Durão, ex-quadro da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), citado por Lúcio Barroso, protesta contra o tom de “privilégio” dado às suas viagens para depor em outros estados.

“Mais de uma vez fui levado a outro estado para prestar depoimento no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de Porto Alegre ou em auditorias militares. Seria estranho a Aeronáutica transportar um preso político por terra, do Rio de Janeiro a Porto Alegre, sobretudo dada à paranoia com segurança reinante naquela época. O coronel Barroso tenta cinicamente apresentar essas viagens de avião em que o preso ia algemado como um privilégio.

Referindo-se ao grupo de presos de que fiz parte Barroso disse: “Um deles era filho de tabelião, mas andava por aí assaltando banco. Não eram anjinhos não. O Outro era filho de um médico, um tal Dias Campos. Os outros dois eu não me lembro – disse Barroso à CEV-Rio. (...) Meu pai era tabelião e eu, embora nunca tenha assaltado nenhum banco me solidarizo plenamente com os companheiros que o fizeram por necessidade da luta contra a ditadura. O coronel Lúcio Barroso confirma o seu envolvimento com a prisão de Sérgio Dias Campos, sendo impossível que ele não tivesse percebido o estado físico lastimável em que este se encontrava ao ser levado para o QG da 3ª Zona Aérea”.

O nome de Lúcio Valle Barroso, então capitão intendente da Aeronáutica, é apontado como envolvido na morte de Stuart, na carta que Alex Polari endereçou à estilista Zuzu Angel, e onde revelava visto Stuart ser torturado na Base Aérea do Galeão. Coincidentemente, é o nome do oficial que aparece nos documentos de recebimento de carros apreendidos com o também integrante do MR-8, Zaqueu José Bento, preso dias antes da queda de Stuart, pelo CISA. A documentação segue direto para o comandante da Base, João Paulo Bournier, apontado na carta de Alex, como o mandante da morte de Stuart, que hoje integra a lista dos desaparecidos. 

Outros nomes apontados no episódio são os dos oficiais e integrantes do CISA: Carlos Afonso Dellamora, Ferdinando Muniz de Farias e Abílio Correa de Souza, que ele chamava como “Abílio Alcântara”. Matéria do jornal O Globo (“Stuart Angel: verdadeiro nome do principal torturador é descoberto”) já havia denunciado o nome real do suboficial Abílio Alcântara, codinome “dr. Pascoal”, que na verdade era o Suboficial Abílio Correa de Souza, já morto.

Também constam no registro nº 710 do livro de ocorrências no 19 do DOPS/RJ, ou citados por testemunhos relativo à prisão de Alex Polari, os nomes dos agentes do DOPS Theobaldo Lisbôa; Nilton Vieira de Mello; Milton Rezende Almeida; Eduardo Teixeira Sobrinho e Jair Gonçalves da Mota.

Mesmo levando-se em conta o papel do coronel Malhães como importante quadro da repressão, treinado para embaralhar informações e desaparecer com provas, a CEV-Rio não descartou nenhum indício, e por isto não abriu mão de seguir as pistas que se apresentaram.  

Todas as possibilidades foram exploradas em suas investigações sobre o paradeiro dos restos mortais de Stuart Edgard Angel Jones, já que a certeza do seu falecimento pôde ser constatada em um documento emitido pela Agência do Rio de Janeiro, do SNI, em 14 de setembro de 1971, sob o nº 1008. (O documento cita anexo de 167 páginas, que não puderam ser localizadas).

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                              (Fonte: Arquivo Nacional – Acervo CEV-Rio)

O motivo do desaparecimento das páginas pode estar ligado a outro documento encontrado pela Comissão, no Arquivo Nacional, sob o código BR_DFANBSB_V8_TXT_AGR_DNF_0172_d.  Em 491 páginas são descritas ordens de arquivamento ou “destruição”, sobre as informações nele contidas. No que se refere a Stuart Angel, a orientação era destruir, pois, ao que tudo indica, o documento tratava do “desaparecimento” de Stuart.

                                                            (Fonte: Arquivo Nacional)

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                                        (Fonte: Arquivo Nacional ) 

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As buscas incluíram a documentação solicitada pela CNV, ao estado americano, enviada ao Brasil pelos EUA, em junho de 2014. Como Stuart tinha dupla cidadania, por ser filho de pai estadunidense, seu desaparecimento mereceu pronunciamentos do senador Edward Kennedy, no Congresso dos EUA, e buscas por parte de integrantes do corpo diplomático. A documentação, no entanto, se mostrou infrutífera. Nela o que se viu foi apenas a intenção de confundir. A repressão do Brasil respondeu aos questionamentos do governo americano, dizendo que o Stuart preso aqui tinha sobrenome “Gomes”, e não Jones. 

O desaparecimento de Stuart é um dos mais conhecidos da ditadura militar, tanto no Brasil como no exterior, em virtude das denúncias de sua mãe, Zuzu Angel, que chegou até mesmo a entregar um dossiê sobre o caso ao secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger. A mobilização de Zuzu foi tão grande que a morte de Stuart foi tema de um desfile que promoveu em Nova Iorque. As denúncias de Zuzu Angel sobre o assassinato de seu filho só cessaram com a sua morte no dia 13 de abril de 1976, em acidente de carro no Rio de Janeiro.

Os trabalhos da CNV, com relação a Stuart, caminharam em outra direção. Conforme consta do seu relatório final, em março de 2014, a Comissão Nacional recebeu informações de ex-militar da Aeronáutica, que servia na Base Aérea de Santa Cruz no ano de 1971 (cuja identidade será preservada nos termos da lei que criou a CNV), que reforçam ter sido a Base Aérea de Santa Cruz utilizada no início da década de 1970 para a prisão ilegal e tortura de presos políticos, e também como instrumento para a ocultação de seus cadáveres. Em depoimento à CNV em 11 de novembro de 2014, o referido oficial identificou fotografia de Stuart Edgar Angel Jones como sendo o preso que protegeu de um espancamento por policiais da Aeronáutica durante uma refeição no xadrez da Base Aérea de Santa Cruz. Nesse depoimento, o ex-militar relata que se sentou ao lado do preso que seria Stuart Angel, que estava muito magro e pálido. Este foi o único momento em que a testemunha teria visto Stuart Angel. Ainda nesse relato, o ex-militar afirmou ter sido ameaçado por seus superiores de que poderia ser enterrado no mandiocal próximo às regiões de mangue existentes na Base Aérea de Santa Cruz.

Esse mesmo ex-militar relata que era comum o comentário, na Base Aérea de Santa Cruz, acerca do lançamento em alto-mar de cadáveres transportados pelos aviões P-16.

A forte pressão internacional em torno do caso, resultou, em 15 de março de 1972, no afastamento de Burnier, dos coronéis-aviadores Roberto Hipólito da Costa, Carlos Affonso Dellamora e Márcio César Leal Coqueiro e de outros três oficiais, além da demissão do ministro da Aeronáutica, Márcio de Souza e Mello. A partir desse momento, porém, o regime militar passou a negar formal e ostensivamente a prisão de Stuart, o que se observa em vários documentos dos órgãos de informação, como no depoimento de Paulo Roberto Jabur ao CISA, registrado no informe no 0213, de 24 de julho de 1972, no qual Stuart aparece como “foragido”, além de afirmar que “Paulo” (codinome de Stuart) teria participado de seis ações armadas de expropriação. 

Documento de abril de 1973, com intuito de monitorar a atuação de jornalistas de OGlobo foi encaminhado pelo I Exército ao SNI. Entre os profissionais vigiados estava Hildegard Angel, irmã de Stuart.

Na Informação no 4.057, da agência São Paulo do SNI, de 11 de setembro de 1975, o nome de Stuart aparece junto a outros nomes de militantes mortos, acompanhados das respectivas datas de morte. No caso de Stuart, o dia indicado é 16 de maio de 1971.xv

Em oitiva domiciliar à CNV, em 30 de julho de 2014, o ex-comandante da Base Aérea do Galeão em 1971 e 1972, brigadeiro Jorge José de Carvalho, não forneceu nenhuma informação que permitisse esclarecer as circunstâncias da prisão ou da morte de Stuart Angel Jones. No entanto, o coronel Antônio da Motta Paes Júnior, que o sucedeu no comando da base em 1973 e 1974, admitiu em depoimento prestado à CNV, em 30 de julho de 2014, a existência de uma unidade do CISA no Galeão e indicou que havia recebido ordens superiores para não se imiscuir com esse grupo. Ary Casaes Bezerra Cavalcanti, comandante da Base Aérea de Santa Cruz de 1970 a 1972, foi convocado para prestar depoimento na CNV, mas não compareceu, alegando problemas de saúde.

Luciano José Marinho de Melo, cabo que servia na Base Aérea do Galeão à mesma época do desaparecimento de Stuart, admitiu, em depoimento à CNV prestado em 1o de agosto de 2014, ter levado a presa política Maria Cristina de Oliveira Ferreira para que ela fizesse a certidão de nascimento de sua filha no ano de 1972.

Verificadas inconsistências dos depoimentos tomados de Alex Polari, Maria Cristina de Oliveira Ferreira e Alexandre Lyra de Oliveira em 2014 pela CNV no tocante à morte de Stuart na Base Aérea do Galeão, e tendo em vista os novos fatos trazidos por ex-militares que atestaram o cárcere e provável ocultação do cadáver de Stuart na Base Aérea de Santa Cruz, trilhou-se nova linha de investigação visando a busca de indícios sobre práticas de ocultação de cadáveres na Base de Santa Cruz.

Nesse sentido, foram pesquisadas as ocorrências de alterações nas pistas de pouso, ou próximas dessas, que indicassem práticas relacionadas à possível ocultação de cadáveres.

A CNV constatou a realização de obras de ampliação das referidas pistas, entre os anos de 1976 e 1978. Foram realizadas pesquisas acerca da eventual existência de ocorrências policiais relacionadas ao encontro de cadáveres no local das obras da Base Aérea de Santa Cruz ou em outras obras realizadas pela mesma construtora na cidade do Rio de Janeiro que pudessem caracterizar eventual translado de restos mortais.

Em pesquisa efetuada junto ao acervo fotográfico da Polícia Civil do Rio de Janeiro, foi localizada em um dos canteiros de obra da construtora CETENCO, responsável pelas reformas na Base Aérea de Santa Cruz no ano de 1976, a foto de um crânio – relacionada a ocorrência policial de investigação sobre o encontro de ossadas em obra no centro do Rio de Janeiro - cujas características do crânio e de outros elementos circunstanciais levaram a CNV a encaminhar o material fotográfico localizado para análise comparativa craniofacial no Centro de Ciências Forenses da Universidade de Northumbria em Newcastle, Inglaterra.

A conclusão da análise pericial indicou que há, de modo geral, clara correspondência morfológica craniofacial entre as imagens ante mortem de Stuart Angel e post mortem da ossada cuja fotografia foi localizada pela CNV. Embora não tenha sido possível uma identificação definitiva, o perito Martin Paul Evison não encontrou elementos que excluíssem a possibilidade de a fotografia do crânio examinada ser de Stuart Edgard Angel Jones.

A despeito dos trabalhos da CNV apontarem para este desfecho, a CEV-Rio deu continuidade à sua linha de pesquisa que apontou para que o corpo de Stuart Edgard Angel Jones, depois de torturado na Base Aérea do Galeão, até a morte, ter sido jogado (talvez de um helicóptero), na Baía de Guanabara, conforme denúncias. O movimento das águas teria levado seus restos mortais até a praia, tendo sua ossada se prendido nas pontas de pedras, próxima à 3ª Zona Aérea. Ali, localizada pela 3ª DP, a ossada foi enterrada “excepcionalmente” - conforme nos adiantou a direção do cemitério de Ricardo de Albuquerque - como “ossada humana”, e não como seria o correto: “ossada de um homem” ou “ossada de uma mulher” ou “ossada de criança”. 

O enterro da “ossada humana” está registrado no livro de entrada de cadáveres do Cemitério do Cacuia, na Ilha do Governador (RJ), sob guia (a numeração está ilegível, mas parece ser: 301) da 3ª DP, conforme apurou a Comissão. (Vide foto abaixo). 

A CEV-Rio enviou ofício (nº 133/2014) em 21 de agosto de 2014, ao Dr. Sergio Gardenghi Suiama, do Ministério Público, pedindo exumação dos restos mortais – a partir de fotos feitas por peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli. Outros ofícios no mesmo sentido foram encaminhados, mas dadas as dificuldades burocráticas, até o momento, não foi possível empreender tal exumação. 

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(Fonte – Acervo – CEV-Rio)

*(Este texto foi elaborado originalmente para o Relatório da Comissão da Verdade do Rio).

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